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ESCREVER NÃO É TRABALHO, É PASSATEMPO

Ousarme Citoaian

Milton Rosário, integrante de qualquer lista, por menor que seja, dos melhores jornalistas de sua geração (além de ser gente de excepcional qualidade), me contou esta. Certa vez, o pai do poeta Telmo Padilha (foto) virou-se para o autor de Girassol do espanto e, olho no olho, o chamou à terra: “Meu filho, deixe esse negócio de escrever e arranje um trabalho decente, pois literatura não dá camisa a ninguém”. Telmo persistiu e obteve reconhecimento nacional, o que não invalida a lição de que intelectual, para ganhar uma camisa nova, precisa suar (e muito!) a antiga. Não temos tabela de preços nem sindicato como proteção – e escrever, diz o senso comum, não é trabalho, é passatempo.

JORNALISTA É QUEM VIVE DO JORNALISMO

Aqui, uma questão semântica. Para a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) –  que anda pelas redações ameaçando prender e arrebentar quem por lá se encontre que não seja diplomado – é jornalista profissional quem tem o curso superior específico (aos demais, considerados no exercício ilegal da profissão, cadeia). Já o conceito “clássico” é diferente: jornalista é quem atende aos dois requisitos de 1) trabalhar regularmente na atividade e 2) ser remunerado por esse trabalho. Com ou sem diploma, é profissional o indivíduo que exerce o jornalismo periodicamente e é pago para fazê-lo. Fora dessa fórmula simples e clara, não há salvação, pouco importa o que pense a Fenaj.

“GANHARÁS O PÃO COM O SUOR DO TEXTO”

A região tem muitos (e bons) jornalistas não diplomados, e me arrisco a citar apenas um, na tentativa de síntese do que quero dizer. Refiro-me a Eduardo Anunciação (foto), um “bicho de jornal”, com mais tempo de redação do que urubu de vôo (às vezes penso que ele, por essa escrita em linhas tortas próprias dos deuses, teria nascido num ambiente de jornal – e, para completar a quimera, bebeu tinta de impressão, em vez de leite materno). Nunca foi balconista de loja, não trabalhou em banco, não sabe botar meia-sola em sapato, não é pedreiro nem médico. É jornalista. Daqueles que lutam com as palavras todos os dias, mal rompe a manhã – e pagam o supermercado com o suor do seu texto.

JORNALISMO DO DIFUSO E DO IMPALPÁVEL

O Sul da Bahia é terreno fértil para  colunistas de todos os jaezes, com amplo espectro de textos dirigidos a leitores interessados em confetes, serpentinas, lantejoulas, plumas, paetês ou temas difusos e impalpáveis. Temo-los também de amenidades, política, economia e do que mais lhes der na telha e for suportado pela “democracia” dos donos de veículos. Esse banquete de vaidades e tolices (exemplo típíco na foto) nada de bom acrescenta ao pensamento regional, mas é incentivado pelos jornais: são colunas e artigos que nada custam para aspergir ideias de segunda mão, enquanto tomam espaço dos profissionais. Jornalistas como Eduardo correm perigo: se escaparem da Fenaj, serão desempregados pelos diletantes.

PARA O BEM OU PARA O MAL, EIS O HÍFEN

Não há dúvida: a maior armadilha de nossa ortografia é o hífen. A depender do caso, ele é bem-vindo e bem-visto. É o hífen é do bem, digamos. Mas quando surge sem ser “convidado”, causa mal-estar e mau humor, deixa o leitor mal-humorado, faz o texto mal-amado, sugere que quem o escreve é mal-educado (mal-afortunado, em termos de língua culta). Aí, é o hífen do mal. Às vezes, ele é bendito, bem-visto, benquisto, benfeitor e bem-querido; noutras, é malnascido, malcuidado, malcriado, mal-ajambrado, mal-afamado, malvisto e, portanto, contra-indicado. É o contra-exemplo da boa construção.

GOVERNO MUDA GRAMÁTICA PORTUGUESA

O governo estadual houve por bem abolir, por sua inteira conta e risco, o hífen de “Bem-Vindos”. A CLMH (Comunidade dos Linguistas Mal-Humorados) há de dizer que isto não tem importância, pois todos os leitores vão entender que a placa indica a gentileza e a cortesia com que a autoridade recebe quem visita a Direc de Ilhéus. Mas peço licença para manifestar meu estranhamento com mais este descaso oficial com a língua portuguesa. Afinal, se nem num local feito por e para professores as regras gramaticais são obedecidas, onde mais vamos obedecê-las?

