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CÉSAR E UMA CONFUSÃO DE DOIS SÉCULOS

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Júlio César, aquele mesmo, morreu em 44 a.C., por falta de informação. Sem o Ibope, a Gasparetto Pesquisas ou o Vox Populi, não percebeu que, a exemplo de alguns prefeitos regionais, tinha a popularidade no chão. Enquanto o ditador estava “se achando”, um grupo de senadores tecia seu assassinato, com a ideia geral de que cada um dos ilustres parlamentares desse uma facada no homem, de modo que todos dividissem a culpa pela execução. À frente do complô estavam Marcus Brutus e Decimus Brutus, respectivamente filho (para alguns historiadores, apenas amigo) e companheiro de armas do general romano. E aqui começa uma confusão que já dura mais de dois séculos.

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2Júlio CésarUma frase inventada por Shakespeare

Já furado feito um queijo suíço, César vê Brutus (qual deles?) vindo em sua direção, de adaga em riste, e, surpreso, teria decidido deixar uma frase para a história. Pronunciou um Et tu, Brute? (Até tu, Brutus?), segurou na mão de Deus e foi-se. Há controvérsias. Diz-se que a frase foi dita em grego, Kai su, teknon? (Até tu, filho?), enquanto a latina teria sido inventada por Shakespeare, em Júlio César (Ato III, cena 1). Para o cientista político Michael Parenti (O assassinato de Júlio César – Record/2005), é tudo mentira, pois César nunca pensou em  Marcus Brutus como filho: se o general ficou mesmo consternado teria sido com o traiçoeiro Decimus Brutus, companheiro de guerras.

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Líder popular hostil aos privilégios

Segundo Parenti (na contramão da história oficial), César foi o último de uma linhagem de reformistas assassinados por conservadores, por abraçar a causa do povo, tido em Roma como uma turba interessada apenas em pão e circo. Por que um seleto grupo de senadores assassinou Júlio César, aristocrata como eles? – inquire o autor. E responde: mataram César porque viam nele um líder popular hostil a seus privilégios de classe. O assassinato teria sido mais um dos atos violentos que marcaram grande parte do século, “manifestação dramática da velha disputa entre conservadores ricos e reformistas apoiados pelo povo”. A morte de César é, vista assim, algo bem contemporâneo.

ENTRE PARÊNTESES, ou

4VelinhaE assim se passaram doze meses…
Parece que foi ontem. Em agosto de 2012, centenário de Jorge Amado, o UNIVERSO PARALELO voltou a “circular” aqui nas asas do Pimenta. Antes, ficáramos no ar durante dois anos, de 2009 a 2011. A coluna, se nos perdoam o que possa parecer cabotinismo, é aquilo que os publicitários chamam de case de sucesso: surpreendeu os leitores, o Pimenta e, sobretudo, a mim surpreendeu-me (adoro esta redundância!). Valho-me do humor e do talento de Aldir Blanc e digo como aquela Miss Suéter: “Dedico esse êxito ao Pimenta/ que tantos sacrifícios fez/ pra que eu chegasse aqui no apogeu/ com o auxílio de vocês”. Obrigado a todos.

AS PIORES VOZES JÁ GRAVADAS EM DISCO

Quem seria o maior vocalista do Brasil? Orlando Silva, Dick Farney, Cauby, Nelson Gonçalves, Agnaldo Timóteo, Sílvio Caldas, Emílio Santiago? E a melhor voz feminina? Elis Regina, Nana Caymmi, Gal Costa, Ângela Maria, Alcione, Marisa Monte, Elizeth Cardoso? Difícil dizer, pois toda opinião de valor porta em si o perigo da injustiça. E como música é arte e técnica, sequer me acho no direito de apontar os melhores, o que poderia ser feito, se muito, por alguém de grande saber musical – área de que, sem demagogia, estou muito distante. Mas abro uma exceção: creio ter, há muito tempo, identificado as duas piores vozes que já ouvi gravadas em disco: Xuxa e Pelé.
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Deus perdoa aos bêbados e aos  loucos

5Xuxa-PeléObservem que não falo de amadores, sambistas de mesa de bar, cantores de caraoquê (eu os detesto, mas Deus perdoa aos bêbados e aos loucos!) ou vocalistas de banheiro. Falo de profissionais, de gente que grava música, põe no mercado e ainda encontra colher de chá na mídia. Xuxa é, todos sabem, grande vendedora de discos, com o apoio da Globo/Som Livre; Pelé, em 1969, no auge da fama, teve o desplante de gravar com Elis Regina duas canções da autoria dele. Felizmente, ficou nessas duas, salvo uma ou outra investida pela publicidade. Se a gentil leitora nunca ouviu o disco da dupla Pelé-Elis, aceite meu parabéns.

