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Karoline VitalKaroline Vital | karolinevital@gmail.com

Com toda propaganda ostensiva do FIES – inclusive no boleto das mensalidades – a instituição demonstra total desinteresse em manter os alunos.

O setor era um grande vão, organizado por divisórias de MDF. A maior parte dos funcionários pareciam clones das cunhadas gêmeas do Homer Simpson, mas sem os cigarros pendendo no canto da boca. Olhar vitrificado, expressão facial de como se tivessem acabado de engolir um remédio amargo.  A fala no ambiente era baixa, com poucas inflexões. E, ao redor, o contraste de toda alegria dos jovens estampados nos cartazes, na celebração de terem alcançado o grande triunfo do nível superior, pagando os juros colossais do Financiamento Estudantil.
Aguardava na fila a minha vez de pegar o reembolso da minha matrícula. Tinha sido aprovada em primeiro lugar para o curso de psicologia. Quando prestei o vestibular, fui criticada por familiares e amigos, que julgavam bobagem eu enfrentar outra graduação. “Você deve tentar um mestrado ou um concurso público”, ouvi de alguns. Mas psicologia era algo que sempre me empolgou. Sou fascinada pelo comportamento humano, como somos bichinhos pretensiosamente mais espertos que os outros, mas primitivamente tão previsíveis.
A gente faz planos para a vida, mas o destino às vezes disponibiliza rumos totalmente diferentes dos idealizados, acabei não tendo condições para arcar com os compromissos financeiros para entrar no curso logo no primeiro semestre. Assim, na primeira semana do ano, procurei a secretaria acadêmica para solicitar a manutenção da minha vaga para o segundo semestre, explicando todas as minhas razões.
As moças que me atenderam até foram simpáticas e me deram o prazo de 72 horas para uma resposta via email. O tempo passou e nada. Eu ligava para pedir algum posicionamento e nada. Fui à faculdade duas vezes e nada. Passaram-se duas semanas e a única resposta que obtive é que meu requerimento estava sendo analisado. E mais nada.
Com a proximidade do início das aulas próximas e a falta de qualquer parecer, decidi cancelar minha matrícula. Foi algo dolorido, contudo o mais racional. Pedi outro requerimento e fui ao setor financeiro. Quando entreguei o papel, o funcionário sequer me perguntou o motivo pelo qual eu pedia o meu desligamento prematuro. Explicou-me os procedimentos com naturalidade e, no prazo estabelecido, enviou-me um email comunicando que o meu reembolso já estava disponível.

O cubículo da funcionária ficou vago e eu me aproximei, explicando que estava lá para pegar a devolução da matrícula. A moça perguntou meu nome, enquanto procurava em um classificador repleto de cheques. Eu ainda brinquei que o setor financeiro estava mais rápido que o setor acadêmico. Ela me respondeu com um sorriso amarelo e disse que sentia muito, mas não podia fazer nada.
Pelo menos recebi mais simpatia que o rapaz para quem fui perguntar se quem passava em primeiro lugar tinha algum desconto e ele me respondeu que o máximo que poderiam me dar era parabéns, além do chá de cadeira antes de me receber.
Não estava esperando ser tratada com pompas e circunstâncias nem muito menos bajulada como uma dama da nobreza, mas, o tratamento que recebi foi totalmente oposto a tudo o que já vi sobre a melhor forma de lidar com um cliente. Afinal, não estavam fazendo nenhum favor para mim e nem para qualquer aluno que fosse. Com toda propaganda ostensiva do FIES – inclusive no boleto das mensalidades – a instituição demonstra total desinteresse em manter os alunos. Afinal, enquanto o curso é muito bem pago pelo dinheiro público, uma fila de estudantes está ávida a se endividar por mais de 20 anos, sonhando com a sessão de fotos do convite, a festa de arromba e o canudo mágico que abrirá milagrosamente todas as portas de emprego. Os alunos de certas instituições de nível superior viraram material descartável.
Karoline Vital é jornalista.

3 respostas

  1. É bem provável que a autora esteja se referindo a FTC, se não for o caso, temos uma outra instituição nos mesmos moldes em se tratando de atendimento ao aluno.
    Ass. Ex-Aluno FTC (Graças a Deus)

  2. Caroline; asssalam-alaykom!
    Gostei muito do seu texto; da estilística leve e coloquial e do seu jeito de emoldurar os “perfis” dos personagens interativos na epopéia em busca dos seus direitos mais legítimos.
    “Descartáveis” somo todos nos, simples cidadãos, num Estado sistematicamente monetarista, clientelista e corrupto, que manipula as massas com óbolos extorquidos através a maior carga tributária existente no planeta, que incidem pesadamente sobre o nosso próprio PIB e renda familiar.
    A ditadura social sindicalista ora em implantação no país, é a cereja que faltava nesse amargo pudim de miséria social que o Estado oferece “bondosamente” aos brasileiros amantes do futebol; do pagode; do carnaval, dentre outras prioridades que transcendem à própria cidadania.

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