O VEÍCULO DÁ SUA OPINIÃO NO EDITORIAL

Era o fim do ano, numa redação de jornal. O redator-chefe vira-se para o editorialista e lhe encomenda, para o dia seguinte, um editorial sobre Jesus Cristo. “Contra ou a favor?” – pergunta candidamente o articulista… A história é conhecida por todo jornalista, ou quem trabalhou numa redação – seja como estagiário, servindo cafezinho ou dobrando jornal. Ela pretende ilustrar que o editorial não é a opinião de quem o escreve, mas a do veículo que o publica. Teoricamente, o autor de editoriais é alguém com isenção bastante para, como na historieta acima, escrever contra ou favor de Jesus, com a mesma desenvoltura.

CAVALO COM CHIFRES E COBRA COM ASAS

Se o prezado leitor (ou a prezada leitora!) concluiu que não se assina editorial, parabéns. Não se assina porque, se assinado, vira artigo “comum”, a espelhar a opinião do signatário, não mais do veículo. Editorial “assinado” se define com uma palavra de nossa língua culta pouco utilizada por nós, mas corriqueira em Portugal: contrafação – que vem a ser fraude, disfarce, fingimento, imitação, falsificação, e por aí vai. Editorial “assinado” é tudo isso (e mais alguma coisa), mas editorial não é. Será, mudando da língua erudita lusitana para a popular brasileira, um cavalo com chifres. Ou uma cobra com asas.

ROBERTO MARINHO E O EDITORIAL ASSINADO

Há tempos, o Jornal Nacional costumava, numa noite sim e na outra idem, antecipar o que O Globo publicaria no dia seguinte, como “o editorial do jornalista Roberto Marinho” – na foto, à direita do general Figueiredo. No afã de agradar ao chefe (ou, quem sabe, por ordem do mesmo), violentavam-se as regras e se desserviam as novas gerações de redatores. Essa contrafação (!) durou até quando apareceu no JN alguém com juízo e pôs cobro  à farsa – ou Doutor Roberto se cansou da brincadeira. O fato é que este morreu e, para nosso alívio, resolveu, em definitivo, o problema. “Editorial do jornalista Roberto Marinho”: nunca mais.

A LEI DE MURPHY EM VISITA ÀS REDAÇÕES

Morre o homem, ficam-lhe os defeitos. Em pleno 2010, há veículos por aí que identificam seus editoriais com a palavra “Editorial” no alto da página (o que é uma informação supérflua, ociosa, mas aceita por alguns grandes veículos) e ainda os assinam, numa prova irretocável de que não sabem o que fazem. Mas, como diz o muito citado Murphy (creio que esta é a Lei nº 81, do seu elenco de 100), “nada está tão ruim que não possa ficar pior”: pois acaba de surgir entre nós o editorial com foto. Isso mesmo: editorial assinado e com foto de quem o assina. Aí, pego meu boné e caio fora, pois a discussão já adentrou a órbita da insensatez .
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NOEL E A FÁBRICA QUE NÃO ERA DE TECIDOS

A imortal Três Apitos foi composta em 1933 para uma das paixões de Noel Rosa, Josefina (a Fina), que ele julgava trabalhar numa fábrica de tecidos (a Confiança) mas que, na verdade, era empregada numa pequena fábrica de botões.  Esse engano o levou a criar a famosa rima de pano/piano.  Ao descobrir o equívoco, ele manteve os versos. Coisa de poeta: sacrificou a verdade, em benefício da rima: “Mas você não sabe/ Que enquanto você faz pano/ Faço junto do piano/ Esses versos pra você”. E aqui há outra pequena fraude, pois Noel nunca foi pianista. Vejam o contraste desses dois operários em construção: a moça tece pano, ele tece poesia.

A POESIA RESISTINDO À INDUSTRIALIZAÇÃO

Aliás, contraste é o que não falta nesta bela canção de Noel (foto). O mundo, com seu pragmatismo, parece conspirar contra o amor e outras cardiopatias, da mesma forma que a fábrica, símbolo do progresso, contrapõe-se ao piano – que o poeta usa para dirigir-se à amada. Três apitos mostra o mundos dividido em dois: de um lado, o artista e sua carga de sensibilidade, claramente à margem da sociedade de consumo; do outro, o capitalismo, o progresso industrial, a busca do lucro. “Quando o apito da fábrica de tecidos/ Vem ferir os meus ouvidos/ Eu me lembro de você”. O chamado ao trabalho é, para o poeta, a invocação para o amor.

APESAR DOS ERROS, UM MOMENTO MÁGICO

Noel Rosa foi listado aqui entre pessoas e efemérides que completavam, ao lado de Itabuna, um século em 2010. De repente, vejo que mais um ano se passou, sem nenhuma homenagem ao Poeta da Vila – logo eu, que tenho predileção pela sua arte, e até, se posso ser imodesto, razoável conhecimento de sua lavoura. Caso esta coluna se mantenha, vamos postar ainda uns dois vídeos sobre este grande nome da cultura brasileira. Hoje, um grande momento da MPB, reunindo Elizeth Cardoso e Jacob do Bandolim. Mesmo com a grande intérprete, ao vivo, errando a letra de forma deplorável, penso que vale a pena ouvir.

