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Juca Kfouri

Corria o ano de 1956, e, sem pieguice, eu não podia correr.

Uma tuberculose ganglionar quase tinha me matado, e eu andava fraco.

Já fora de perigo, me mandaram passar uns dias em Ilhéus, na Bahia, na casa de parentes.

Tio Pacheco era médico, dono do hospital da cidade, e um figuraço, casado com tia Esther, irmã de minha avó.

Estava lá eu em franca recuperação quando foi anunciada a presença do Fluminense em Itabuna, ali perto.

Foi então que tio Pacheco chegou em casa no fim de uma bela quinta-feira com dois ingressos na mão e prometeu que iríamos ao jogo.

Havia dias que eu não tinha febre, mas, sei lá se a excitação mexeu demais comigo, fato é que na sexta-feira amanheci febril.

Assim foi durante todo o dia, 38, 39 graus de febre, e, quando o tio Pacheco chegou e soube, nem pestanejou: sentou-se ao meu lado e disse que era melhor esquecer o jogo, mas que de todo modo me faria uma surpresa no domingo. Desnecessário contar o tamanho da frustração, e, na verdade, não havia surpresa possível que me interessasse ou consolasse.

Passei o sábado bem jururu e fui acordado no domingo com o anúncio de que tinha uma surpresa para mim na sala.

Lavei o rosto, escovei os dentes, fui para a sala e dei de cara com um bando de gente que eu não sabia bem quem era.

Era o time do Fluminense!

Tio Pacheco havia conseguido levar o time do Flu à casa dele, para visitar o sobrinho doente.

Ganhei autógrafos do Castilho, do Pinheiro, do Telê Santana, do Escurinho, uma beleza!

Muitos anos depois, às vésperas da Copa de 82, perguntei a Telê se ele se lembrava do episódio, e ele disse que sim, vagamente. E, sempre que de alguma maneira divergíamos, ele me ameaçava: “Vou espalhar para todo mundo que você já sentou no meu colo”.

Mas foi em 1984 que essa história teve seu fecho de ouro.

Num programa de tv, com Castilho, o maior goleiro da história do Flu, e Telê, perguntei a eles, piscando o olho para Telê, se guardavam alguma lembrança de visitas a crianças doentes em excursões do Flu.

E Castilho imediatamente se virou para Telê e disse: “Sim, é claro. Você se lembra, Telê, de um menino paulista que fomos visitar na Bahia, estava com uma doença grave, bem fraquinho, acho até que morreu?”

Antes que Telê falasse qualquer coisa, eu disse a Castilho que o garoto era eu.

O velho e sensível goleiro se emocionou às lágrimas.

Foi a última vez que o vi.

Três anos depois, deprimido, Castilho suicidou-se.

Deixou saudade.

Extraído do livro “Meninos, eu vi”, de Juca Kfouri.

8 respostas

  1. Sempre achei que o Kfouri de Juca, tinha alguma ligação com a região. Será que é parente do historiador e cronista Adelindo Kfouri?

  2. É isso aí. Futebol é tradição, é poética, é folclore. Futebol também é política, é negociata, é corrupção. Mas é arte. Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Futebol é história, nem sempre bonita. que pena !

  3. Esse é o tipo de “post” que realmente engrandece esse blog.
    Lembranças belas de uma época em que tudo no futebol era mais espontâ neo, ingênuo mesmo, porém belo e autêntico.
    Como tricolor, não poderia deixar de manifestar meus agradecimentos pela memorável e comovente história, uma das dessas que torna o esporte bretão ainda mais admirável.

  4. Seo Pimenta,

    Obrigado pela emoção que tove com a lembrança de meu avô Pacheco e minha avó Esther, protagonistas da crônica de Juca, que tive o prazer de reler. Meu avô faleceu três anos após esse episódio.
    Não tenho notícia do retorno de Juca nesses 54 anos que se passaram.
    Mais uma vez obrigado pela emoção.

  5. Para quem não sabe, o Dr. Pacheco e D. Esther, citados no artigo de Juca Kfouri, são avós de Zé Nazal. O período que Juca passou na aprazível Boa Vista (onde funciona a escola Mondrian e ainda hoje mora Tia Berta), foi em 1956, e portanto Nazal tinha apenas um ano de vida. Apesar de sua supermemória ele não se lembra… Mas se lembra das visitas posteriores que Juca fazia à Boa Vista, quando vinha em Ilhéus. Sabe-se que ele sempre tentava converter Nazal tentando torná-lo “pó-de-arroz”, mas, fiel aos seus princípios de “homem do povo”, Zé Nazal permaneceu flamenguista. Para nosso alívio…

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