Terminada a sessão de Anticristo (Antichrist – Dinamarca/ Alemanha/ França/ Suécia/ Itália/ Polônia, 2009), a sensação que fica é a que o eterno conflito entre o talento e a auto-importância de Lars Von Trier (Ondas do Destino, Dançando no Escuro, Dogville) finalmente chegou ao fim – ou pelo menos aqui essa briga tem claramente um perdedor e um vencedor. Se por um lado o início e o final nos deixam claro que o filme assistido é do dinamarquês perturbado, todo o resto do filme dá a impressão de apenas um menino em busca de atenção.
Em Anticristo, mais até do que em outras obras a princípio tão ou mais polêmicas, Lars Von Trier exala a sua vontade de chocar, embora o problema aqui seja o fato de esse desejo iconoclasta ser muito maior que o seu esmero (já que capacidade ele tem) para dar à obra um resultado minimamente bem tratado. E o começo e o fim, que talvez sejam os pontos mais altos do filme, também são a prova de que o homem do Dogma 95 não é mais o mesmo.
O excepcional manipulador, e nem tão bom encenador, dá lugar a um (em parte) estilista (maior que o de costume) que parece funcionar apenas como tal. Quando o filme tem sua assinatura, ela parece borrada, como se escrita por um bêbado, cuja caligrafia única – cheia de referências e com boa carga pessoal, inclusive nos defeitos – nos atinge com a aparência de feita a olhos fechados. Aqui, Lars Von Trier, que sempre chamou a atenção pelo seu caráter a princípio intimista, inicia e finaliza o filme mostrando uma faceta de quem tem algum talento – do que ninguém duvida – mas se apresenta infantil no restante do tempo, com um aspecto de completo desleixo para com o cinema e compromisso único com o chocar, não importa o quão gratuito esse chocar soe.
Difícil falar mais do filme sem cair numa vala comum de opções para se depreciar o filme de Von Trier, mas é inegável que, aqui, ele parece ter se perdido por completo. Uma pena, em meio ao nada agressivo e excessivamente auto-importante que Anticristo prima por ser – e o muito melhor que LVT pode fazer.
Filme: Anticristo (Antichrist – Dinamarca/ Alemanha/ França/ Suécia/ Itália/ Polônia, 2009)
Direção: Lars Von Trier
Elenco: Willem Dafoe, Charlotte Gainsbourg
Duração: 104 minutos
8mm
Digital
Desde que vim pra Salvador, a maioria dos filmes a que assisti foram em projeções digitais – o Rain. Se em alguns casos a coisa não incomoda, em outros a passagem da película para o sistema foi patética, com aqueles gigantescos e nada sedutores pixels a me engolir. Os melhores (ou piores, melhor dizendo) exemplos foram Enquanto o Sol Não Vem e (especialmente) Amantes.
Para os que já se sentiram minimamente lesados com isso, vale a “Carta aberta aos responsáveis pela projeção digital no Brasil”: http://www.gopetition.com/online/31415.html.
Filmes da semana:
- Diário Proibido (2008), de Cristian Molina (cinema)
- Anticristo (2009), de Lars Von Trier (cinema)
- Verdade Nua e Crua (2009), de Robert Luketic (cinema)
Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”
www.ohomemsemnome.blogspot.com