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Bárbara AndradeBárbara Andrade

 

Alguns policiais adoecidos são transferidos para outras cidades, outras funções, mas não são tratados de forma correta, ou seja, com profissionais da área de saúde mental.

 

Você já deve ter ouvido alguns psicólogos se referirem ao acompanhamento/tratamento psicológico como terapia, ou análise. Bem, os psicólogos comportamentais ou humanistas chamam de terapia, os psicólogos com embasamento teórico na Psicanálise ou com formação psicanalítica o chamam de análise. Tem-se também a psicoterapia, que é outro tipo de terapia, porém ela pode ser uma psicoterapia breve, ou seja, com tempo de tratamento estipulado e focado na situação emergencial do paciente naquele momento. Contudo, todas têm o mesmo objetivo: trabalhar as questões ou demandas psicológicas do paciente.

Freud, grande psicanalista austríaco precursor da Psicanálise, em 1905, publica o caso “Dora”, onde descreve um caso clínico de uma jovem de 18 anos, com estrutura histérica, acometida por diversos sintomas psíquicos, e que provocavam sintomas orgânicos, como a afonia e paralisias. Porém, a histeria surpreende Freud pelo sofrimento no corpo sem causas orgânicas.

Foi o que chamou de “Talking Cure” – a cura pela fala. Freud percebeu que, ao falar de suas demandas psíquicas pelo método da “Associação Livre” (sem o analista delimitar tempo, ordem cronológica e por onde o paciente deva começar a falar), Dora conseguia elaborar suas demandas psíquicas. Assim o precursor da Psicanálise percebe que quando o paciente fala de suas angústias, consegue elaborar e lidar com suas amarras.

É no setting terapêutico (termo usado para designar o momento da análise) que o paciente fala de suas angústias, de seus nós, suas demandas, enfim é lá que ele se escuta. O analista/terapeuta escuta o analisando/paciente sem juízo de valor, sem moralismo e sem julgá-lo. Vale lembrar que esta escuta é totalmente técnica. Não se trata aqui de uma conversa entre amigos ou conhecidos, quando se dará conselhos, mas de uma relação terapêutica diferenciada.

Freud em seu texto “Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise”, chama atenção que a relação transferencial do paciente para com seu analista não deve se permear em uma relação de amigos, conhecidos, ou até com um paciente que o analista já tenha um vínculo social, pois esta relação será qualquer outra relação menos uma relação analítica, terapêutica.

Para Psicanálise e algumas abordagens da Psicologia, não se deve atender pacientes os quais o terapeuta/analista já tenha um vínculo de amizade, de trabalho ou familiar, pois esta relação terapêutica não será bem sucedida, uma vez, que já existe um vínculo social entre ambos.

O trabalho terapêutico é um trabalho no caso a caso em que cada paciente deve ser trabalhado em sua singularidade, por mais que atendamos pacientes com estruturas iguais, cada um “desencadeou” seu sintoma de forma diferenciada. Por isso, o paciente deverá ser trabalhado em sua subjetividade.

As construções produzidas no contexto terapêutico auxiliam o paciente em seu restabelecimento. Contudo, é primordial que o analista/terapeuta tenha o cuidado e o manejo para conduzir tais passos. De acordo com Freud, por meio das repetições do paciente exibidas na transferência é que se é possível superar as resistências, e isso é dado pelo analista/terapeuta, pelo fato dele revelar ao paciente essa resistência que até então não era reconhecida.

Entretanto, o processo de terapia/análise deve ser conduzido respeitando o tempo e o curso do tratamento, sem pressas e sem atropelos, o qual, segundo Freud, requer “uma prova de paciência para o analista e uma tarefa árdua para o sujeito da análise”.

Em minha caminhada como psicóloga, fiz um breve estudo sobre “saúde mental e Polícia” e percebi o quanto esta profissão adoece. Não quero aqui eximir as outras profissões de seus danos, porém percebo certa diferença na profissão de polícia. Estes profissionais, ao contrário de outros, vão ao “encontro” da violência, estão no lugar de escudo, proteção, barreira etc. entre a sociedade e a violência. Além de ficar no meio do Estado e da sociedade.

O adoecimento nesta classe é muito grande, as estatísticas apontam altos índices de suicídios, depressão, Síndrome de Bournaut, alcoolismo, desafetos conjugais, introspecção social, uso de substâncias psicoativas, dentre tantos adoecimentos de ordem psíquica. Vale lembrar que há também doenças de ordens orgânicas e fisiológicas como: obesidade, sedentarismo, cardiopatias, diabetes, etc.

É sabido que tais adoecimentos psíquicos e orgânicos, supracitados são consequências da ausência de saúde mental. Sabemos que hoje a depressão é considerada um mal do século e decorre por múltiplos fatores, por exemplo, pacientes que são acometidos por alto índice de estresse no trabalho, sobrecarga de trabalho e má qualidade de vida, dentre tantos outros fatores, estão propícios a desencadear sintomas depressivos e até mesmo transtornos mentais, e alguns por não darem conta de suas angustias acabam cometendo suicídio.

Sabemos que os policiais são vistos como “homens de ferro”, contudo não se pode esquecer que estes profissionais são pessoas, sujeitos que têm família, problemas pessoais, demandam também cuidado e proteção.

Penso que, ainda, a polícia, seja ela Militar, Civil ou Federal, não realiza um trabalho eficiente de prevenção destes adoecimentos. O trabalho é focado no combate e, por vezes, como tenho lido em alguns textos de pesquisa sobre o assunto, não sabem lidar com o adoecimento mental de seus colaboradores.

Alguns policiais adoecidos são transferidos para outras cidades, outras funções, mas não são tratados de forma correta, ou seja, com profissionais da área de saúde mental. Na grande maioria dos casos, permanecem no trabalho, adoecendo cada vez mais, pois não foi afastado de seu “agressor”.

Para tanto, se faz necessário, e é saudável que estes policiais tenham um lugar onde possam “descarregar” suas angústias psíquicas, seus problemas sociais, seus nós afetivos etc., fora do seu ambiente de trabalho, pois este, é um dos lugares onde foi gerado tal adoecimento.

É na terapia/análise que poderão fazer seus “furos”, falar de si, se escutar, pois lá além de saber que não terão seus casos expostos (Ética profissional), não serão avaliados ou até julgados como incapazes, loucos, derrotados, não serão vistos como “homens de ferro”, como policiais, mas como pessoas que também necessitam de cuidado e precisam de saúde mental para continuar sua caminhada, seja ela profissional ou pessoal.

Bárbara Andrade é psicóloga e voluntária da Associação de Praças da Polícia e Bombeiros Militares do Estado da Bahia (APPM-BA).

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