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DEPUTADO CHUTANDO CANELAS

Ousarme Citoaian

“Ela não caiu no gosto dos baianos”, vocifera um deputado federal da Boa Terra, ao referir-se a uma candidata à presidência da República. Convenhamos que atacar a língua portuguesa não é o defeito mais grave dos nossos parlamentares. Mas é certo que “cair no gosto”, solecismo também utilizado exaustivamente na mídia ignara, é chute na canela, sem bola. Lance pra cartão vermelho. A antiga e legítima expressão cair no goto é conhecida de todos os que já leram algum livro – nem que tenha sido na escola, sob o ferrão daquela injustiçada professora de literatura. Desconhecer tal expressão é injustificável para os cultores da dita última flor do Lácio.

“TRADUÇÃO NASCIDA NA IGNORÂNCIA”

Cair no goto é frase feita. Mas daquelas que, ao contrário de provérbios e lugares-comuns que incomodam nossos ouvidos, valorizam o texto. Escritores as empregam com freqüência, pois elas revigoram a tradição da boa linguagem, dando elegância e sabor originais à escrita. Quem diz “caiu no gosto” atesta ignorância da língua literária, valendo-se de uma “tradução” modernosa, nascida no desleixo, amamentada pelos redatores desinformados e, pelo que ouvi, agora encampada também pelo parlamento. Leio num blog que “Invictus não caiu no goto dos críticos de cinema, que o classificam como uma obra menor de Eastwood”, e festejo. Nem tudo está perdido.

NINGUÉM ABONA “CAIR NO GOSTO”

Trocar cair no goto por cair no gosto é rematada ignorância. A expressão (com o significado de algo que agradou às pessoas) é recorrente na linguagem culta. “O romance caiu no goto do público”, diz o Aurélio. Hélio Pólvora, Machado de Assis e muitos outros usaram cair no goto (nunca, jamais, cair no gosto!), de sorte que seria enfadonho apontar abonações de grandes autores (quando “cair no gosto” não encontra nenhuma). Mas vá lá Mário Palmério, no clássico Vila dos confins (com reedição em 2003): “Prova provada é o Domingos, o tal rapaz novo e disposto que caiu logo no goto do Pe. Sommer”.

O GOTO, O TINHOSO E A CACHAÇA

Não resisto a outra abonação: o folclorista alagoano Altimar Pimentel (1936-2007), conta que o Diabo vinha pela estrada, sedento, cansado e mau humorado, quando viu um canavial. Entra como se ali fosse sua casa, “quebra uma cana e começa a chupá-la com tal sofreguidão que o caldo, azedo, caiu-lhe no goto e abrasou-lhe as goelas”. Era “o cão chupando cana”. Vingancista contumaz, o Tinhoso atirou sobre aquelas plantas inocentes (e pelas suas gerações ad aeternum) uma maldição: “De vocês o homem há de tirar uma bebida tão ardente como as caldeiras do inferno”. Tal bebida é a cachaça, outrora chamada, não sem motivo, água ardente (e que virou, creio, por aglutinação, aguardente).

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SONHANDO O SONHO DAS ÁRVORES

Eu queria dormir
dentro
das árvores
e sonhar os seus sonhos,
viver os seus amores.

Eu queria morar
dentro
das árvores e viver a justiça
de suas raízes.
Eu queria morrer
dentro
das árvores
e participar da glória
de renascer no chão,
como semente.

POETA DE LINGUAGEM MEDIDA E DESPOJADA

A autora do texto acima, Ecologia, é Valdelice Soares Pinheiro (1929-1993), que publicou dois livros de poesia (De dentro de mim e Pacto). Cyro de Mattos (em Itabuna, chão de minhas raízes) a descreve como “poeta que elabora sua poesia com linguagem medida e despojada”. Para o autor de Berro de fogo, a poética de Valdelice (foto) também “é de grande conteúdo humano, de equilíbrio entre concepção e execução, harmonia entre poema e ato, verso e matéria”. Ecologia foi retirado de Expressão poética de Valdelice Pinheiro, livro coordenado por Maria de Lourdes Neto Simões, lançada pela Editus/Uesc em 2002.

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DA IRRELEVÂNCIA E OUTROS DEMÔNIOS

Mas saibam quantos lerem esta coluna em feitio de bazar de turco, que nela assuntos abundam, pois tudo aqui é relevante. Até a irrelevância se faz relevante. Então, falemos de identificação das pessoas que escrevem nos jornais – não por falta de tema, mas por ser… relevante. Antes, um passeio pelos veículos nacionais, em que uma senhora chamada Danuza Leão se identifica nos seus escritos como “escritora e cronista”. Ora, muito bem. Quererão me dizer que essas categorias são diferentes? Cronista não é escritor? Será que alguém teria a petulância de dizer que Rubem Braga (foto), talvez o único cronista-apenas-cronista de quem já se ouviu falar, não era escritor?