COMPROMISSO RENOVADO COM A (BOA) MPB

7CanindéCanindé, ou Francisco Canindé Soares, nasceu em Currais Novos/RN, em 1965, e, cerca de 20 anos depois, mudou-se para Jacobina/BA. Cantor da noite, só ficou conhecido do grande público a partir de 2000, quando gravou seu primeiro CD. Vieram outros seis, até o DVD História de amor, em 2010. Já com um quarto de século na estrada (o tempo voa!) ele se mantém compromissado com a boa música brasileira, do forró à balada romântica. Nos últimos tempos, revisitou temas muito conhecidos, a exemplo de Canteiros (Fagner-Cecília Meireles), Tocando em frente (Almir Sáter) e Cidadão (Lúcio Barbosa). Meiga senhorita (Zé Geraldo?) é sua gravação mais ouvida, no momento.
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Sem medo de Belchior nem Elis Regina

Cultor das baladas românticas, o artista norte-rio-grandense-quase-baiano conserva a influência daqueles que se dizem menos cantores do que “cantadores”. Vem da linhagem de Geraldo Azevedo, Xangai, Almir Sater e Elomar, mas com sintaxe própria. De Xangai ele gravou o engraçadíssimo ABC do preguiçoso (que me parece velho tema do folclore, adaptado). De Belchior, no vídeo, uma composição cheia de brasilidade, misturando passado e futuro, clima interiorano, incertezas da juventude e velhas canções da riquíssima pauta nacional. Poucos cantores gravam Belchior – talvez intimidados pelas interpretações de Elis Regina. Canindé tocou em frente, com Tudo outra vez.

O.C.
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PODEMOS IR À EUROPA, MAS NUNCA À ROMA

Ousarme Citoaian
De boas intenções o inferno está repleto, ensina o povo. O cartaz, que pretende ser gentil com os visitantes, teve seu objetivo prejudicado por um acento grave arbitrariamente posto sobre o “a” da expressão “a Itabuna”. O erro é clássico: alguns nomes de lugares são usados sem artigo e, consequentemente, não favorecem o nascimento da crase (fusão de dois “as”). Exemplos, para alguém que desconheça o tema: seja bem-vindo à Bahia, à Paraíba, à França, à Grécia, à Itália, à Dinamarca (à Europa quase toda, mas não à Roma!) e seja bem-vindo a Itabuna, a Ilhéus, a Manaus, a Buerarema, a Paris, a Madri, a Una, a Canavieiras, a Lisboa, a Cintra.

“BEM-VINDO À ITABUNA DE JORGE AMADO”

Quem tem dinheiro vai a Portugal, a Maceió e a Curitiba, e também à Inglaterra, à Escócia e até à Finlândia (que, todos sabem, é o fim da terra). E quem tem boca vai a Roma, diz o brocardo (ou à Roma dos Césares, diz a gramática). As regras para saber a escolha entre a e à são encontradas facilmente – e não é nosso propósito vestir toga de magister coimbrão. Motiva-nos a exceção que permite escrever à Itabuna, à Ilhéus, à Roma e semelhantes: é quando ao nome do lugar segue-se uma qualificação. “Bem-Vindo à Itabuna centenária” salvaria o cartaz da foto. Ou esta, que gostaria de ver publicada (por ela não cobro copirraite!): “Bem-Vindo à Itabuna de Jorge Amado.

NENHUM PROBLEMA PARA UMA BOA AGÊNCIA

Anúncio mal feito depõe contra a empresa que o patrocina. O vexame poderia ser evitado, confiando-se sua confecção a uma boa agência de publicidade, que as há, com certeza absoluta, em Itabuna e Ilhéus. Parece que o autor da ideia (boa) preferiu o improviso, confiou no próprio talento, e se deu mal. Quanto ao segundo “a” marcado com acento (além de um confuso símbolo de quilômetro – KM, quando o correto é Km – o redator atirou no que viu e acertou no invisível: linguistas generosos advogam esta crase antes de numeral, em nome de uma suposta elipse: “à (distância de) 5 Km”, por exemplo. Se querem minha opinião, eu jamais usaria esse modo esdrúxulo de escrever.

A VIDA NEM SEMPRE BOA DE UM HOMEM BOM

Tenho um amigo (pobre) que diz ser fácil enriquecer. “Basta abrir mão de alguns princípios”, ensina ele a lição que nunca aprendeu. Lembro disso ao ver um morador em rua próxima à minha, que quase todas as noites passa com um fardo de papelão na cabeça. Aquela carga insólita, eu soube depois, é o fruto do seu trabalho diário: cata nas lojas e supermercados caixas desocupadas e, reunidas as peças, as leva a alguém que as compra no peso, pagando-lhe pelo lote do dia algo entre dez e doze reais. É um homem negro, idade indefinida, mas aparentando não ser jovem – talvez a má vida o tenha envelhecido antes da hora.

CARINHO PARA COMPENSAR FRUSTRAÇÕES

Teria uma mulher à porta do barraco nesses fins de jornada, a inquiri-lo sobre a produção do dia? Será que ela sabe quão raro é esse homem simples que cata papelão? Tomara que sim, e que ela possa premiá-lo com seu carinho exclusivo, em recompensa pelo trabalho nem sempre rendoso. Talvez, após o jantar frugal, ele veja a novela das nove, fugindo à sua realidade de homem pobre. Ou não. Saberia quanto ganha um deputado, um senador, um ministro do Supremo, e pensaria, com a ideologia calhorda que lhe foi inculcada, que é “natural” a divisão entre pobres e ricos? Nada sei desse homem, a não ser que ele é um trabalhador discreto e honesto.

