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ricardo ribeiroRicardo Ribeiro | ricardo.ribeiro10@gmail.com

 

Diante de minha surpresa, o menino foi logo falando: “ele matou muita gente, aí levou um tiro na cabeça”.

 

Rafael não sabe que este domingo é o Dia das Mães e suspeito que ele não conheça a existência de tal efeméride no calendário. Eu menciono a data e ele responde “eu vou, você vai?”, como se se tratasse de um evento. Percebi a confusão e procurei simplificar: “no domingo, você vai dar um abraço bem forte em sua mãe e dizer que a ama”. Ele achou graça e deu uma risadinha cujo sentido a princípio não consegui decifrar muito bem.

Quando lhe perguntei a idade, Rafael mostrou a mão esquerda espalmada e a direita com o indicador erguido. Enquanto mostrava “seis”, com a boca dizia que tem dois anos e falou que faria aniversário “amanhã”, mas imagino que ele não tenha muita ideia do que seja esse mistério. O menino da periferia de Itabuna me disse que estuda, mas não sabe o nome da escola.

Pode não parecer, mas Rafael é um menino esperto, com um olhar vivo e bom contador de histórias. Contou-me uma espantosa, quando lhe indaguei sobre seus pais. Me disse, do seu jeito, que a mãe está bem e cuida dele e de mais dois irmãos. Já o pai foi assassinado.

Diante de minha surpresa, o menino foi logo falando: “ele matou muita gente, aí levou um tiro na cabeça”. Soltou isso com total naturalidade, sem nenhuma emoção, como se fosse um fato banal. Deu a impressão de que narrava a cena de um filme

É assustador ouvir isso da boca de uma criança, mas Rafael infelizmente não é caso isolado e fiquei lamentando como sua infância está terrivelmente comprometida. A realidade desse menino, negro, da periferia de Itabuna, é igual a de tantos outros que nem dá pra contar. Crianças que deveriam ter o direito de ouvir histórias inspiradoras, que lhes estimulassem a imaginação e as fizessem se encantar pela vida. Em vez disso, convivem diariamente com a crueza da violência, na rua e em casa.

Rafael não é uma criança inventada, mas um moleque de verdade, desses que andam por aí e a gente nem liga. Vale muito a pena lhes dar atenção, e antes que seja tarde, como tem sido para tantos outros. Acima de tudo, é preciso quebrar a engrenagem que transforma meninos bacanas como ele em monstros que a sociedade só deseja exterminar.

Infelizmente, aquele sorriso enigmático de Rafael indica que sua inocência tem prazo de validade. E ele é curto!

7 respostas

  1. ESPANTOSO! ! ! Para nossa total surpresa, estarrecimento e felicidade, o prolixo, tediosos e chatíssimo “filho de mutuns” não publicou aqui nenhuma epístola quilométrica que ninguém lê! O Blog bem que poderia abrir espaço para ele com uma coluna diária que se chamaria “O Maabárata,”! Ufa!

  2. O homem é produto do meio, mesmo ñ sendo essa regra em sua totalidade aplicável, mas pura realidade. Triste realidade do salve-se quem poder.
    Texto de grande sensibilidade, e observação.

  3. Emocionante o teu texto, Ricardo!

    Ainda bem que você viu e publicou, porque a maioria das pessoas tratam essas crianças como se elas fossem coisas de ninguém. É falta de compaixão de uma sociedade ignorar o sofrimento que elas carregam, anestesiando a inocência, submetendo-as ao normalismo que as mostrualiza.

  4. Parabéns Ricardinho, milhares de Rafael pelo Brasil a fora, visto pela sociedade como Crianças invisíveis, poucas pessoas conseguem ter essa visão (especial), para ver e ouvir nossas crianças.

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