OS “FILÓSOFOS” QUE SOBRAM NA CURVA

É comum que articulistas bissextos sejam identificados por uma lenga-lenga que sabe a curriculum vitae. A identificação quase compete, em tamanho, com o texto pífio que a antecede, e por pouco não ganha dele em qualidade. O palavrório varia entre 20 e 40 termos, que falam das excelências do autor, indo de cursos que fez a prêmios que ganhou, havendo até um que se diz “nacionalmente conhecido” (!). Há também o tipo que, além de sete ou oito “especialidades”, também se diz “escritor, poeta e redator” (o que, ao fim e ao cabo, vem dar no mesmo Mané Luiz). Mas a joia da coroa vai para uns dois desses comunicadores que empregam em suas identificações a palavra “filósofo”. Aí, sobram na curva.

TATIBITATE, SENSO COMUM E FILOSOFIA

Ser filósofo é algo além de concluir uma licenciatura em Filosofia. Mesmo quem se doutorou na matéria não usa o título de filósofo, salvo se for um rematado presunçoso. Filósofo é quem investiga, argumenta, discute, analisa, “pensa” criticamente o mundo e formula teorias que expliquem nosso cotidiano. Não é qualquer artigo vazado em linguagem gaguejada, defendendo teses bebidas no senso comum da tevê que vai justificar a alguém se auto-intitular filósofo. Lembremos de que a professora Helena dos Anjos, que sabe do assunto mais do que uma dúzia desses “articulistas-filósofos”, é chamada de professora de Filosofia, não de filósofa.

NA HUMILDADE DO PASTOR, O EXEMPLO

É preciso dizer que essa explosão de incontidas vaidades é estimulada pelos jornais, pois seus editores, a quem caberia fazê-lo, não podam os excessos, reduzindo a identificação àquilo que a sensatez recomenda, e que é seguido pelos grandes veículos. Por exemplo, Clóvis Rossi se identifica  nos seus artigos como “jornalista”, sem os penduricalhos da presunção. Mas preferimos utilizar um modelo mais próximo a todos nós: Dom Ceslau Stanula (foto), de vastíssimo currículo (incluindo Filosofia!), se identifica no texto que publica num jornal da cidade como “Bispo de Itabuna”. Um exemplo acabado de humildade e (“de onde não se espera é que sai”) de bom jornalismo, a ser seguido pelas editorias.

ALGUÉM CHORA EM ALGUM LUGAR

Às 20h10min do dia 18 de junho, alguém que se apresenta apenas como “Larissa”, e que diz morar em vasto espaço chamado “República Portuguesa”, entre lágrimas, postou no seu blog:

Vou sentir a tua falta Saramago, porque, tal
como pertenciais ao mundo, um pouco de ti
também era meu…

Ainda sobre a morte de Saramago, escreveu o poeta argentino Juan Gelman:

Com as lágrimas que se vertem agora se
poderia acabar com as secas do mundo
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ATITUDE DE DUNGA É COMUM NO FUTEBOL

O cronista esportivo Alberto Helena Jr. (Última Hora/SP) queria na seleção brasileira de 1970 o zagueiro Joel Camargo, para compor a defesa com Carlos Alberto, Djalma Dias e Rildo, todos quatro do Santos, e sugeriu isso a seu amigo João Saldanha, que convocara Brito. “Brito é mais versátil”, disse o técnico. Helena Jr. (foto)  insistiu, tentando justificar a troca de Brito por Joel Camargo. Saldanha, como sempre, foi direto: “Você arruma uma seleção e faz o seu time; a minha seleção escalo eu”. A passagem, do livro João Saldanha, uma vida em jogo (André Iki Siqueira), marca apenas uma das vezes em que João quis sair no tapa com os críticos. Resposta semelhante ele daria ao ditador do momento, o famigerado Garrastazu Médici.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

POÇO DE TEIMOSIA, ARROGÂNCIA E GROSSURA

Ninguém seria insano a ponto de colocar no mesmo saco João Saldanha e o atual técnico brasileiro, pois todos sabem que, como pessoa ou treinador de futebol, seria necessário dissolver dez ou doze Dungas para obter meio Saldanha. O que se deseja lembrar é que treinador de futebol costuma ser poço de arrogância, teimosia e grossura. Alguns deles: Leão e Felipão (de cuja genética saiu Dunga), Paulo Amaral (brigão emérito), Telê (teimoso até a medula), Evaristo, Luxemburgo (a pose em pessoa) e Muricy (imbatível em presunção). Carlos Alberto Parreira, parece-me, só confirma a regra: é um homem educado, a quem o técnico da França deixou de mão estendida. Prova de que o futebol merece Dunga, não Parreira (foto).

UM RISCO PARA NOSSAS CRIANÇAS

O viés autoritário era visível em Saldanha (foto) – para mim o homem que revolucionou o futebol (embora a mesmice voltasse, quando ele se afastou). Creio, sem querer passear pelo espaço da psicologia, ser isto normal. Tanto assim que (até que as mulheres ousassem entrar em campo) se repetia a frase calhorda “futebol é pra homem”, numa alusão à grossura que impera nesse esporte. Se futebol é mesmo assim, Dunga é seu símbolo, pois a terra dele é famosa pela exaltação dos machos, ao menos é o que diz o folclore gaúcho. E o técnico aplicou tapas na própria cara, para provar que é macho de verdade, bradando, raivoso, entre tabefes, ter “cara de homem”. Homem ridículo, sim, com risco de ser exemplo para nossas crianças.


(O.C.)

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