DONO DO MEU RESPEITO E SOLIDARIEDADE

Imagino que esse meu irmão, quem sabe dono de um barraco, poderia ser algum tipo de bandido – e morar num palácio. Mas ele escolheu outro caminho, não se sabe o motivo. Na volta ao lar, no fim do expediente, passa por mim e, com a serenidade dos justos, me dá boa-noite. Isto não nos faz amigos, talvez nem conhecidos, pois parte do seu rosto é sombreado pela carga que carrega. Mas, embora não saiba, ele leva para casa meu respeito e minha solidariedade. Bem gostaria de lhe dizer quanto o admiro, mas me falta ousadia. Na penumbra, às suas costas, mesmo sem crer, lhe dedico uma frase em voz baixa: “Que Deus o proteja”.

IDEIA CERTA, MAS FORMULADA COM ERRO

Leio na primeira página de conhecido jornal diário de Itabuna que “… de todas as festas cristãs, o Natal é uma das que mais contagia”. O redator acertou na ideia, mas errou na forma: a expressão um dos que (também um daqueles que, dentre os que etc.) pede verbo no plural. “… o Natal é uma das que mais contagiam”). De outros jornais, em épocas diversas: “O Sul é uma das regiões que menos sofreram com as enchentes”, “Wagner foi um dos políticos que mais falaram na tevê”, “O Brasil é um dos países que mais protegem refugiados”, “Alcione é uma das artistas que mais cantaram na festa”, “Aquele candidato é um dos que mais prometeram na campanha”.

NO BOM TEXTO, O CAMINHO DA SALVAÇÃO

Para não cair nessa armadilha na hora de escrever, basta inverter a frase, quando aflora a necessidade da forma plural: “Dos que mais falaram, Wagner foi um”, “Dos países que mais protegem, o Brasil é um”, “Das artistas que mais cantaram da festa, Alcione é uma”, e por aí segue o andor, com zelo, pois o santo é frágil. Não devemos nos cansar de chamar a atenção para o cuidado exigido no manuseio da linguagem a ser praticada pela mídia. Parece óbvio que a leitura dos bons textos ajuda muito. Logo, quem não quiser a literatura “comum”, sirva-se da bíblia (sempre um bom texto), que nos oferece um conselho sábio: “orai e vigiai”.

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DISCO DE BOSSA-NOVA EM RITMO DE GUERRA

Era 1963, na Rua 48, Nova Iorque. Numa reunião de trabalho entre João Gilberto, Stan Getz e Tom Jobim, João, que estava com o mau humor em dia, fala, em português: “Tom, diga a esse gringo que ele é muito burro”. Tom, em inglês: “Stan, João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você”. Stan Getz, sentindo cheiro de sujeira: “Pelo tom de voz, não parece que é isto que ele está dizendo”. Apesar do clima belicoso nas gravações (veja a cara de João, na foto), o resultado é um dos melhores discos do século XX: o LP Getz/Gilberto ganhou dois Grammy, deixando para trás ninguém menos do que os Beatles (A hard day´s night).

MONICA GETZ: MISSÃO QUASE IMPOSSÍVEL

Além dos três artistas famosos, estavam presentes àquele momento histórico a bela (em dois sentidos) cantora Astrud Gilberto (na foto, com Tom), mulher de João, responsável pelo êxito de Garota de Ipanema, que “vendeu” o álbum, e Monica (mulher de Stan) e que cumpriu uma missão considerada impossível: tirar João do quarto de hotel onde ele se encerrara e convencê-lo a, diariamente, trocar o pijama pelo terno e ir com ela ao local onde se realizavam os ensaios para a gravação. Lá estava também (eram dez pessoas, no total) o baterista Milton Banana, na flor dos seus 28 anos, o revolucionário da bateria da Bossa-Nova.

GRAVADO NO ESTILO “UM, DOIS, TRÊS, VAI!”

É inacreditável que esse álbum, já com 47 anos de idade, tenha sido gravado em apenas dois dias. Hoje, grava-se primeiro a “cozinha” (piano, baixo e bateria), para depois o cantor “botar a voz”; em Getz/Gilberto tudo foi feito ao mesmo tempo, no estilo “um, dois, três e… vai!”. Se um errasse era preciso começar de novo – mas ninguém errava, pois eram todos cobras criadas. O resultado está aí: um álbum atual (agora em CD, a linguagem contemporânea), que parece saído da prensa ontem. Nós, o público, sequer suspeitamos da guerra que foi a produção desse clássico da Bossa-Nova.

ARI BARROSO ERA BOSSA-NOVA E NÃO SABIA

O álbum, com dez faixas de BN ainda teve lugar para homenagem à MPB “antiga”, com Pra machucar meu coração (Ari Barroso) e Doralice (Caymmi). Coisas de João Gilberto. João e Stan Getz voltaram a gravar juntos em 1975 (The best of two worlds featuring João Gilberto) quando, segundo João Lins de Albuquerque (Conversações – Editora Cultura/2008), as relações deles ficaram ainda mais azedas. No vídeo, a inesquecível Corcovado, de Tom Jobim, com Astrud (voz), João Gilberto (voz e violão), Tom Jobim (piano), Stan Getz (sax tenor) e Milton Banana (bateria). Momento raro da canção brasileira, ao alcance de um clique.

(O.C.)

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(O.

