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DA IMPENSADA VANTAGEM DE NASCER ADULTO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Volto à leitora não atendida. Afinal, quem é Ousarme Citoaian? – ela pergunta. E eu riposto: sou uma criação meio insana de jornalista desempregado, uma inutilidade que deu certo. Feito personagem de ficção, já nasci adulto, de barba na cara, o que foi um golpe de sorte, pois não sofri os achaques típicos: sarampo, catapora, acne juvenil, adolescência e outras mazelas, como bilu-bilu de senhoras ociosas. A criação não recebeu incenso e mirra (que querem?), mas ganhou tantos elogios que quase fica irremediavelmente estragada. O criador teve de puxar-lhe as orelhas (em sentido figurado, é óbvio, que a Lei da Palmada não é graça!), a fim de lhe dar uma pitada de juízo e modéstia.

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Para os realistas, a Fênix é só um mito

Você saiu de um hino… Deve ser a prova provada da doce insanidade do meu “pai”, que se gaba de umas tinturas francesas. Sou a pronúncia figurada de Aux armes, citoyens! (Às armas, cidadãos!) – grito de guerra tirado d´A Marselhesa. Quer dizer que seu criador é um guerreiro, um incendiário? Menos, menos. Ele se define como um cangaceiro domesticado, mas é, aqui pra nós, um romântico. Tanto isso é verdade que, às vezes, deseja tocar fogo no mundo, na doce ilusão de que das cinzas será possível nascer algo que preste. Eu, mais realista, sei que a Fênix é só um mito. Afinal, Ousarme Citoaian é pseudônimo ou heterônimo? Até parece que eu mergulho a profundidades tais…

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Duas escritas e uma só crítica no mundo

Mas creio que minha escrita é outra: também crítica do mundo, porém mais cuidada, mais “erudita”, mais (se posso dizê-lo) elegante. Visto assim, sou um heterônimo, pois faço uma “literatura” diferente dele. Como eu disse, sou seu “outro eu”, um tantinho metido a gato mestre, sem esconderijo de falso nome, o que, de resto, não é novidade. Vasta é a linhagem de pseudônimos/heterônimos identificados: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), Aloísio de Carvalho (Lulu Parola), Alberto Hoisel (Zé… ferino e outros), Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde), Aurore Dupin (George Sand) e, encerrando minhas lembranças, Fernando Pessoa (Ricardo Reis, Álvaro de Campos e vários outros).

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TITULAR É REUNIR TERMOS INCOMPATÍVEIS

Falamos aqui há dias da “arte” de combinar palavras para obter o efeito desejado. Mas deixamos de mostrar exemplos, o que fazemos agora, lembrando alguns títulos de livros. Bons títulos parecem, na maioria das vezes, associações de termos incompatíveis à primeira vista – e talvez por isso causem belo efeito. Aqui está uma listinha modesta, a que a gentil leitora e o atento leitor (se cultivam essa já quase extinta paixão pelos livros) acrescentarão os de sua preferência. Vamos à “mistura”: Telmo Padilha denominou sua primeira publicação (1956) de Girassol do espanto; Jorge de Souza Araújo ganhou importante prêmio nacional com Floração de imaginários, Cyro de Matos é autor de O mar na rua Chile.

“As luas obscenas” de Hélio Pólvora

Titulação é arte. Euclides Neto, bom escritor, titulava mal – o que explica um romance chamado Machombongo. Marcos Santarrita fez Danação dos justos (vale citar também A solidão do cavaleiro no horizonte), Hélio Pólvora estreou em romance com Inúteis luas obscenas. O “gringo” Raduan Nassar escreveu poucos livros, mas é mestre em títulos: Lavoura arcaica e Um copo de cólera. Um estudo de Monique Le Moing sobre as deliciosas memórias de Pedro Nava chamou-se A solidão povoada, o espanhol Carlos Ruiz Zafón escreveu o best-seller A sombra do vento, e os leitores desta coluna, todos, leram Cem anos de solidão, de Garcia Márquez. Penso que estas poucas referências são suficientes para chegar ao nosso cqd.

