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adroaldo almeidaAdroaldo Almeida

como ele sabe agora, jamais encontramos um bálsamo, conforto ou doçura na provisoriedade dessa condenação da existência. Talvez nessa travessia, na eternidade de serafins e cítaras, ele possa declamar todo seu lirismo sem a azáfama e a urgência dos dias terrenos.

 

No meio da década de 1980, eu cheguei a Itabuna para estudar e trabalhar. Era bancário e sindicalista, mas queria ser escritor. Por revés da sorte, acabei advogado e político, uma lástima. Naquele tempo, transitava na senda da arte entre Buerarema e Ilhéus uma trupe felliniana: Jackson, Betão, Alba, Eva, Gideon, Gal, Delmo, Zé Henrique e, naquela miríade estrelar, ele, claro, RAMON VANE, o mais cênico de todos. A figura de um pintor holandês do século XVII, a recitação de um menestrel medieval e a presença carismática de um franciscano. Um astro rasgando o céu da Mata Atlântica. Nosso Rimbaud trovando no alto da proa de um barco bêbado, singrando os mares e domando as ondas naquela temporada no inferno, atirando poesias contra a estação da ditadura ainda presente.

Eu o encontrava quase todas as noites no curso noturno de Direito da Fespi. Fomos colegas e contemporâneos, nos códigos e na decodificação da Justiça, mas “as leis não bastam, os lírios não nascem da lei”, como aprendemos com Drummond e escrevemos o nome tumulto na pedra.  Era tímido na faculdade, nunca o encontrei no DCE, mas enxergava-o de soslaio num canto da biblioteca do Departamento de Letras, onde ambos acorríamos à procura da consolação na palavra. Porém, como ele sabe agora, jamais encontramos um bálsamo, conforto ou doçura na provisoriedade dessa condenação da existência. Talvez nessa travessia, na eternidade de serafins e cítaras, ele possa declamar todo seu lirismo sem a azáfama e a urgência dos dias terrenos.

No domingo [dia 15] acordei com uma mensagem de Gideon Rosa: “Ramon se mudou da terra hoje de madrugada”. Assustado, levantei mudo e pasmo, e essas reminiscências me afloraram durante toda a manhã. Daqui de Itororó, lamentavelmente, não pude ir ao sepultamento, então, mando rápidas e atropeladas letras na ambição de contribuir para desentortar as veredas no seu caminho ao paraíso.

Ramon Vane era um artista, eu me lembro!

Adroaldo Almeida

3 respostas

  1. Ramon foi versejar em outras paragens, já que a morte não existe. Fica então a indumentária, enquanto o ser imortal
    Voa livre.
    Vai então Ramon, alce um voo bem alto, é de la contemple os que aqui ficamos a acenar-te.
    Allan de Kard artista plástico

  2. Um dia, lá nos anos 80 dividimos uma carona para porto seguro. Eu uma amiga e Ramon. Já o conhecia através do mundo da arte e cultura onde ele participava igualmente aos meus irmaos. Aquele dia foi uma bela coincidencia. Kombi sem bancos e nós sentados falando besteiras e rindo. Bons tempos das caronas. Fica em paz companheiro.

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