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SAUDOSISMO E MÁ-FÉ: A MISTURA PERIGOSA

Ousarme Citoaian

Recebo frequentemente (quem não as recebe, atire a primeira pedra) gracinhas recolhidas em exames públicos, nunca sei se reais ou inventadas. É que o Brasil costuma acalentar o pensamento saudosista (às vezes em mistura perigosa com a má-fé) de que “antigamente tudo era melhor, sobretudo a escola”. Besteira. Energúmenos jovens e adultos sempre os tivemos à mancheia, e até guardo o sentimento de que essa raça – se acaso não estiver em extinção – estranhamente viceja muito mais entre adultos do que entre adolescentes. Os meninos e meninas de hoje, penso, são bem mais preparados do que seus ancestrais. E menos conservadores.

FANTÁSTICOS BEÓCIOS DO TERCEIRO GRAU

A escola, antiga ou contemporânea, sempre abrigou extraordinários mentecaptos, formidáveis beócios e fantásticos basbaques, sem prejuízo de uma chusma de grandes atoleimados, labruscos, paspalhões, estultos e estúpidos em geral. Não se trata de ofensa, mas de realidade constatada. Lamentável é que o preconceito em voga reserve essas gentis qualificações para os alunos, quando elas abundam entre professores – sobretudo no terceiro grau – e quem disso discordar é porque não tem lido algumas opiniões exaradas em artigos de jornais da região: essas sumidades tratam os leitores como se fôssemos tutelados ou rematados imbecis.

QUALQUER ESTULTICE PODE SER SUPERADA

Um desses profetas do caos defende a estranha tese de que quem vota em certo grupo político é cego, surdo e analfabeto – a mostrar que o respeito pelo leitor/eleitor é artigo em falta nas colunas, enquanto outro se refere aos programas federais como “medidas de caridade”. Também “denunciam” ameaças nazistas, conspirações contra a democracia e que o stalinismo será implantado no País, se certa candidata for eleita. É a recorrência ao pensamento carcomido de uma malta de fascistas, tendo à frente Olavo de Carvalho, Demétrio Magnoli et caterva do Instituto Millenium. A turma do Enem, pelo menos, é original, com erros de lavra própria.

PÉRICLES FOI O DITADOR DA DEMOCRACIA

Diferente do ranço reacionário que emana de tais escritos, as “pérolas” do Enem remetem a alguma poesia. Vejamos as nove melhores: 1) O nervo ótico transmite idéias luminosas para o cérebro; 2) O vento é uma imensa quantidade de ar; 3) As múmias tinham um profundo conhecimento de anatomia; 4) Péricles foi o principal ditador da democracia grega; 5) O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades; 6) O Chile é um país muito alto e magro; 7) As aves têm na boca um dente só, chamado bico; 8)  Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto; 9) A insônia consiste em dormir ao contrário.

O BARZINHO E A SUBVERSÃO DA LINGUAGEM

A mídia regional tratou um concurso musical realizado em Itabuna recentemente como “Fase dos Barzinhos”. E tinha que ser assim, pois a escolha do nome foi dos promotores, não dos divulgadores: “Barzinhos” é uma estranha forma de fazer o plural de substantivos terminados em “zinho”, não reconhecida pela gramática portuguesa, que manda seguir outro processo em tais casos: 1) ignora-se o “zinho”, 2) coloca-se o substantivo no plural, 3) retira-se o “s”, 4) recoloca-se  o “zinho” em seu lugar original e 5) acrescenta-se o “s”. Pãozinho, por exemplo: 1) pão; 2) pães; 3) pãe, 4) pãezinho, 5) Pãezinhos.

A REGRA QUE OS BRASILEIROS REFORMARAM

Vamos multiplicar Mulherzinha? 1) mulher; 2) mulheres; 3) mulhere; 4) mulherezinha, 5) Mulherezinhas. Que tal este, em moda? Eleitorzinho: 1) eleitor; 2) eleitores; 3) eleitore; 4) eleitorezinho, 5) Eleitorezinhos. Como compor o plural de Barzinho? Fácil: 1) bar; 2) bares; 3) bare; 4) barezinho, 5) Barezinhos. É claro que todo falante da língua desta terra achada por Cabral consideraria “Fase dos Barezinhos” (em lugar da eleita “Fase dos Barzinhos”) uma verdadeira afronta: se cantor, recusar-se-ia (ops!) a cantar; se público, negar-se-ia a pagar o ingresso. “Barzinhos”, por assim dizer,  fechou os “Barezinhos”.

“É BRASILEIRO, JÁ PASSOU DE PORTUGUÊS”

Tenho, sem consulta ao professor Odilon Pinto (provavelmente pouco interessado neste tema menor), uma teoria sobre esta formação esdrúxula. Barzinho, na acepção referida, não é apenas o diminutivo de bar, mas um bar “especial”, onde músicos se apresentam, geralmente à noite. Naquilo que chamaríamos (arbitrariamente, é claro) língua brasileira, a palavra perdeu seu sentido de “bar pequeno” e passou a ter outra identidade. Visto assim, o barzinho pode até ser um grande espaço, desde que mantenha a característica de bar com música. Barzinhos, como diria o insuperável Noel Rosa, “é brasileiro, já passou de português”.

