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Eduardo Estevam
 

A reação ao rolezinho revela uma luta de classes e uma brutal exclusão social, mas tem um elemento que considero central e que desmascara a “cordialidade” brasileira nas relações sociais: o racismo.

 
Onda Negra, medo Branco é o título de um livro em que a Celia Azevedo analisa o negro no imaginário das elites do século XIX. O rolezinho pode ser considerado uma onda negra, uma vez que apresenta traços culturais da musicalidade negra, e o medo, que residia na elite branca, hoje genaralizou-se.
O fenômeno chamado Rolezinho é apenas uma das práticas sociais dos jovens que fortalece sua identidade de grupo, cada qual com as suas particularidades. Esse tipo de rolezinho é o divertimento em grupo, ponto de encontro (combinados pela redes sociais ou não), a curtição, a azaração que sempre esteve sob olhar raciológico vigilante. O rolezinho que causou pânico nos shoppings apresenta algumas peculiaridades que há tempos venho defendo neste blog. A existência de um racismo que estrutura as relações e a forma de pensar e ver o outro na sociedade brasileira, e que é veementemente negado, principalmente pela grande mídia.
A reação ao rolezinho revela uma luta de classes e uma brutal exclusão social, mas tem um elemento que considero central e que desmascara a “cordialidade” brasileira nas relações sociais: o racismo. Não é de agora que esses jovens frequentam os shoppings, logo, essa prática não pode ser atribuída tão somente as mudanças do quadro econômico e social que possibilitou uma ampliação do mercado consumidor. A simples presença desses jovens negros e negras, negro-mestiços e branco-mestiços ostentando suas identidades culturais, foi motivo do estranhamento, do surto, do medo e da repressão, tudo em função de se aglutinarem e passearem gesticulando e cantando música funk. Esse tipo de racismo que esses jovens negros estão sujeitos caracteriza-se pelos embates culturais, ou seja, pelo conflito de valores.
O que está em jogo nesses acontecimentos são os conflitos étnico-políticos, cujo cerne é a diferença étnico-racial. Indiscutivelmente milhares de negros e negras já foram abordados, ameaçados, discriminados, rejeitados ou mal atendidos nos interiores desses estabelecimentos. O Brasil é um país miscigenado, mas rejeita a porção mais escura dessa hibridez. Precisamos aprofundar nas interpretações das relações étnico-raciais e não ficar negando a existência do racismo no Brasil. Só conseguiremos avançar, expurgar e empurrar a prática racista para a clandestinidade do subconsciente, quando destituirmos a mesma enquanto um valor, que em meio as relações de poder, é usada para levar vantagens materiais e/ou simbólicas.
Os rolezinhos instauraram uma crise e sua persistência é estritamente necessária para a afirmação da diferença. É uma prática que demonstra o quanto ainda persiste a repressão a diferença étnico-racial no nosso cotidiano.
Eduardo Estevam é historiador, doutorando em História e professor da rede pública de ensino de Itabuna. Artigo extraído do blog Tempo Presente.

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