O TREM DE ASCENSO FALA E SE FAZ OUVIR
DE MANGABAS MADURAS E MAMÕES AMARELOS
Ao descrever o velho trem de ferro rasgando a zona da mata pernambucana, o poeta produz poderosas aliterações, de início com “Mergulham mocambos/ nos mangues molhados,/ moleques, mulatos/ vêm vê-lo passar” e, logo em seguida, “Mangabas maduras,/ mamões amarelos,/ mamões amarelos,/ que amostram molengos/ as mamas macias/ pra a gente mamar”. Em alta velocidade (“Vou danado pra Catende, /vou danado pra Catende…”), o trem avança para o interior e o poeta se lamenta dos deixados no litoral: “Adeus morena/ do cabelo cacheado” é verso que não requer rima, pungente no seu toque de saudade e perda amorosa.
NA HORA DE TRABALHAR PERNAS PARA O AR
AO REITOR, O TRATAMENTO MAIS CHARMOSO
PALESTRAR NÃO É DIFERENTE DE TAGARELAR
Perlustro os dicionários (penitência que a mídia, cristamente, me impõe) e nada encontro sobre tal novidade. O que lá vejo, humildemente confesso, já sei desde tempos imemoriais: palestrar é bater papo, tagarelar, jogar conversa fora, cavaquear, prosear – o informal, enfim. Quando essa atividade se reveste de ar solene (como no caso referido), fazendo-a irmã da conferência, diz-se em língua portuguesa “fazer palestra”. Há alguns anos a Folha de S. Paulo, especialista na criação de bobagens, popularizou a expressão “dar palestra” (logo adotada pelos macaqueadores). Dispensável, porém menos ociosa do que “palestrar”.
FAZER PALESTRA É PRECISO; PALESTRAR, NÃO
COMENTANDO OS COMENTÁRIOS DO “UNIVERSO”
TEMPO EM QUE DA TELA NÃO JORRAVA SANGUE
O cinema já foi mudo, quem diria, e da tela não jorrava sangue. Em 1960, em plena febre do Tecnicolor, Psicose foi feito em P&B, para evitar que o público se chocasse com a cena do chuveiro (Hitchcock, um monsieur, recusou-se a promover um banho de sangue no seu filme – e me legou a possibilidade deste trocadilho). Depois, vieram os açougueiros, as serras elétricas, as espingardas e o sexo desabrido. Dia desses, incauto, assisti a uma chamada de telenovela que me deixou perplexo, e perplexo ainda estou: o sujeito, sem alerta prévio para tirarmos as crianças da sala, pespegou na mocinha um beijo tão bem pespegado que quase arranca, sem anestesia, as amídalas da pobre coitada. Bons tempos, estes.
ROMANCE, COMÉDIA, MÚSICA, CANTO E DANÇA
Cantando na chuva (Stanley Donen-Gene Kelly/1952) nada tem a ver com a mistura sangue-sexo que inunda (ops!) nossas telas. É repleto de tons, do romance à comédia, com primorosas cenas de música, canto e dança, retratando a dificuldade de adaptação do cinema à linguagem falada (dos artistas passou-se a exigir, além de talento para representar, boa voz). Talvez seu único rival seja Sinfonia de Paris (1951), com aquele balé de 17 minutos como grand finale e uma penca de seis Oscar. Mas foi justo: Gene Kelly em plena forma, música de Gershwin, direção de Vincent Minelli e, como moldura, o melhor lugar do mundo, Paris, França. Eu prefiro Cantando…, só por subjetividades que um cavalheiro não explicaria, nem sob tortura.
0 resposta
Obrigado! É um prazem acompanhar suas linhas. A sutileza da palavra bem escrita, a atenção (e o amor) à gramática, o humor perspicaz em trocadilhos fazem do Universo Paralelo uma pintura. Ah! Sem falar na dose de (in)formação cultural que sempre é ministrada aos leitores ao fim de cada edição.
ENIGMA REGIONAL.
Quem será OUSARME CITOAIAN que nos brinda semanalmente com um perfeito UNIVERSO PARALELO?
Senhor Carlos Mascalenhas
eu tb apoio a campanha. Afinal quem é Citoaian? É da França, Bélgica?
Pô Netinho:
MASCALENHAS???
Assim é LENHA. rs.
É uma Anagrama, não tenho dúvida.
Conforme prometido, respondo a todos que comentaram o Universo Paralelo desta semana. Pela ordem das postagens:
1) A O Grapiúna sou em quem deve dizer “Obrigado” – pela grande, imensa generosidade da leitura que fez da coluna. Observações desse quilate tornam maior a responsabilidade do colunista.
2) Carlos Mascarenhas, pelo imerecido “perfeito Universo Paralelo”, penhorados agradecimentos. Penso que o tal “enigma” foi uma brincadeira, que, para o bem ou para o mal, ameaça transformar-se em campanha.
3) Netinho: essa confusão entre francês e belga deixa irritado o detetive (belga, por sinal) Hercule Poirot, de Agatha Cristie. No meu caso, e aí vai uma pista, não sou francês nem belgique, mas brasileiro, das terras do sem fim, comedor de jaca e caranguejo (separados, obviamente).
Penso que a campanha seria injusta, por me dar uma relevância que não mereço. Que a coluna atinja o alto, mas que o colunista se contenha na planície (se possível, à sombra). A obra tem importância, às vezes; o obreiro, nunca.
4) Por fim, Clara Lua, de lírico e sugestivo pseudônimo, que me testa, dizendo que meu nome é uma anagrama. Para não decepcioná-la, digo que anagrama é masculino. Se eu me chamasse Uóri (nome muito improvável), poderíamos ensaiar TOCAI NA MESA, UÓRI; ou se eu fosse uma enfermeira chamada Mara: NÃO USES O CTI, MARA ! – e que o Pimenta não me leve a mal por gastar espaço para criar estas duas bobagens…
Decididamente, esse jogo do anagrama está entre meus muitos pontos fracos: mas imagino que surgirão montagens mais inteligentes para o conjunto OUSARMECITOAIAN…
Merci à tous.