INVEJA TIROU NOBEL DE CARLOS CHAGAS

O Brasil já esteve na bica para ganhar o Nobel de Medicina, com Carlos Chagas (foto), e o de Física (César Lattes). Chagas (indicado pelas suas pesquisas em tripanossomíase) foi derrotado em seu próprio quintal: colegas brasileiros consultados sobre a descoberta da doença de Chagas, num misto de ignorância e inveja, desaconselharam a premiação em 1921 (ninguém foi escolhido naquele ano). Já Lattes pediu ajuda a um certo Ceci Powell, da Universidade de Bristol, para redigir o artigo científico em que  anunciava sua descoberta, o méson Pi. Powell assinou com ele e terminou recebendo o Nobel. A equipe de Lattes sequer foi mencionada.

DITADURA TIROU NOBEL DE DOM HÉLDER

O terceiro brasileiro seriamente cotado para o Nobel foi o cardeal-arcebispo Dom Hélder Câmara (foto). Apelidado “Bispo Vermelho”, pela ditadura militar que assaltou o poder em1964, foi autor de um dos maiores programas sociais do Nordeste, o Operação Esperança. Em 1970, reuniu mais de 20 mil pessoas em Paris para denunciar torturas no Brasil. Por suas obras, foi indicado ao Nobel da Paz de 1970 a 1973, tido como favorito absoluto nas quatro vezes. Mas nunca foi escolhido, devido a pressões do governo brasileiro. Na época, por ordem dos militares, nossa mídia sequer “conhecia” D. Hélder: não falava dele bem nem mal.

NO NOBEL, ARGENTINA NOS DÁ GOLEADA

O Prêmio Nobel de Literatura teve alguns países supercampeões: França (ganhou 14 vezes), Reino Unido (10), Estados Unidos (9), Itália e Suécia (6), Espanha (5), Irlanda e Polônia (4). Noruega e União Soviética (3 vezes). Em outras categorias, com um prêmio só, ainda estão Timor Leste, Gana, Paquistão, Tibet e a pequena ilha caribenha de Santa Lúcia (Literatura, 1992). Aliás, até a Autoridade Palestina, que nem país é, já ganhou o Nobel.  A poesia do pequeno Chile levou o prêmio duas vezes, com Gabriela Mistral (foto) e Pablo Neruda. A Argentina ganhou cinco vezes, mas não o de Literatura – por isso reclama da “injustiça” com o escritor Jorge Luis Borges. E nosso Brasil brasileiro, necas.
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CANTO MASCULINO EM VOZ DE MULHER

Ne me quitte pas teve gravações em várias partes do mundo, com artistas das mais diversas tendências. Curiosidade: embora a canção seja essencialmente masculina (trata–se de um homem se dirigindo a uma mulher) foram as cantoras e não os cantores que fizeram todos os registros de que tenho notícia: as francesas Simone Langlois e Sylvie Vartan, a americana Nina Simone e, pasmem, nada menos do que meia dúzia de vocalistas brasileiras: Maysa (foto), Maria Gadu, Roberta Miranda, Ângela Rô-Rô, Sônia Andrade e Alcione. No filme A lei do desejo (1987), Pedro Almodóvar usa a canção na trilha sonora, em gravação de Maysa. Logo, devido à exposição do filme, este seria o registro mais divulgado de Ne me quitte pas.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

CORAÇÃO EM CHAMAS, ALMA DILACERADA

O francês Jacques Brel (foto), em 1959, durante sua dolorosa separação da ex-mulher Suzanne Gabrielle, fez Ne me quitte pas, um tijolaço com cerca de 60 versos, fora o refrão, todos rigorosamente com cinco sílabas. Única gravação masculina que conheço, a do autor, é definitiva, mostrando a diferença entre cantar e interpretar: ele é um homem abandonado, com o coração em chamas, à beira do desespero. Certa feita, Monsieur Brel, vestido de filósofo, disse que Ne me quitte pas não é um poema sobre o amor, mas sobre a covardia do homem. Dono da letra, ele tem o direito de dizer o que bem quiser. Mas para mim esta é uma canção de amor, sem dúvida, e das mais extraordinárias já vistas na música popular em qualquer tempo.

“EU TE OFERECEREI PÉROLAS DE CHUVA”

Se alguma leitora não concordar comigo, diga se já ouviu um homem lhe sussurar “Eu te darei pérolas de chuva/ Vindas de países onde jamais chove” (Moi je t’offrirai des perles de pluie/ Venues de pays où il ne pleut pas). Apenas estes versos já seriam bastantes para identificar Ne me quitte pas como um soberbo canto de paixão.  Clique aqui e veja/ouça a dilacerante interpretação de Jacques Brel.
(O.C.)
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A “MASCULINIZAÇÃO” DE DEUS

Ousarme Citoaian
Uma questão raramente tocada, por ser muito “sensível”, é o fato de Deus ser tratado por Ele. Colho a referência no polêmico Deus, um delírio (Companhia das Letras) do ateu Richard Dawkins, professor da Universidade da Califórnia. Masculinizar a divindade – e agora sou eu a conjeturar – indica que o homem a “carimbou” à sua imagem e semelhança, mantendo a mulher fora do processo divinizador. Deus não tem sexo, não é macho nem fêmea, Ele nem Ela. Mas a tal superioridade do homem se fez pesar – além de que nossa língua não possui o gênero neutro. Se o tivesse, por legítima herança do latim, este problema estaria resolvido.

