Tempo de leitura: 4 minutos

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Leandro Afonso | leandroaguimaraes@hotmail.com

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De maneira não premeditada, em menos de uma semana assisti a quatro filmes do gênero – A Profecia (1976), O Príncipe das Sombras (1987), Deixa Ela Entrar (2008) e Arraste-me para o Inferno (2009) –, o que, se por um lado não passou de uma obra do acaso, por outro ajudou a potencializar o caráter específico (“estético” e “cultural”) do sueco Deixa Ela Entrar (Låt den rätte komma in – Suécia, 2008), de Tomas Alfredson.

Pouca coisa se tornou tão americana como os filmes de vampiros, e, para não ir tão longe, basta lembrarmos de Entrevista com o Vampiro (1994), Drácula de Bram Stoker (1992) e Martin (1977) – este de ninguém menos que George Romero. E isso para não falar nas séries Buffy – a Caça Vampiros (1997), True Blood (2008) e o recente fenômeno Crepúsculo (2008). Mas Deixa Ela Entrar, curiosa e felizmente (por conseguir uma voz própria em um meio já tão saturado), pouco dialoga com eles além do inevitável.

Como esperado, o clima aqui é frio e mórbido – como o da Pittsburgh tão estimada por Romero. A diferença é que, se a escolha do interior da Pensilvânia por si só representava uma locação propícia para a formação da atmosfera interiorana e relativamente longe de onde a maioria das coisas acontece (inclusive pedidos de socorro), aqui o pano de fundo é a própria metrópole: Estocolmo.

Nela, a distinção vem ainda maior graças a uma bem pessoal construção dos personagens e da maneira pouco usual (mas nem por isso narcisista) de filmar determinadas cenas. Cada morte, por exemplo, não só tem uma função narrativa (o que não acontece com outros filmes marcados pela gratuidade de homicídios) como traz um caráter emocional. Mesmo o mais frio dos assassinatos – o do começo do filme, talvez – é relativizado e visto com um olhar mais generoso com o passar do tempo.

Generoso, sim, porque Deixa Ela Entrar é quase um manifesto de um caráter humano dos vampiros. E talvez o melhor exemplo seja o momento em que Eli (Lina Leandersson), que tem “mais ou menos 12 anos há algum tempo”, diz a Oskar (Kåre Hedebrant) que “mata porque precisa”. Quando uma frase óbvia (dentro do mundo dos vampiros) como esta consegue ganhar uma conotação genuinamente emotiva, fica a certeza de que estamos diante de algo especial.

Como é, por exemplo, a cena da piscina. Alfredson mostra sangue e tensão de um jeito bem peculiar, sem que a inusitada escolha do enquadramento chame uma atenção maior do que o que ele mostra: mais até do que pela sobrevivência, a crueldade justificada pelo amor – com um lirismo que deve tornar a cena indelével para a maioria que assistir.

Embora, é verdade, a trilha sonora às vezes soe invasiva (sublinhando uma sensação já perceptível), ela pouco compromete e não deixa de estar em certa sintonia com o filme. Que consegue terminar de um jeito gratificante e otimista, de forma que o resultado se liga menos a uma concessão do que a uma coerente demonstração da força do relacionamento e do ideal defendido. Muito bom.

Filme: Deixa Ela Entrar (Låt den rätte komma in – Suécia, 2008)

Direção: Tomas Alfredson

Elenco: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson.

Duração: 115 minutos

8mm

Suécia

Guardadas as devidas proporções (de talento e de quantidade de filmes – ambos ainda em aberto), Alfredson faz com o filme de vampiro o que alguns italianos, e especialmente Sergio Leone, fizeram com o western nos anos 60 – os western spaghetti. Independente de qual caminho o sueco tome (segundo o IMDB, vai pro quinto longa – nenhum em DVD oficial por aqui), que o talento esteja por aí.

Dia 28

Como a coluna fica no ar até o próximo sábado (antevéspera do dia), aproveito para divulgar a primeira exibição pública da versão definitiva de Do Goleiro ao Ponta-esquerda, documentário que dirigi como projeto de conclusão do curso de Rádio e TV na Uesc. A sessão única, ou pelo menos a única com data confirmada até agora, acontece no próximo dia 28, no Centro de Cultura Adonias Filho. A entrada é franca.

Filmes da semana:

  1. Deixa Ela Entrar (2008), de Tomas Alfredson (****)
  2. O Príncipe das Sombras (1987), de John Carpenter (***1/2)
  3. Arraste-me para o Inferno (2009), de Sam Raimi (***1/2)
  4. Os Sonhadores (2003), de Bernardo Bertolucci (***)
  5. Tudo Sobre Minha Mãe (1999), de Pedro Almodóvar (***1/2)

Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”

www.ohomemsemnome.blogspot.com

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