(O.C.)

8 respostas

  1. Recusar a exigência do diploma para o exercício do jornalismo é o mesmo que rebaixar essa área profissional, mais que os próprios jornalistas. Não desmerecendo outros profissionais, não-diplomados, o jornalismo requer mais que técnica, mas conhecimento nas diversas áreas, pois um jornalista mal formado ou sem formação alguma não tem muito a acrescentar para nossa sociedade.Vejo que os “jornalistas” de Itabuna não são éticos.Nenhum tem moral para falar de ninguém.Vejo o caso de Eduardo Anunciação e Ediney Bonfim.São éticos? Apenas uma palavra.Não.
    Na imprensa política itabunense, formada quase 100% por “jornalistas” práticos (sem formação em jornalismo), a análise feita pelos próprios “jornalistas” sobre o trabalho dos “colegas” é feita de forma empírica, sem qualquer embasamento teórico. Também é comum um culto à indolência da parte dos que não possuem diploma de jornalismo. Numa interpretação distorcida, muitos dos que não sentaram nos bancos acadêmicos afirmam que diploma de jornalismo não serve para nada. Boa parte dessa turma sempre faz vestibular de jornalismo para a Uesc todo ano. Tomara que passem. Irão se qualificar e ver que estavam enganados.

  2. Pedro, eu respeito tudo o que dizes, embora não concorde 100%. Primeiro, acho leviandade tua afirmar que “os jornalistas de Itabuna não são éticos” porque a generalização é injusta. Há, sim, jornalistas éticos, assim como existem em quantidade expressiva os não-éticos, pústulas e salafrários. Aliás, como em todo segmento profissional.
    Segundo ponto: não sou defensor do diploma, mas do conhecimento e da sabedoria, na mais sublime acepção dessas palavras. Entendo que o diploma deve ser valorizado, mas não servir como instrumento de uma reserva de mercado para os que cursaram a Faculdade de Jornalismo.
    O próprio mercado e a sociedade podem fazer a seleção natural, ao filtrar o que presta e o que não presta. Essa briga entre diplomados e práticos será eterna, até que todos entendam que o lugar ao sol não está reservado a nenhuma das duas categorias. O lugar está reservado para os bons.
    Aliás, é altamente medíocre esse debate. Ele interessa particularmente a jornalistas que se graduaram, mas permanecem frustrados por não ter uma boa situação profissional. E, se não têm, é na maioria das vezes porque são incompetentes, irascíveis ou de caráter ruim. Defeitos que não tem diploma capaz de remover.

  3. Senhor Juca, vc poderia citar quais são os jornalistas éticos de Itabuna?
    Se são éticos e bons profissionais por que nunca sairam de Itabuna para trabalhar em jornais de circulação nacional, HEIN?
    Pedro Alves

  4. Senhor “Pedro Alves”, pelo tom ressentido e argumentos incoerentes, percebo que o senhor não se chama Pedro, mas sim Paulo… E o sobrenome começa com a letra “C”. O senhor é um tolo por achar que o profissional só seria ético se saísse da região para trabalhar fora. Além de uma estupidez sem tamanho, isso é totalmente provinciano.
    Retiro-me da discussão, pois há limite para tudo. Até para a imbecilidade!

  5. Sou favorável ao diploma para jornalista e contrário à exigência deste, e já que entramos nessa discussão, vai um recado: Pedro, a Uesc não oferece graduação em Jornalismo.
    Limita-se ao Curso de Comunicação Social. Este curso não habilita em jornalismo. Tenho “n” colegas que fizeram concursos públicos e não poderiam trabalhar na área se não procurassem urgentemente ter graduação em Jornalismo.
    Aprofundo a discussão sugerindo ao reitor da UESC, sr. Joaquim Bastos, que ofereça curso de GRADUAÇÃO EM JORNALISMO.

  6. Caro Juca, vc está enganado.Sou jornalista profissional e sou favorável ao diploma para jornalista.Portanto, tome cuidado com que o senhor esvreve.Não julgue para não ser julgado.Conheço bem Itabuna.E ninguém aí tem moral para falar de ninguém.Portanto, evite falar mal das pessoas que vc nunca conviveu ou conhece.Pense nisso! Jornalista ético não difama.Seja original, seu nome é Juca mesmo?…

  7. Jornalista em Londres
    O jornalista Paulo Caminha, graduado em Jornalismo e com Mestrado, agora está em Londres, quando busca maiores conhecimentos e pesquisas em seu Doutorado. É mais um baiano brilhando e com sucesso alcançado. Parabéns ao amigo e profissional.(Por Xavier Ladeira, jornalista).

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