Tempo de leitura: 3 minutos

Gustavo Atallah Haun | g_a_haun@hotmail.com
Com a passagem das festas juninas, podemos ver o quanto as festas folclóricas tradicionais estão voltadas a um mercado consumidor, notadamente de turistas que procuram o interior para tentarem viver o que não conseguem trancafiados nos seus apartamentos, ou nas suas casas blindadas, e no moderno corre-corre da vida videofinanceira computadorizada.
A tão esperada festa de São João, com suas comidas, danças e peculiaridades típicas estão dando espaço às megaproduções particulares, fechadas em fazendas ou parques de exposições, pagando-se um alto custo pela camisa que dá direito a adentrar e participar da mesma.
Já não há mais aquela ingenuidade do interior, onde se armavam as fogueiras nas roças ou nas portas das casas e, numa roda de amigos, bebiam licor e quentão até o dia raiar. Até tentam imitar isso, mas está longe daquela imagem bucólica e cultural de antes.
É a transformação própria impressa pelo capital, assim como as festas de carnaval, natal e outras datas comemorativas, tão modificadas ao longo dos anos. Na festa natalina, por exemplo, o que menos se comemora é o nascimento de Jesus. O bom e velho Papai Noel, importado dos países nórdicos europeus, tomou o lugar do Messias, fazendo uma particularização indevida que leva a todos ao consumismo exacerbado de presentes e guloseimas sem nexo.
Certa feita, em conversa com o mestre Ruy Póvoas aprendi que existe uma mistificação nada respeitosa aos ritos do candomblé. O lindíssimo Balé Folclórico da Bahia, sediado em Salvador, ajuda a propagar essa idéia, mostrando para os visitantes, na sua maioria estrangeiros, algumas danças, músicas e orixás da religião afro-descendente.
O professor se mostra indignado quando uma professora ou artista desavisada telefona pedindo emprestado as roupas e os paramentos dos orixás da sua religião, para uma apresentação “circense”. Por que não fazem isso com o Catolicismo, ou com o Espiritismo, ou com o Budismo?, questiona o babalorixá. Querem transformar a religião, os mitos, as crenças vindas de África em um pseudo-folclore, em diversão para os olhos alheios.
O antigo entrudo e os carnavais vienenses, festas pagãs que vieram para o Brasil através do branco europeu, disseminada aqui por todos os cantos e que se moldou ao nosso carnaval de baile, de rua e de sambódromo, hoje não passa de uma excrescência voyeur dos que lá freqüentam, voluptuosa e devidamente paga com o sexo e a desestrutura íntima da multidão, sociologicamente falando.
Também não deixou de ser uma festa capitalista. Os boxes de vendas de produtos, as empresas que montam a infra-estrutura da mesma, os blocos de carnaval, o alto preço das fantasias e os super cachês das bandas acabaram por findar a molecagem ingênua dos meses de fevereiro.
Isso para não falar dos Dias das Mães, dos Pais, dos Namorados e das Crianças. Sem mesmo deixar de citar a quaresma que desemboca na Páscoa. Esta uma das mais infelizes de todas, visto que é mentirosa e ludibria a população há séculos. O ato de comer peixe na sexta-feira da paixão é uma vergonha, quando na verdade deveríamos era nos tornar puros de alma, de coração, e não de estômago. Só para lembrar, Hitler era vegetariano e o boníssimo Chico Xavier um carnívoro…
Todos sabem (e fingem não saber!) da história de que o preço dos peixes estava caindo e que colocaram esse dogma para que na época da escassez pudéssemos comprá-los. De gaiatos aí entraram o chocolate (ovo da Páscoa) e o coelho. Para quem ainda duvida, uma passagem bíblica do Mestre dos mestres resolve o problema: “não importa o que entra na boca do homem e, sim, o que sai dela!”
É dessa forma que tudo vai se transformando em lucro, em propina, em servilismo, em desigualdade social. Quando na verdade deveríamos viver as tradições e a cultura herdadas (desculpem a redundância!) de forma ingênua, pura, simples e inofensiva, principalmente para não deixá-las morrer. Onde está o bumba-meu-boi? O congo? O baile dos mascarados? Cadê o lança-perfume, os confetes e as serpentinas? Para que lugar migraram a fogueira, o quentão e as verdadeiras quadrilhas juninas?
Sinto pelas crianças que não poderão aproveitar o que vivenciamos, saberão por livros e fotografias perdidos no tempo e no espaço, empoeirados do que foi um dia. E sinto sinceramente pelos idosos que mantiveram a intensidade dessa fase áurea das tradições culturais, ajudando para que elas permanecessem entre nós. Em relação ao São João, agora só resta puxar pela memória e tentar arrastar os pés imaginários ao som do acordeom do mestre Gonzagão nos terreiros de outrora, porque nem essa música dita forró-lambadeiro elétrico ajuda.
Gustavo Atallah Haun é professor.

