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HÉLIO PÓLVORA E A ESCOLHA DO SIMPLES

Ousarme Citoaian

O título do primeiro romance de Hélio Pólvora (foto), Inúteis luas obscenas, é um achado, mas não surpreende: jornalista de batente (além de contista, ensaísta, cronista, tradutor e crítico de cinema) ele sabe a importância de bem titular (até procurou, em vão, convencer disso seu compadre Euclides Neto, que criou títulos não muito inteligíveis, como Machombongo). Mas o melhor de Inúteis luas obscenas não é o título, é o próprio livro, um retorno ao bom e velho estilo de contar histórias com começo, meio e fim. Senhor de erudição suficiente para atingir o esnobismo (poucos brasileiros leram tanto quanto ele), Hélio fugiu dos experimentos estéreis, em privilégio do simples.

O LEITOR ESCOLHE O FINAL “MELHOR”

Surdo é personagem recorrente em contos do autor. De tanto perturbar o sono do contista foi parar no romance – um romance que se lê de uma sentada, tal a qualidade da narrativa, que pega o leitor pelo colarinho e o leva, subjugado, à última página – quando, surpreso, será chamado a decidir entre dois epílogos. Inúteis luas obscenas é um tratado sobre a solidão humana, estampada em anti-heróis condenados à vida miserável, sem perspectiva de romper seu círculo de pequenez, empurrados para um final em que nenhum tipo de libertação é possível. Nesse ambiente, duas mulheres fortes (“Somos duas cobras venenosas”, diz uma delas) se destacam: Celina e Regina.

AROMAS, CORES E SABORES DE CACAU

Surdo (que talvez nem seja surdo) é dado a leituras e filosofias, pensa, medita e dá mostras de ter visitado os bons autores. “Os maus têm uma felicidade negra”, cita Victor Hugo (foto). Envolvido com luas azuis, vermelhas e obscenas, e um amor não convencional, Surdo é um homem incompreendido e portador de certa carga de amargura – na grande sabedoria há grande pesar, ensina o Eclesiastes. Resta dizer que Hélio Pólvora é um escritor da zona cacaueira (“Sou um pobre homem de Itabuna”, diz ele, parodiando Eça), e seu romance tem cheiros, cores e sabores de teobroma, ainda que seja universal, na medida em que trata do sofrimento do ser humano, presente em todas as latitudes.

TEXTO PRAZEROSO, INOVADOR E ECONÔMICO

O clima de tragédia é acentuado por um prólogo em cada capítulo, à moda do coro do teatro grego, e referências a entes mitológicos (na gravura, Édipo). O romancista esparge constantes pitadas de lirismo sobre seus embrutecidos personagens, o que enriquece e “humaniza” a história. No entanto, esse olhar, que às vezes parece cúmplice e protetor, não subtrai a Inúteis luas obscenas seu conteúdo de tragicidade. Há de ressaltar-se (afora essa leitura pessoal), o texto prazeroso, econômico (sem chegar à mesquinharia de Dalton Trevisan), conciso, sem sobras nem faltas. A sensação é de que valeu (muito) a pena esperar pelo primeiro romance de Hélio Pólvora.

O QUE NOS IRRITA TAMBÉM NOS MELHORA

Teria sido o velho e suíço Gustav Jung (foto) quem disse: “Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a um conhecimento de nós mesmos”. Assim, coisas que a gente combate, como ingratidão, injustiça, traição, inveja, ciúme, medo ou impaciência e, no meu caso, a má concordância, a regência pífia e os lugares-comuns, pode significar que nós próprios somos portadores desses defeitos. Entendo ser imperativo que eu, crítico iconoclasta da obra alheia, exerça essa mesma exigência em relação a meus textos. E eu a exerço, embora considere normal não ter a isenção suficiente e ainda deixar contaminar minhas opiniões pela excessiva carga de autocompaixão.

NO INESPERADO, O EROTISMO VOCABULAR

Em maré de citações (hei de ter cuidado, pois Newton disse que quem cita muito não tem idéias próprias) ponho em campo o pensador francês Roland Barthes (foto), para quem as palavras se tornam eróticas pela excessiva repetição. Confesso que sinto esse erotismo vocabular (parece que inventei isto agora!) no inverso da repetição, que é o inesperado. O texto novo e simples tem uma força estranha que me agride (no melhor sentido), me pega pelo colarinho e me transporta a mundos distantes. Arrisco-me a perder os leitores exigentes, pois acabo (ai de mim!) de me pôr em posição contrária a Barthes (se vivo, não creio que ele ficasse muito preocupado com minha opinião…).

