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Karoline VitalKaroline Vital | karolinevital@gmail.com

O “gosto” pelo benefício próprio é a semente das pequenas corrupções, que crescem proporcionalmente ao nível de poder alcançado.

Os praticantes da Lei de Gérson são tão fiéis ao que acreditam quanto homens-bomba fundamentalistas. A máxima de levar vantagem em tudo é defendida com unhas e dentes, passando por cima até da valorização de entes queridos. Os exemplos são sortidos. Mas citarei o que acontece nas portarias de casas de espetáculos. Não vou nem falar de gente que vai a shows caros de artistas famosos, mas de pessoas que se recusam a coçar o bolso para colaborar com eventos em que familiares e amigos participam ou organizam.
A mesquinhez dos gersonianos é sinistra. Com arrogância, empinam o nariz, inflam o peito e saem rebocando quem ou o que estiver impedindo sua entrada.
– Minha filha vai se apresentar!
– A senhora tem convite?
– Olhe o meu nome. Deve estar na lista! – a gersoniana responde arrogantemente, sem olhar nos olhos do funcionário.
Ao ser informada de que não existe lista, a criatura avarenta sai bufando, puxando o celular da bolsa a fim de mobilizar não sei quem de não sei de onde para ordenar sua entrada gratuita. Enquanto o ser de comportamento ético duvidoso contorce sua tromba de insatisfação, chega à bilheteria uma menina vestindo a camiseta de um dos grupos que vai se apresentar.
– Quero uma meia-entrada, por favor – disse, enquanto puxava a carteira estudantil.
Ela não precisava pagar pelo show que iria oferecer ao público. Mas sua consciência de que o evento de pequeno porte precisa do maior número de colaborações possíveis não deu espaço para a vaidade ou sovinice. A mocinha pegou seu tíquete, entregou ao porteiro e adentrou no espaço.
A discípula de Gérson continuava firme e forte em sua luta pela xepa. Depois de conseguir falar com a autoridade máxima que a salvaria da iminente bancarrota, passa pela portaria mais inchada que um baiacu.
– A pessoa que vai liberar minha entrada já está chegando… – fala ao porteiro com altivez e deboche.
No tempo que a aprendiz de Tio Patinhas esperava seu salvo-conduto, chega uma família vinda de um bairro periférico. Os três fizeram questão de se dirigir o quanto antes à bilheteria e ter o orgulho de pagar para ver a filha e neta subir ao palco. Com humildade no olhar e falar, entraram tranquilamente e, com calma, escolheram o lugar com melhor ângulo, entrando antes da seguidora da Lei de Gérson.
O ser pão-duro estava irredutível. Cansada de ficar em pé no mesmo lugar, esperando pelo convite, a mulher andava de um lado para o outro, demonstrando angústia e ódio. Finalmente, depois de o segundo sinal ter soado, chega a autoridade máxima capaz de liberar a entrada da velhaca. De baiacu de cara feia, a pavão imponente. E ela ainda fez questão de cochichar no ouvido de seu salvador os maus-tratos que recebera do porteiro, enquanto passava pela catraca. Por alguns segundos, pensei até que fosse mostrar língua para o rapaz. Mas, sua pose de dondoca permitiu apenas que desse de ombro.
E essa não foi a única cena patética da noite. Não é e nem será a única do mundo. Os defensores da Lei de Gérson estão pouco se lixando para os outros. Eles só pensam o quão espertos são pela vantagem que estão levando. Não ligam em colaborar com a organização do evento, em valorizar quem está se apresentando, ou quem fez aquilo que está sendo consumido… O “gosto” pelo benefício próprio é a semente das pequenas corrupções, que crescem proporcionalmente ao nível de poder alcançado.
Karoline Vital é jornalista.

5 respostas

  1. Reflexão muuuuuuuuuuuuito pertinente, Karol. É triste ver como isso está disseminado nos quatro cantos aonde vamos. Como há gente se sentindo possuidora de direitos que supostamente as diferenciam do restante da humanidade. Horrível!

  2. “Quem é fiel no mínimo, também é fiel no muito; quem é injusto no mínimo, também é injusto no muito” Lucas 16:10
    É comum encontrar pessoas discursando indignadas com os políticos corruptos. Esquecemos que muitos têm o hábito de pequenas corrupções cotidianas… muitas vezes só para levar uma pequena vantagem!

  3. Excelente matéria! Acho até que vcs, jornalistas sérios, deveriam se aprofundar e escrever mais sobre temas como este, mostrando às pessoas que elas são co-responsáveis pela Lei de Gerson, ao serem omissas ou ao fazerem escolhas erradas. Seria algo como um projeto de Educação Continuada. Fico muito triste ao constatar este fato acontecendo rotineiramente, praticada por muitos falsos políticos e falsos idealistas. E mais, sem punição. Parabéns pela matéria Karoline.

  4. PARABÉNS PELO TEXTO KAROLINE VITAL, REALMENTE NOS DEPARAMOS CONTIDIANAMENTE COM ESSAS SITUAÇÕES E NÃO PRECISAMOS IR TÃP LONGE PARA PRESENCIAR TAL FATO, NO PRÓPRIO SEIO FAMILIAR ENCONTRAMOS, NO CICLO DE AMIZADE. INFELISMENTE AS PESSOAS NÃO SE DERAM CONTA DE QUE SOMOS TODOS IGUAIS E QUE ISSO INDEPENDE DE CLASSE SOCIAL, PODER AQUISITO OU BELEZA E ATÉ MESMO PODER.
    MAIS UMA VEZ MEUS PARABÉNS, ADOREI SUA PUBLICAÇÃO. NÃO TE CONHEÇO PESSOALMENTE, MAS SOU ALUNA DO SEU ESPOSO “FELIPE DE PAULA” QUE SEMPRE COMPARTILHA TEXTOS MARAVILHOSOS.
    JANAINA FIRMINO – UFAL(CAMPOS SERTÃO)

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