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Daniel Piotto | piotto@hotmail.com
 

A melhor saída, tanto para a conservação da Mata Atlântica como para a recuperação da lavoura cacaueira do sul da Bahia, seria a priorização das atividades de manejo nas áreas que foram objeto de corte raso após a metade do século XX.

 
Na região sul da Bahia, o cacau originalmente era cultivado no sistema cabruca. Entende-se como sistema cabruca o cultivo do cacau sob o dossel de uma floresta nativa. As cabrucas foram estabelecidas através da remoção do sub-bosque e raleamento do dossel da floresta ombrófila densa que recobria originalmente boa parte da região cacaueira. O principal diferencial das áreas de cabruca em comparação com outros sistemas de produção de cacau, que conferem às cabrucas um alto valor de conservação por preservar elementos originais da flora e fauna da Mata Atlântica, está relacionado à manutenção permanente da cobertura florestal, ou seja, as áreas de cabruca nunca sofreram corte raso. Porém, devido à baixa produtividade das áreas de cabruca e impulsionado pela revolução tecnológica na agricultura a partir da segunda metade do século XX, foram estabelecidos no sul da Bahia sistemas de produção denominados de “derruba total”.
Os sistemas de “derruba total” foram estabelecidos tanto em áreas de fronteira da agricultura substituindo a floresta nativa, quanto em áreas de cabruca. Os sistemas de “derruba total” consistiam no corte raso de toda a vegetação, preparo do terreno para plantio e estabelecimento de mudas de cacau e de espécies florestais exóticas de rápido crescimento, como por exemplo a Erythrina spp., além do cultivo da banana nos primeiros anos para prover melhores condições microclimáticas para as mudas de cacau. De fato, houve um grande aumento da produtividade e a produção de cacau na região sul da Bahia alcançou seu apogeu. Apesar dos sistemas de “derruba total”, em termos de área no agronegócio, serem um dos sistemas agroflorestais mais expressivos em todo o país, essas áreas foram tradicionalmente manejadas com foco agronômico no cacau e o estrato arbóreo sempre foi tratado como uma cultura de serviço para provisão de sombra e microclima para o cacau.
Com a crise da região cacaueira, muitas das áreas de “derruba total” deixaram de ser manejadas adequadamente, no que diz respeito à roçagem e consequentemente ao controle da regeneração de espécies arbóreas pioneiras. Com o tempo, os sistemas de “derruba total” que não receberam nenhum tipo de manejo foram colonizados por vegetação secundária. A falta de manejo do dossel das áreas de “derruba total” associada à proliferação da vassoura-de-bruxa resultou no gradativo declínio da produção cacaueira na região e atualmente uma das poucas coisas que o sistema cabruca e o sistema de “derruba total” sem manejo ou abandonado têm em comum é a baixa produtividade.
Estima-se que dos aproximadamente 440.000 ha de cacau plantado na região sul da Bahia, 330.000 ha são cabruca e 110.000 ha são áreas de “derruba total”. A queda da produção cacaueira na região sul da Bahia tornou-se um problema crônico, devido em parte aos danos causados pela vassoura-de-bruxa nas áreas de “derruba total”, que tinham uma maior produtividade, e pela falta de capital dos produtores rurais para garantir o manejo dessas áreas. Com isso, iniciou-se um processo de secundarização das áreas de “derruba total”.
Esse processo histórico, no qual a floresta secundária aos poucos foi recolonizando áreas que sofreram o corte raso para o estabelecimento de plantações de cacau tem gerado uma grande confusão do que realmente é uma cabruca e o que é um sistema de “derruba total” abandonado. Apesar da diferença fundamental entre os dois sistemas ser a ocorrência de um corte raso da vegetação nativa por ocasião da implantação do cacaual, os ditames do decreto estadual que define as áreas de cabruca apenas considera o número e tamanho de árvores nativas presentes no sistema de produção. Com isso, tanto áreas de cabruca como áreas de “derruba total” mal manejadas são ambas enquadradas simplesmente como cabruca, apesar de serem floristicamente e terem valor de conservação totalmente distintos.
O recente debate sobre o manejo da cabruca deve-se em parte à falta de identificação diferenciada de uma “cabruca original” e uma “cabruca evoluída da derruba total” por abandono da área. É eminente a necessidade de uma diferenciação das áreas cultivadas com cacau com alto valor para a conservação da Mata Atlântica, das áreas de baixo valor para a conservação e com grande potencial para a renovação da produção cacaueira do sul da Bahia.
A melhor saída, tanto para a conservação da Mata Atlântica como para a recuperação da lavoura cacaueira do sul da Bahia, seria a priorização das atividades de manejo nas áreas que foram objeto de corte raso após a metade do século XX. O manejo e renovação dessas áreas possibilitaria não só um aumento da produtividade da lavoura cacaueira, mas também o enriquecimento dessas áreas com essências florestais para produção de madeira, diversificando a base produtiva e promovendo uma cultura agroflorestal na região.
Daniel Piotto é doutor em Ciências Florestais pela Yale University, Professor de Dendrologia e Silvicultura Tropical e Decano do Centro de Formação em Ciências Agroflorestais da Universidade Federal do Sul Bahia.

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