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GUIMARÃES ROSA E SUA INFLUÊNCIA NA MPB

Descobri Luiz Cláudio, cantor, compositor e pesquisador das coisas de Minas, lá pelos anos setenta e fiquei abismado com a “parceria” dele e Guimarães Rosa:
“O galo cantou na serra/ da meia-noite pro dia/ o touro berrou na vargem/ no meio da vacaria/ coração se amanheceu/ de saudade que doía”. O galo cantou na serra só era novidade para minha ignorância. Em 2008, a historiadora Heloísa Starling (da Universidade Federal de Minas Gerais), após longa pesquisa, afirmou que o autor de Sagarana talvez seja o escritor de maior influência sobre a canção brasileira. “Há música espalhada por toda a obra de Rosa”, diz a professora.

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“O capeta tocando viola rio abaixo”

Para Heloísa Starling, essa musicalidade de JGR vem do próprio sertão, dos sons da natureza, do silêncio “e até do capeta tocando viola rio abaixo”, além do uso que ele faz da linguagem. Em Rosa, as palavras não têm apenas significado, mas sons e ritmos. Canções com influência roseana são muitas, nem sempre explícitas à primeira audição. Heloísa cita, além de O galo cantou…, Assentamento (de Chico Buarque para o MST), Travessia (Milton Nascimento-Fernando Brant), A terceira margem do rio (Caetano Veloso-Milton Nascimento), Sagarana (João de Aquino-Paulo César Pinheiro), Língua (Caetano Veloso) e Matita perê (Tom Jobim-Paulo César Pinheiro).

Um sujeito bom como cheiro de cerveja

Não encontrei menção da pesquisadora a Desenredo, a minha preferida nessa “parceria” de Rosa com a MPB. É letra do grande Paulo César Pinheiro, com melodia de Dori Caymmi, baseada no conto revolucionário, renovador do gênero, que tem este nome (está em Tutameia – Terceiras estórias). É a história de amor de Jó Joaquim, um sujeito “quieto, respeitado, bom como o cheiro de cerveja”. No vídeo, não sei o que mais me umedece os olhos: o ousado arranjo vocal (como sempre) do Boca Livre, a beleza suave, doce e dolorosamente jovem de Roberta Sá em harmonia com os “velhinhos” do grupo, os lindos versos ou a melodia compatível. Talvez, o conjunto da obra.

(O.C.)

6 respostas

  1. Estou mergulhado na trilogia americana de Philip Roth. Que profundidade. Não é a toa que o maior escritor norte-americano vivo tem em Dostoiévski sua mais caudalosa fonte de inspiração.

    Escrita nos anos noventas, a trilogia é composta por “A Marca Humana”, “Me casei com um comunista” e “Pastoral Americana”. É de arrepiar.

    Considerado o maior escritor americano vivo, Philip Roth já se cansou de ouvir dizer que é candidato fortíssimo ao Prêmio Nobel.

    Ele nunca esperou por isso. Decidiu não mais escrever e nunca mais será esquecido. Tenho na minha cabeceira a trilogia,e a certeza de que o Nobel não é única referência de excelência literária. Abraços.

  2. Deixe-me chegar perto.Fico a imaginar se tiveste na infância (não a creio inexistente!), à tua vista, alguém bordando finos e delicados tecidos, criando figuras inimagináveis, de colorido encantador, de deliciosa harmonia, resultando em composições únicas e sedutoras.Se isto te aconteceu, foste excelente aluno pois é assim que são elaboradas as tuas publicações.Os assuntos se entremeiam como pequenos riachos que terminam por desaguar em rio maior, mais cantante,cujas águas alimentam margens (nós) nem sempre fecundas e viçosas.Teus escritos são um alento…um incentivo…obrigada.

  3. Oh, quanta analogia do Guimarães Rosa com a música brasileira!
    Das dores do oratórios de João Bosco, uma pérola rara; E agora José?, poema construído por Drummond, musicado posteriormente, somente citando os mineiros.