TEXTO QUE NOS EMBALA E TRANSPORTA

A verdade é que experimento um prazer muito grande com frases corretas, desde que despidas de pedantismo. Elas mexem em minha alma, me embalam e me transportam, como esta, um verso de sete sílabas: “Onde eu nasci passa um rio…”. A partir desta frase de Caetano Veloso é possível escrever romance, novela, crônica, conto… ou não escrever coisa nenhuma, mas será impossível não pensar e não sentir. “Onde eu nasci passa um rio” é texto a um só tempo refinado e simples. Uma das melhores frases da MPB, provocativa, por isso nova e boa, digna de ser tema de redação de vestibular para qualquer curso. Em prosa ou verso.

LIVRARIA ENTRE NÓS, NEM PRA REMÉDIO

Há variadas formas de medir o desenvolvimento cultural de uma comunidade: universidades, livrarias, editoras, cinemas, teatros e outras. Itabuna e Ilhéus (principais cidades da região) não têm, a rigor, nem uma livraria para remédio (temos casas que vendem, dentre outros itens, livros). Quanto aos outros padrões citados, estamos também em grande déficit – e é deplorável dizer que já estivemos em melhores condições do que hoje. Quer dizer: no que respeita a esses valores, andamos para trás. Ou, no máximo, de banda, no melhor estilo Ucides cordatus, também chamado caranguejo-uçá.

XADREZ POR AQUI SÓ A CADEIA PÚBLICA

Um leitor indignado nos ofereceu outro metro comparativo (igualmente empírico, é verdade) do nosso nível cultural: quase a ponto de nos confundir com o Procon, ele reclama que vasculhou Ilhéus e Itabuna para, surpreso, descobrir que é impossível, em cidades tão culturalmente ”avançadas”, comprar um jogo de peças de xadrez, com o mínimo de qualidade. Ora, vejam só. O chamado nobre jogo é mesmo um padrão interessante para o caso. O leitor diz que Vitória da Conquista, por exemplo, tem o xadrez na escola fundamental, como prática educativa. Aqui, xadrez é apenas a super-povoada cadeia pública.

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LUIZ GONZAGA E O INCÔMODO “VOZES DA SECA”

Dia desses, falamos aqui no médico Zé Dantas, um dos dois maiores parceiros de Luiz Gonzaga – o outro foi o advogado Humberto Teixeira (foto) – quando listamos “Vozes da seca” entre os clássicos do médico pernambucano. Luiz Gonzaga, na minha modesta opinião, foi o maior músico pop do Brasil (com a morte dele, creio que o lugar é de Gilberto Gil), mas é preciso lembrar, nem que seja apenas em favor da fria verdade histórica, que o Rei do Baião foi um conservador exacerbado, apoiou o golpe de 1964, chegou a dizer que não havia tortura no Brasil – e “Vozes da seca” o incomodava. Sei de um show em que ele, ao pedirem esta música, se recusou a cantá-la, com uma frase marota: “Não me lembro da letra”.

O CONSTRANGIMENTO DOS JOVENS COLEGAS

Gonzaga sempre teve horror a políticos de esquerda. Passou nove anos no Exército, quando aprendeu a admirar os militares, sendo amigo do presidente general Dutra, de quem animou muitos saraus palacianos – e, mais tarde, de Marco Maciel. Talvez não por acaso, “Boiadeiro”, a toada com que costumava iniciar suas apresentações, é de dois ex-militares (Armando Cavalcante e Clécius Caldas) que conhecera na caserna.  Já no governo Médici (o mais sanguinário dos generais da ditadura) ele decepcionou os colegas engajados na luta política, a exemplo de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Geraldo Vandré (foto).  E o mais constrangido de todos com esse comportamento era Gonzaguinha, filho do Rei.