A GRAMÁTICA PEGA O MACHISMO

As igrejas em geral, ao que tudo indica, pregam abertamente o machismo: a mulher tem que seguir o homem. O Código Civil adotou algo semelhante: o homem é o cabeça do casal. A gramática portuguesa seguiu o modelo  e impôs à mulher uma arbitrária superioridade masculina. É o caso de presidenta, já referido aqui. Temos vereadoras, deputadas, senadoras, escritoras, reitoras, mas o alto cargo de presidente é vedado às mulheres. Elas são “a presidente”,  nem que isso fira nossos ouvidos. E o movimento feminista aceita o preconceito, enquanto, alienadamente, gasta energia ao pregar bobagens.

SARNEY, QUEM DIRIA, FOI PRECURSOR

Alguns guetos esboçam tímida reação a esse machismo ao explicitar coisinhas como “todos e todas”. Não creio que invenções deste tipo sejam eficazes para reverter a odiosa tradição gramatical – sem contar que elas não encontram apoio na língua culta. Por esse caminho, o conjunto em que há os dois gêneros exigiria que o falante ou escrevente fosse bem específico: todos e todas, homens e mulheres, eles e elas. É conveniente lembrar quem primeiro utilizou esse caminho: o então presidente José Sarney, com o “brasileiros e brasileiras” que abria seus discursos. Gênese suspeita, portanto.

TODOS E TODAS JUNTOS E JUNTAS

É preciso reformar a linguagem, e não me perguntem como. Só sei que usar expressões do tipo “todos e todas”, me parece, como bandeira de luta da mulher, tão tolo quanto a queima de sutiãs, nos anos 60. Seria divertido “traduzir” para essa estranha língua certas formulações clássicas:  O homem é lobo do homem ficaria O homem e a mulher são lobos do homem e da mulher; o euclidiano O sertanejo é, antes de tudo, um forte seria O sertanejo e a sertaneja são, antes de tudo, uns e umas fortes; e o “hino” da seleção brasileira vai ser entoado como Todos e todas juntos e juntas vamos/pra frente, Brasil, Brasil! Falar bobagens assim ridiculariza o tema, invés de levá-lo à meditação.

FUGINDO DA BRIGA, EM VÃO

“Constantes apagões geram insatisfações…”, diz um dos principais jornais diários de Itabuna, logo na primeira página, como se quisesse me agredir. Passei ao largo. Quando um não quer, dois não brigam. Páginas adiante, numa matéria sobre vacinação contra gripe, outra pedrada do mesmo gênero: “A prevenção com a intensificação da higienização das mãos…” .  Aí, compreendamos, é abusar da paciência do leitor. Trata-se da clássica doença do estilo chamada eco. Qualquer um percebe a incômoda presença dele, com a simples leitura do texto. Em voz alta, se necessário se fizer.

DA PREGUIÇA À DESATENÇÃO

Autoridade em português e latim Napoleão Mendes de Almeida (foto) coloca este caso na categoria dos vícios de linguagem – “construções que deturpam, desvirtuam ou dificultam a manifestação do pensamento, seja pelo desconhecimento das normas cultas, seja pelo descuido do emissor”. Nas redações, erra-se mais por descuido e preguiça do que por desconhecimento de regras elementares. Todo mundo que viveu ao menos um semestre do curso médio sabe identificar as qualidades e os vícios do estilo. Se não segue as regras é, em geral, por falta de cuidado ou amor à transgressão.

UM HOMEOPEDEUTO DE VIEIRA

Na poesia, essa repetição chama-se rima, todos sabemos. Na prosa (só agora sei) tem o estranho nome de homeopedeuto. E fico sabendo que o tal homeopedeuto, em mãos hábeis, dá ao discurso uma sonoridade agradável. No Sermão de Santo Estêvão, Vieira diz que o santo “antes obrava como mestre, agora como mártir”, e em seguida arremata sua oração com este homeopedeuto de rara elegância: “A sapiência invencível falando, e a paciência calando, também invencível.” O velho Antônio, com todo respeito, sabia das coisas! Quem quiser mais Vieira compulse Jorge de Souza Araujo (foto) em Profecias morenas – discurso do eu e da pátria em Antônio Vieira.

DA ARTE DE ESCREVER BEM

A imprensa brasileira já foi muito boa de conteúdo literário. A conclusão me vem não por saudosismo, mas de forma objetiva, ao ver a série de  livros As obras-primas que poucos leram (Editora Record), organizada pela jornalista e escritora Heloísa Seixas (foto). São quatro volumes, dos quais eu tenho os dois primeiros. É coisa publicada na revista Manchete, no começo dos anos setenta, quando a revista tinha colaboradores como Otto Maria Carpeaux, Carlos Heitor Cony, Paulo Mendes Campos, Lêdo Ivo, R. Magalhães Jr., Josué Montello, Ruy Castro (casado com a organizadora), Joel Silveira e José Lino Grünewald.  Diante  da aridez  dos veículos de hoje, parece mentira que o setor já tenha publicado tantos textos de altíssimo nível.

DE GRACILIANO RAMOS A MARK TWAIN

As obras-primas é formada de artigos sobre livros muito citadas e, supõe-se, pouco lidos – sendo o título da coletânea o mesmo da seção da Manchete. Além de romances e contos/novelas (nos dois volumes iniciais), a lista contempla poesia, teatro e ensaio. Lá estão, com suas obras dissecadas e ao alcance do público não especializado (no qual me incluo), Guimarães Rosa, Mark Twain, Tchecov, Eça de Queiroz, José Lins do Rego, Faulkner, Conan Doyle, Stendhal, Heminguay, Monteiro Lobato, Scott Fitzgerald, Flaubert, Victor Hugo, Érico Veríssimo (foto), André Gide, Edgar Allan Poe, Graciliano Ramos – e mais não digo para não encher de água a boca do leitor. Um curso compacto de literatura.