8 respostas

  1. Em tempos de aquecimento global, é bom incluir aí os impactos ambientais de elevado porte: acidentes com fogos de artifício,saturando o sistema de saúde; queima de lenha de origem duvidosa, alta produção de fumaça nesta época do ano, quando as pessoas estão vulneráveis às gripes, resfriados, rinites e outras “ites”; poluíção sonora nem se fala – tudo para atrir clientes. Nada de festa junina, comidas típicas, mas cessão aos apelos consumistas: alta produção de lixo: copos e pratos descartáveis, demanda de água, energia elétrica, combustíveis fósseis e serviços como patrulha policial para defender a vida dos que bebem e dirigem; dos que se exaltam e provocam arruaças e acidentes com armas de fogo. Nada, nada de canjica, o licor foi substituido pela cerveja e pelos refrigerantes… E viva o deus consumo!

  2. Concordo c/ a Viviane.
    Professor Gustavo,,,parabéns,,análise perfeita da situação para a qual caminhou nossas principais datas comemorativas.

  3. Zelão, ao “Mestre com Carinho:” – Será o fim do mundo, ou será, apenas, a evolução dos tempos?
    “…Quando o homem quiser saber mais que Deus, do céu, Deus enviará os seus anjos em carruagens de fogo e destruirão o mundo…” (Apocalipse)
    Uma tentativa de resposta para: – “… Onde está o bumba-meu-boi? O congo? O Baile dos mascarados? Cadê o lança-perfume, os confetes e as serpentinas? Para que lugar migraram a fogueira, o quentão e as verdadeiras quadrilhas juninas?”…
    – O bumba-meu boi, evoluiu e chegou a Parintins (AM), onde hoje é festejado em um festival de luzes, cores e tecnologia, com o patrocínio exclusivo da Coca-Cola.
    – O baile dos mascarados, cedeu suas alegorias, aos encontros para “troca de casais”, onde hoje escondem a timidez de alguns, na pratica das suas fantasias sexuais.
    – O congo, existe apenas como manifestação da cultura negra, cultivada ainda pelos reminiscentes dos quilombos, ou como citação do país africano, permanentemente lembrado pelos genocídios praticados contra o seu povo.
    – O lança-perfume, classificado como droga, deixou de freqüentar os salões e na clandestinidade “faz a cabeça” dos jovens freqüentadores das festas rave, disputando preferência com a maconha, cocaína e o ecstasy.
    – O confete e a serpentina, são agora utilizados unicamente pelos bajuladores, para elevarem o ego dos poderosos de plantão.
    – As fogueiras, já não servem para queimar bruxas e muito menos para estabelecer comunicação à distância. Servem para esquentar as vaidades e até para queimá-las.
    – As quadrilhas, sofreram repaginação. Evoluíram de tal forma, que é difícil saber onde atuam. Receberam até a denominação de crime organizado. E de tão organizado, deixou de ser coisa de bandos de pobres e freqüentam os mais nobres salões da república e os luxuosos escritórios empresariais.

Deixe aqui seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *