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Gideon Rosa

O ser humano é uma criação extraordinária de Deus, mas o próprio homem insiste em se transformar em um objeto ordinário da Criação.

Gostaria de tecer comentários acerca da repercussão do livro Até o fim dos dias e mais um domingo, de Adroaldo Almeida. Alguém já se debruçou para refletir sobre o título poético e inspirado desse livro que tenta reunir três gêneros tão distintos como a poesia, o conto e o romance?

Essa, talvez, devesse ser a preocupação das pessoas, porque, não é comum, pelo menos não é notícia frequente, que alguém lance um livro misturando os gêneros. Mas, infelizmente, a discussão resvala por becos mais obscuros, e essa preocupação tem um significado profundo.

Ao discutir superficialidades, o leitor afoito e aprisionado a valores que não refletem necessariamente um bastião ético revela o quanto o homem está mergulhado na ignorância, no obscurantismo. O ser humano é uma criação extraordinária de Deus, mas o próprio homem insiste em se transformar em um objeto ordinário da Criação.

Deus, talvez, deva estar decepcionadíssimo em ter criado esses seres que, apesar de dominarem a Terra, recusam-se a se comportar de modo extraordinário, isto é, a assumir o papel da grandeza, o papel de algo extraordinário.

Talvez, um princípio para um bom começo, seria pensar naquele ensinamento bíblico que diz  non enim est acceptio personarum apud Deum,“deus não faz acepção de pessoas”  (Romanos 2:11). Tolerância, pois, ou no ensinamento popular: “Deixe Deus com seu mundo”, como dizia minha avó Magdalena, uma mulher extraordinária nascida no século XIX.

Mas, sobretudo, o que é muito triste, é que toda essa celeuma em torno do conteúdo desse livro revela uma realidade aterradora: os conservadores de hoje, os moralistas de plantão, não passam de guardiões do obscurantismo. Bem, ao contrário dos conservadores do passado, os de hoje não leem, não se preparam para a construção do pensamento, abandonaram a deliciosa retórica. Porque se tivessem lido um pouco, mesmo na escola básica, saberiam que a literatura de cunho erótico é mister de grandes nomes da literatura mundial.

Aqui no Brasil, fomos deliciosamente surpreendidos, post mortem, com os poemas pornográficos de Carlos Drummond de Andrade em seu livro Amor Natural (Ed. Record, 1992). E o Marquês de Sade (1740-1814)? Um fenômeno que faz a narrativa de Adroaldo Almeida poder ser comparada a de um recém-nato.

Não falemos dos manuais, como o Kamasutra, porque não há no caso qualquer semelhança que se possa estabelecer uma conexão,  mas falemos de Boccaccio (Decamerão), de Pasolini (esse também faz de Adroaldo um inocente), Mario Vargas Llosa – confesso que estou listando apenas autores facilmente acessíveis para parecer menos pernóstico – Nabokov (Lolita), Yukio Mishima (Confissões de uma Máscara). Corram em direção às livrarias, porque o mundo está cheio deles. Na poesia, o negócio vem desde muito tempo, por exemplo, Ovidio, Catulo, Safo. A lista é grande.

Gideon Rosa, nascido em Itapé, é ator, diretor teatral, jornalista e escritor.

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