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A princípio, nada de mais com a existência de 195 cargos comissionados na Câmara de Vereadores, não fosse a perversa distorção quando esse número é confrontado com o onze, que é a quantidade de servidores públicos efetivos e concursados da Câmara Municipal.

Paulo de Freitas
A descoberta dos denominados “atos secretos”, produzidos há algum tempo nos porões do Senado Federal, chamou a atenção da população brasileira para uma prática mais comum do que se imaginava: a nomeação de servidores para ocupar diversos cargos públicos sem a divulgação em diário oficial de seus nomes, negando aos mesmos a publicidade que a lei exige.
A garantia de publicidade dos atos administrativos, ainda que não seja plenamente reconhecida como condição absoluta de validade dos mesmos, é comando que a chamada Lei Maior, a Constituição Federal de 1988, fez inserir em seu artigo 37, determinando que a administração pública, seja ela direta ou indireta, de qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: “… obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, …”.
Pretendeu o legislador constituinte, acertadamente, logo no primeiro artigo do capítulo VII, que dispõe sobre a Administração Pública, garantir e propiciar a todos os cidadãos o conhecimento e, via de consequência, a fiscalização e o controle sobre todos os atos praticados pela administração. E aqui não se trata apenas da nomeação de servidores, mas uma centena de outros atos que deixam transparecer como se comportam nossos servidores públicos, principalmente aqueles que ocupam postos que trazem em si a vontade da “caneta pública” sob seu controle.
Se no Senado Federal foi possível se praticar algumas centenas de atos administrativos, dentre os quais a nomeação dos “amigos do rei”, sem que o requisito da publicidade fosse respeitado, imaginemos o que não deve ocorrer, ou certamente ocorre, por esse Brasil afora… Nos estados e municípios, na calada da noite, nos finais de tarde, nos gabinetes dos chefes dos executivos locais ou em suas casas legislativas, onde nossos prefeitos, deputados e vereadores, resignados, debruçam-se diariamente a refletir sobre os interesses públicos por eles tutelados.
Mas deixemos o Senado Federal um pouco de lado, pois sobre ele já se volta uma boa quantidade de par de os olhos fiscalizadores e algumas dezenas de vassouras ávidas por promover uma verdadeira faxina cívica de moralidade. Assim ao menos pregaram os discursos quando da descoberta dos atos secretos praticados naquela casa.
Agora, também em função das notícias recentes veiculadas na mídia local, nos blogs, rádios e jornais da cidade, vamos cuidar um pouco do nosso “senadinho”. Não o Bar que desde muito tempo ladeia a casa legislativa municipal de Itabuna, mas ela própria – a Câmara de Vereadores.
Quem porventura tiver acesso e se der ao trabalho de passar os olhos por sobre as Leis Municipais 1.897/2003, 1.964/2005 e a 008/2007 – que dispõem sobre a estrutura organizacional dos cargos em comissão do poder legislativo do Município de Itabuna -, a estrutura da denominada Câmara de Vereadores, verá que delas advêm o número de 195 cargos isolados de provimento em comissão. É essa a previsão para o funcionamento da casa legislativa municipal. A maioria deles dispostos nos gabinetes dos vereadores, num total de 156, sendo que os outros 39 restantes estão à disposição de sua mesa diretora.
A princípio, nada de mais com a existência de 195 cargos comissionados na Câmara de Vereadores, não fosse a perversa distorção quando esse número é confrontado com o onze, que é a quantidade de servidores públicos efetivos e concursados da Câmara Municipal.
Assim é que se gasta parcela significativa dos R$ 500.000,00, valor repassado todo mês pelo Executivo Municipal à Câmara, somente com o pagamento de servidores comissionados.
É certo que a Lei Orgânica Municipal, seguindo princípio consagrado na Constituição, garante ao legislativo Itabunense a faculdade de dispor sobre sua estrutura e funcionamento, preservando assim a independência e autonomia daquele poder. Mas o que não se pode é usar e abusar do comando legal, atribuindo-lhe interpretação vesga que vai de encontro ao interesse público que a lei maior visa preservar.
Mas, tendo como norte os “atos secretos”, cabem algumas perguntas ao presidente do nosso “Senadinho” municipal. Onde foram publicados os atos de nomeação dos atuais ocupantes de cargo em comissão da Câmara de vereadores de Itabuna?  Quem são e quantos foram os nomeados nessa atual Legislatura? Onde estão lotados e quais as funções públicas que desempenham? Todos os atos da Câmara de Vereadores são publicados ou somente alguns?
A propósito, as mesmas leis antes mencionadas, tanto a 1.897/2003 quanto a 1.964/2005, dispõem que: “Os cargos comissionados criados por esta lei são de livre nomeação e exoneração do Presidente da Câmara Municipal de Itabuna”.
Se acaso existissem mais servidores efetivos, seriam reduzidos os cargos em comissão para serem loteados e por certo o presidente Loiola estaria livre do constrangimento de ter exonerado, mesmo ungido pela força divina a quem disse ter se apegado, servidores comissionados que não indicou.
Somente devemos loas ao presidente Loiola, primeiro pela descoberta, ainda que reste pouco mais de quatro meses para o final de sua gestão, de que é ele o responsável maior por tudo que aconteceu no período em que regeu a Câmara. E em segundo pelo afastamento de servidores que ocupavam postos de chefia e que, segundo o presidente, agiam contra os interesses da coisa pública que deveriam respeitar e também cuidar.
Mas diz a boa higiene que não se faz faxina em casa jogando a sujeira debaixo do tapete. É preciso jogá-la fora e usar água e sabão em abundância, além de um bom e forte desinfetante, daqueles que garantem a eliminação de todos os germes maléficos à saúde dos proprietários da casa. Nesse caso, não podemos esquecer que a câmara de vereadores é a casa do povo e o povo clama por sua limpeza.
Faço ao final o registro do site oficial da Câmara de Vereadores de Itabuna, no endereço eletrônico http://www.camara.itabuna.ba.io.org.br/ onde o requisito da publicidade dos atos oficiais se revela (ou deveria se revelar). De passagem, lá não encontrei nenhum da atual legislatura referente à nomeação de servidores públicos para ocupar os cargos em comissão, bem verdade que outras coisas deveras interessantes lá encontrei, inclusive as concorrências e as licitações públicas tão comentadas nesses tempos de faxina cívica no legislativo municipal.
Paulo de Freitas é acadêmico de Direito.

3 respostas

  1. Quando esse tanto de cargo comissionado sumir, os urubus irão parar de se canditar ao legislativo itabunense, quem sabe assim não teremos melhores representantes por lá.

  2. Excelente o texto desse acadêmico. Mostra como nossos estudantes estão preocupados com as denúncias que mancham a imagem de nossa câmara. Espero que os fatos relatados sejam investigados pela CEI. Parabéns.

  3. Não são onze funcionários concursados. Hoje a Câmara tem ao todo 10 funcionários, sendo que dois estão de licença médica. outra informação importante é que na casa nunca existiu concurso, os funcionários que atuam na instituição foram efetivados pela Constituição de 1988, uma vez que no ato de sua promulgação os trabalhadores já prestavam serviços ao Poder Legislativo.

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