ANOMIA E AGRAMATIZAÇÃO

A professora Olgária Matos (foto), da Universidade Federal de São Paulo, não gostou do Acordo Ortográfico. Por isso, escreveu no site Carta Maior: “A mais recente reforma ortográfica do português no Brasil subordina a língua às contingências do mercado e à agramaticalidade de sua fala oral, rompendo o equilíbrio entre a anomia e agramatização que caracterizam uma língua viva. Expressionista antes da reforma, ‘idéia’ ou ‘ idêia’, a pronúncia diferenciava o português do Brasil e de Portugal, suscitando o metron de seu estranhamento e de seu parentesco, revelador do ethos de um povo. Assim, diferentemente de unificar a palavra escrita, a reforma neutraliza a língua falada, despersonalizando-a”. Bom exemplo de pedantismo acadêmico. Sem ofensas.

ESPERANÇAS ENCONTRADAS

Olgária Matos é professora de Filosofia, com vários livros publicados. O último, Discretas esperanças, é um ensaio sobre Ética, dignidade humana e o papel da imprensa. Trata-se de uma estudiosa com grande respeito no meio acadêmico, devido à profundidade com que aborda os temas que escolhe. Nesse livro, por exemplo, ela mobiliza estudos que mostram ao leitor o valor da Ética, a partir do primeiro registro da palavra, em Homero, com o surpreendente sentido de “morada do homem”, chegando à reflexão e à crítica sobre o sentido atual do termo. Para ela, no escuro da globalização, haveria, como um farol, esperanças. Discretas, é claro.

A GARGANTA COMO INSTRUMENTO

A voz dela é um instrumento musical. É difícil quem leu mais de duas resenhas sobre Billie Holiday, Sarah Vaughan ou Ella Fitzgerald não conhecer esta expressão ou equivalente. Um lugar-comum indispensável. Sarah Vaughan era considerada uma das três jóias do vocal jazzístico moderno. Billie e Ella eram as outras duas, claro. Dizem que há alguns anos ela não era mais uma típica cantora de jazz, pois as gravadoras fazem seus contratados gravar o que (supostamente) vende, sem outras preocupações. E no Brasil não é diferente : Ângela Maria, Cauby Peixoto e Alcione (foto) muitas vezes gravaram irritantes bobagens sonoras.

JAZZ DA CABEÇA AOS SAPATOS

Neste Round midnight, de 1987, Sarah realimenta o lugar-comum.  Numa leitura exclusiva de scats sings (ela usou a mesma técnica com a brasileira Garota de Ipanema), minha vocalista preferida entra num “duelo” arrepiante com Dizzy Gillespie (foto),  e mostra que, afinal de contas, estava certo quem inventou a lenda do gogó que toca. Ela, de verdade, toca a garganta, como se fosse um sax tenor.  Por essa época, dizia-se que a cantora já dera o melhor de si. O vídeo (feito três anos antes da morte, em 1990) desmente os críticos: a divina Sarah Vaughan é uma cantora de jazz, dos cabelos à capa fixa do salto do sapato. E em absoluta forma.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

PRA VER/OUVIR DE JOELHOS

Round midnight (também título de um filme rapidamente referido aqui), tema de Thelonious Monk, foi gravado (além de Monk e Sarah Vaughan) por Miles Davis, Carmen McRae, Ella Fitzgerald, Anita O´Day, Cootie Williams, Wes Montgomery (foto), Cassandra Wilson, Charlie Parker e mais “n” intérpretes. É possível que alguém não conheça este vídeo. Então, é aproveitar para ter o direito de, mais tarde, dizer aos netos que viu Sarah Vaughan e Dizzy Guillespie tocando juntos. Ele tocava trompete; ela, gogó. Se quiser, pode se ajoelhar. E no fim, bater palmas.

(O.C.)
Tempo de leitura: 8 minutos

“QUERO ASSISTIR AO SOL NASCER”

Ousarme Citoaian
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A meu entender de ouvinte, nenhuma lista de melhores da MPB poderia excluir Antônio Carlos Candeia Filho, o Candeia (foto). Nascido em casa de bamba, criado a feijoada, caipirinha e partido alto, Candeia era autêntica liderança do samba, empenhado em manter a tradição. Reuniu pessoas, criou a Escola de Samba Quilombo e, publicou, em parceria, o livro Escola de samba, árvore que esqueceu a raiz. Policial com fama de truculento, recebeu um tiro na coluna e perdeu o movimento das pernas. A partir daí, sua produção passa a refletir um pungente diálogo com a fatalidade, sabendo ter a morte nas imediações. Em cadeira de rodas, amargurado, não saía de casa, não recebia ninguém, mas prosseguia na resistência: um verso seu diz “de qualquer maneira, meu amor, eu canto”. Pintura sem arte, Peso dos anos, Anjo moreno, Preciso me encontrar e Eterna paz são seus sambas mais notáveis. Morreu em1978, aos 43 anos.