POR BURRICE, “ASA BRANCA” FOI CENSURADA

A ditadura, que nunca respeitou nem mesmo os que apoiaram o golpe, também não poupou Luiz Gonzaga, proibindo-o de cantar (era o governo Médici) “Vozes da seca”, “Paulo Afonso” e “Asa branca” (as duas primeiras com letra de Zé Dantas, a segunda de Humberto Teixeira). As razões da censura: “Vozes da seca”, por ser música de protesto, e “Paulo Afonso”, por ciúmes – exalta os presidentes Getúlio, Dutra e Café Filho; já “Asa branca” foi censurada devido à burrice que grassava no governo – a ditadura era um monstro sem cabeça e, logo, sem juízo. Em 1980 (sob o general Figueiredo), Luiz Gonzaga gravou “Caminhando”, o “hino” de Geraldo Vandré; em 1981 fez as pazes com Gonzaguinha.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

UMA EDIÇÃO COM MUITAS LÁGRIMAS

Este vídeo foi editado com lágrimas, especialmente para a coluna. As imagens mostram o sertão nordestino torturado pela seca, aquele ambiente de intenso sofrimento (físico e, por consequência, psicológica) que inspirou o ginecologista e compositor José de Souza Dantas Filho, o Zé Dantas (1921-1962). O ano é 1953. Algumas cenas são de Vidas secas (1963), filme de Nelson Pereira dos Santos (foto), que também merece nossa homenagem menos tardia do que sincera. Clique.
(O.C.)

8 respostas

  1. Caro Ousarme Citoaian
    Aproveito para informá-lo que o Colégio da Polícia Militar Rômulo Galvão – em Ilhéus – tem o Xadrez como atividade da disciplina Educação Física.
    Além dos esportes como futebol, futsal, voleibol e basquetebol – que nós professores de EF apelidamos de “quarteto fantástico” -, a Escola oferece aos seus alunos Judô, Capoeira, Handebol, Educação Física Escolar, Xadrez e, pela primeira vez, este ano, o Atletismo. Sou o professor desta última modalidade.
    Até 2009, tínhamos também a Natação, que, por dificuldades de equipamentos, foi suprimida em 2010. Para este ano tínhamos planejado um projeto de Ginástica Rítmica que acabou não acontecendo, também por dificuldades logísticas.
    Convém ressaltar que o Xadrez é modalidade prevista nos Jogos Estudantis da Rede Pública da Bahia (JERP). Em Ilhéus, de 26 a 27 de agosto, os JERP foram realizados e o Xadrez esteve presente com significativo número de competidores.

  2. Quanto a falta de livrarias em nossa região, penso que não há demanda suficiente para esse tipo de empreendimento.
    A leitura não é (ainda) um hábito por aqui.
    Lembro-me de quando morava no Rio. Tinha o hábito de, ao sair do trabalho, passar quase que diariamente por uma determinada livraria. Faz muito tempo… Já não tenho certeza do nome… Não sei se Saraiva ou Siciliano. Ficava nas proximidades da rua Chile, entre o Teatro Municipal e o Largo da Carioca.
    Quando decidia entrar, ia diretamente à sala de leituras que ficava num enorme mezanino. Água e cafezinho faziam a cortesia da casa. Nem sempre comprava… Na maioria das vezes folheava um livro ali mesmo, fazendo leitura dinâmica – o que era permitido naquele espaço. Tinha dias que voltava para continuar a leitura do dia anterior.
    Apesar do hábito de “filar” os contéudos de alguns livros, também comprava.
    No Rio tem muito sebo. Mas sempre fugi de livros velhos como satanás foge da cruz. Minha rinite alérgica nunca me permitiu ficar por muito tempo folheando-os impunemente. Gostava mesmo era do cheiro e do ranger das páginas virgens das obras recém-saídas das editoras.
    Hoje o livro está ameaçado de extinção!

  3. Não, não era uma biblioteca, como alguns podem estar imaginando ao lerem a descrição da livraria no comentário anterior. Era mesmo uma livraria. Não sei se ainda existem com as características mencionadas.
    Quero aproveitar para corrigir um pequeno equívoco: no Rio não tem Rua Chile, mas Avenida Chile.
    ADSUMUS!