    Falar de Fernando Pessoa e seus heterônimos, quero deixar meu preferido, Alberto Caeiro como lembrança para Universo Paralelo, com o devida licença de Ousarme. Apenas essa joia rara da poesia universal:

    O meu olhar é nítido como um girassol.
    Tenho o costume de andar pelas estradas
    Olhando para a direita e para a esquerda,
    E de vez em quando olhando para trás…
    E o que vejo a cada momento
    É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
    E eu sei dar por isso muito bem…
    Sei ter o pasmo essencial
    Que tem uma criança se, ao nascer,
    Reparasse que nascera deveras…
    Sinto-me nascido a cada momento
    Para a eterna novidade do Mundo…
    Creio no mundo como num malmequer,
    Porque o vejo. Mas não penso nele
    Porque pensar é não compreender…

    O Mundo não se fez para pensarmos nele
    (Pensar é estar doente dos olhos)
    Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

    Eu não tenho filosofia; tenho sentidos…
    Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
    Mas porque a amo, e amo-a por isso
    Porque quem ama nunca sabe o que ama
    Nem sabe por que ama, nem o que é amar…

    Amar é a eterna inocência,
    E a única inocência não pensar…

  4. Não li Philip Roth. Há muitos anos, me indicaram O Complexo de Portnoy e eu não me interessei muito, pois, na minha ignorância, imaginei tratar-se de mais um desses best-sellers americanos, do tipo Forsyth, John le Carré e outros. Nada, em princípio, contra os grandes vendedores de livros (adorei, por exemplo, Os sete minutos, de Irving Wallace!), só que eu estava interessado em outro gênero, naquele momento. Os anos se passaram, desencontrei-me com Phillip Roth, mas ainda está em tempo. Li recentemente que ele não mais escreve romances, passando a tratar de sua autobiografia.

    Um comentário aqui posto, “bordado em finos e delicados tecidos”, fala de “figuras inimagináveis, de colorido encantador, de deliciosa harmonia, resultando em composições únicas e sedutoras…” Dia desses ouvi uma curiosa expressão popular, para mostrar proporções inusitadas: “o rabo maior do que o cachorro”. Pareceu-me o caso: a qualidade literária do comentário supera o texto comentado. Ai de mim!

    Oratórios é uma pequena cidade da zona da mata mineira. Talvez João Bosco, com Das Dores de Oratórios, citada pela leitora, seja a maior propaganda do lugar. Ele passava por lá quando viu uma mulher desesperada, aos gritos, na porta do cemitério, o que o levou a fazer a música. Ou não. Deixo, como lembrança de nossa pequeneza, um poemeto de Alberto Caieiro:

    “Passou a diligência pela estrada, e foi-se;
    E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia.
    Assim é a ação humana pelo mundo fora.
    Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos;
    E o sol é sempre pontual todos os dias”.

    Às pessoas que tão gentilmente leram meu textinho e fizeram comentários tão generosos, envio renovados agradecimentos.

  5. A leitora Só…longe…parece gostar muito de adjetivos “retumbantes”.Mas serão eles exagerados? Não creio.

    Três frases ficam ressoando na minha mente:
    “Você nasceu de um hino”- lindo! É de causar inveja a Buda…

    “Decidiu não mais escrever…”(R.S.)- Deve ser terrível, para quem PRECISA escrever, se encontrar diante de tal decisão!É como decidir NÃO mais LER…apesar de sofrer dessa paixão…

    “Assim é a ação humana pelo mundo fora.
    Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos:” (F.P.) citada por Ousarme. O bom é saber que o sol é sempre pontual!

  6. Boca Livre… Viajei na minha infância, curtir muito ao som deles. Quanta saudades… Me recordo bem de (Toada, dentre outras linda canção) grande sucesso de 2002. Agora vem essa então. Uma pérola, combinação perfeita com o toque suave da voz de Roberta Sá. Lembrando a nossa maravilhosa( Marisa Monte ) Se não tivesse visto o vídeo, apostaria que a voz seria de Marisa Monte. Fico a me perguntar: _ Onde encontra tanta inspiração SrºOusarme? O Srº tem um amor igual a Jó Joaquim?! Só discordo do cheiro bom de cerveja, não gosto. Bravos! Pela descoberta de Roberta Sá, que bom que ainda temos o que apreciar na nossa música popular brasileira, nem tudo está perdido, Com tanta coisa de mal gosto que as FMs teimam em empurrar aos nossos ouvidos chamando de música! Obrigada por nos dar oportunidade e o prazer em conhecê-la. Parabéns pela matéria!

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