Tempo de leitura: 3 minutos

Daniel Thame

São 8:45 minutos numa sala de aula de uma faculdade em Itabuna. Os alunos estão impacientes. Nada a ver com a complexidade do assunto abordado ou com a prova difícil na próxima aula.

A impaciência é em função do início da novela, que está nos capítulos finais. Na impossibilidade de se chegar em casa, a televisão da cantina será proverbial.

O mocinho da novela, que morreu mas não morreu  na explosão de um trem, após descobrir que seu filho não era seu filho, vai continuar com a mocinha sofredora, que começou a novela amando um intocável e depois se tocou que o melhor era amar alguém que poderia tocá-la todos os dias?

A vilã da novela, tão má quanto bonitinha, vai pagar pelos seus incontáveis crimes ou dará um jeitinho de se safar da cadeia para aplicar novos golpes?

O empresário que também morreu mas não morreu para poder fugir para Dubai e  ficar com a grana que desviou da empresa da família e depois se arrependeu, receberá o perdão dos que lesou?

São 13:30 minutos num restaurante de Cruz das Almas. Um grupo de cinco pessoas, todos servidores do estado, almoça e conversa animadamente. O assunto não é a greve dos professores nem a explosão de violência em Salvador.

É o final da novela.

A professorinha frágil abrirá mão de uma pós-graduação na Inglaterra para se casar com o namorado esquizofrênico, que acredita que Michael Jackson está vivo, que um time do Rio de Janeiro será campeão brasileiro de 2010 e que Sarney é vítima de perseguição da imprensa?

O empresário que morreu mas não morreu para poder ficar com a grana que desviou da empresa da família e depois se arrependeu, receberá o perdão dos que lesou?

São 16:15 minutos num posto de gasolina nas proximidades de Gandu. O frentista discute acaloradamente com o gerente. Nada a ver com as obras de recuperação da rodovia BR-101 ou com os caminhoneiros que insistem em arriscar a própria vida e a vida dos outros tomando “bolinha” para esticar a jornada de trabalho.

De novo, o assunto é o final da novela.

O guarda de trânsito corno que perdoou a mulher fogosa, que não vale nada, mas ele gosta, continuará tendo dificuldades em passar pela porta e usar boné?

Que destino terão  as criancinhas que passaram a novela toda fazendo aquela dancinha ridícula? Irão se apresentar na “Dança dos Famosinhos” no Domingão do Faustão ou serão atiradas nas águas sagradas do Rio Ganges, aonde em vez de irem para o brejo as vacas tomam banho?

Situações como as registradas em Itabuna, Cruz das Almas e Gandu se repetem em todas as partes do País, como se os personagens da novela fizessem parte da vida cotidiana cada um de nós.

Os bons são amados, os vilões são odiados e o final feliz, com casamentos, criancinhas nascendo e beijos apaixonados, é ansiosamente aguardado.

Enquanto isso no núcleo pobre da vida real os pobres continuam morando em bairros sem infra-estrutura, com transporte, educação e saúde precários, correndo atrás de empregos improváveis.

No núcleo rico, os ricos continuam desfrutando as delícias de serem ricos, mesmo que á custa da pobreza do núcleo pobre.

No núcleo marginal, os marginais impõem a lei do terror, o tráfico manda e desmanda e a polícia não passa nem perto, tão desaparelhada que está.

E no núcleo político, os políticos continuam legislando em benefício próprio, desfrutam de mordomias que o núcleo pobre nem sonha em desfrutar e surfando nas ondas da impunidade, pois sabem que sempre terão um final feliz.

Mas, cá pra nós, quem é que está preocupado com a novela da vida real, com tantos caminhos e descaminhos (das índias) da novela da vida irreal?

FIM

Daniel Thame é jornalista e blogueiro

www.danielthame.blogspot.com

0 resposta

  1. Cada um tem o direito de gostar do que quiser !!!Se vc julga que as pessoas para serem “cultas” ou “normais” devem discutir somente os problemas que vc expôs , vc está completamente enganado.
    A vida já é cheia de problemas, deixe que as pessoas fantasiem sim , divirtam-se com novelas, reality shows ou o que mais quiserem .
    Cada um eh livre para gostar do que quiser e não cabe a nós julgar que a,b ou c é inútil pq faz isso ou aquilo.
    Cada um cuida do que é seu . Se vc não gosta, RESPEITE !!!

  2. Zelão diz: – É quando a arte imita a vida

    Talvez o povo se apegue tanto as obras de ficção, porque, ao contrário da vida real, existe sempre um final feliz. Ao assistir no final da novela, o bandido ser desmascarado e até preso. A mulher adúltera ser perdoada pelo corno assumido. O filho ilegítimo ser reconhecido pelo verdadeiro pai e as máscaras de honestidade cairem, deixando desnuda a face da hipocrisia de falsos santos e profetas, o povo, na sua permanente esperança, sonha ser possível um dia, que se invertam os papéis e assim; a vida passe a imitar a arte.

  3. Sabemos que a vida é cheia problemas que temos dificuldades
    todos sabem não aguentamos mais assistir os jornais e vermos as mesmas machetes:JOVEM MORRE APOS SER ATINGIDA POR BALA PERDIDA EM SP,
    ja na Bahia as noticias são outras :ONIBUS SÃO ENCENDIADOS POSTOS POLICIAS SÃO METRALHADOS POR BANDIDOS EM REPRESALHA A UM BANDIDO QUE FOI TRASNFERIDO PARA UM PRESIDIO FEDERAL ,E OS ATAQUES CONTINUAM!
    e tem mais agora de Brasilia :PRESIDENTE DO SENADO É ACUSADO DE LICITAÇÕES OU ABRIGA ENFERNAL ENTRE O PT E O DEM .
    OU seja as novelas são os unicos meios das pessoas buscaram ”sair um pouco desse mundo das noticias dos jornais” se dvertirem dar risadas e sonhar um pouco que quem sabe um dia aquele final feliz se torne realidade?

  4. É isso mesmo… pão e circo!! Bolsa família, futebol e novela! Pura anestesia social! Agora vai ousar em deixar uma city sem sinal de TV, ai o povo vao a rua reinvidicar. O povo tem o que merece mesmo!

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