  4. “A leitura não é (ainda) um hábito por aqui.”
    “LIVRARIA ENTRE NÓS, NEM PRA REMÉDIO”
    Tudo porque, na maioria das vezes, as principais instituições que deveriam propiciar o habito da leitura não faz. E quando faz; faz de forma errada.
    Hoje, ler virou sinônimo de tomar remédio; remédio amargo e diga-se de passagem, para curar uma doença.
    Comprar livro é caro, semana passada comprei um. Onde comprei não vendia livros genéricos, infelizmente.
    Mesmo assim, “curei minha doença”.
    Livraria entre nós, nem para remédio. Mas os livros genéricos estão pintando por ai (salve, salve a era digital). Eu creio nas livrarias popular. Eu as desejo.
    Por enquanto os E-books vão paulatinamente suavisando minhas dores.

  5. Olá, Souza Neto!
    Em Recife, foi criada em 1970 a Livro 7, na Sete de Setembro, centro. Eu a conheci alguns anos depois, o Brasil já sob o coturno de Médici, o maior assassino da ditadura. A livraria (soube que era de um cara chamado Tarcísio Pereira) era um espaço de resistência, sendo possível comprar ali um Pasquim “desaparecido” das bancas ou ver Paulo Cavalcanti (eu era muito tímido para abordá-lo), o lendário comunista autor de O caso eu conto como o caso foi.
    Na Livro 7 (já morta, é claro) havia um espaço para o xadrez: mesas com tabuleiros, em que os clientes potenciais eram incentivados a jogar, durante todo o horário comercial. Livros (não só os de xadrez) podiam ser consultados, com uma só exigência: não fazer anotações. No meio intelectual do Recife (cidade de que me afastei premido pela necessidade) é comum se falar de “órfãos da Livro 7”. Eu sou, de certa forma, um deles.
    Sobre o xadrez no Colégio da PM (Ilhéus) é notícia alvissareira, embora pertença ao grupo das exceções: eu gostaria (sem prejuízo das demais modalidades mencionadas) de ver o jogo de Capablanca, Aleckine e Mequinho em toda a rede pública de ensino.
    Muito obrigado pelos comentários – e minhas desculpas pela prolixidade (acho que me deixei levar pela nostalgia da Livro 7).

  6. Quem colocar uma livraria aqui pode se preparar para fechar o estabelecimento pouco tempo após a inauguração, …!!!
    O povo é muito medíocre, não gosta de ler, só pensa em beber cachaça, …!!!
    Somos aleijados culturalmente, …!!!
    Basta observar o comportamento do povo, inclusive os universitários, ao entrar e sair de um ônibus, ao sair de uma festa, ou outro evento qualquer, no trânsito, e por aí vai, …!!!
    Porque aqui não fica uma lixeira, um orelhão, uma caixa de correio, inteiros, …?!?!?!
    Já estão jogando lixo dentro dos caqueiros na Av. Cinquentenário, …!!!
    Jogam de tudo dentro dos córregos e dentro do rio cachoeira (pneus, sofás e por aí vai), …!!!
    Outro dia fiquei pasmo ao observar um comerciante, isto mesmo, um comerciante, jogando papel na calçada, em frente à própria loja, na Av. Cinquentenário, …!!!
    Imagina se um povo desses irá se preocupar em ler um livro, …?!?!?!
    Ao ira oa trabalho, passando lela beira rio, em frente ao Shopping, dia desses, me deparei com alguns garotos, todos fardados do Colégio Galileu, um dos melhores da cidade. Um deles jogou uma pedra dentro do rio. Olhou para mim e, meio sem graça, falou: “Acho que matei um peixe, tio”! Eu, então, respondi – perguntando – o seguinte: – É isso que você está aprendendo na escola, …?!?!?!
    Outro dia eu vi uma mãe colocar o próprio filho para urinar em frente à entrada lateral do Shopping, que fica próxima ao Bom Preço, a poucos metros dos sanitários, que ficam junto à praça de alimentação, por pura preguiça. Olhem que “bom exemplo”, partindo da própria mãe. Agora eu pergunto. Quando crescer, essa criatura irá respeitar a quem, à polícia, …?!?!?!
    Se a nova geração já está sendo conduzida desta forma, imagina os mais velhos, …?!?!?!
    É difícil, …!!!

  7. Não querendo alongar demais o assunto, faço uma pergunta: quantos navegantes (vocês acham) se deram ao trabalho de ler esta coluna e os comentários que postamos?
    Quanto aos E-books, citados por O Grapiúna, penso que será (ou já é)um avanço. Entretanto, para mim, nada substitui a concretude do livro.
    É como a mulher… É preciso pegar… sentir… com o tato.

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