GRITO QUE VEM DA ALMA

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Pintura sem arte, que teve uma ótima gravação de Alcione (foto), a cantora que mais gravou Candeia. Nesse samba está escancarado o sofrimento do poeta, e seu orgulho, também ferido de morte: “Mas se é pra chorar/ Choro cantando/ Pra ninguém me ver sofrendo/ E dizer que estou pagando”. A cantora maranhense gravou também O mar serenou (que se tornara famosa na interpretação de Clara Nunes) e outras seis composições do sambista carioca. A obra-prima de Candeia, entretanto, é Preciso me encontrar – um lamento arrancado das entranhas do homem preso à tragédia irremediável: “Deixe-me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/Rir pra não chorar”. O texto, muito bem escrito, é exemplo da boa regência do verbo “assistir” e correto emprego do infinitivo, onde tantos tropeçam: “Quero assistir ao sol nascer/ Ver as águas dos rios correr/Ouvir os pássaros cantar”. Mestre em MPB, sem dúvida.

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AOS MESTRES, COM (MUITO) CARINHO

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Adoro listas (de músicas, filmes, livros, mulheres bonitas, políticos corruptos etc.), pela polêmica que tendem a provocar. Elas são, em geral, imperfeitas, na medida em que refletem o gosto pessoal de quem as fez, nem sempre alcançável pelo público a que se destina. Tenho em mãos a relação das Cem canções essenciais da MPB, que a revista Bravo! (foto) publicou há algum tempo. “Uma gracinha”, como diria aquela simpática loura do sofá (com todo respeito), que em outros tempos também solfejou umas canções, embora um tantinho desafinada. No topo (as dez mais votadas), ficaram: 1) Carinhoso (Pixinguinha/Braguinha), 2) Águas de Março (Tom Jobim), 3) João Valentão (Dorival Caymmi), 4) Chega de Saudade (Tom Jobim/Vinicius de Moraes), 5) Aquarela do Brasil (Ary Barroso), 6) Tropicália (Caetano Veloso), 7) Último Desejo (Noel Rosa), 8) Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira), 9) Construção (Chico Buarque) e 10) Detalhes (Roberto Carlos/Erasmo Carlos). Um trecho defensável da relação geral, embora pareça tentar agradar a variadas preferências.

Mas listas são listas, sempre sujeitas a aplausos e apupos.

O MAIOR NOME DA MODERNA MPB

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Em certo sentido, a relação me satisfaz: cinco canções de Noel Rosa (foto), mesmo para fãs como eu, está além da expectativa. Tom Jobim, o maior nome da moderna MPB, comparece com dez composições e ainda teria direito a várias outras. Os demais escolhidos: Chico Buarque (10 músicas), Caetano Veloso (5), Caymmi (4), Ari Barroso (3), Gilberto Gil (3), Lupicínio Rodrigues (3), Cartola (2), Luiz Gonzaga (2), Nelson Cavaquinho (2), Pixinguinha (2), Paulo Vanzolini (2), João Bosco-Aldir Blanc (2), Paulinho da Viola (2), Milton Nascimento (apenas 1), Antônio Maria (só 1), Geraldo Vandré (1), enfim, a presença dos mestres indefectíveis. Mas os furos são enormes, com alguns tangenciando o crime contra a canção popular brasileira.

MENESTREL DO SERTÃO PROFUNDO

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Além da já vista Preciso me encontrar (Candeia), a lista “grita” a ausência de Inútil paisagem, Vozes da seca, Viagem, Apelo, Andança, Atrás da porta, Até quem sabe, Modinha, Coração de estudante e Ilusão à toa, para não nos alongarmos. Quanto aos autores, não se explica o silêncio a respeito de Edu Lobo e Baden Powell, por exemplo. Mas lá estão coisas como As curvas da estrada de Santos, Você não soube me amar, Óculos e Exagerado (de Cazuza, seriam adequados  Blues da piedade e Codinome beija-flor). Em todo caso, a lista nos surpreende (em centésimo lugar!) com Cantiga de amigo, de Elomar Figueira de Melo (foto), menestrel do sertão profundo. Deve ser o cumprimento de penas alternativas pelos crimes.

JORNAIS, BLOGS E VÍTIMAS FATAIS

No fim do ano e começo de 2010 registraram-se muitas vítimas fatais no trânsito da região. Um dos principais jornais diários de Itabuna estampou: “Grave acidente deixa três vítimas fatais na BR-101”; um importante blog anotou: “Acidente em Ibicaraí deixa três vítimas fatais”; outro: “Três vítimas fatais em violento acidente”; o mais importante semanário da região foi na mesma linha: “Operação Fim de Ano registrou duas vítimas fatais”; outro dos principais jornais diários de Itabuna saiu-se com esta: “Pároco de Buerarema é vítima fatal em acidente na BR-101”; por fim, o melhor dos blogs (cujo nome não digo porque o pessoal do Pimenta sofre de modéstia incurável) também se mostrou contaminado e disse, a propósito de um acidente, que “profissionais de saúde não confirmam a existência de vítimas fatais”.

COM UM PÉ NA TRAGÉDIA GREGA

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A vítima fatal é como a girafa do zoológico, que nunca penetrou a compreensão do português, mesmo que lhe tenha, em absoluto desrespeito, lambido a careca. O gajo estava certo: um animal daquela altura, com um pescoço descomunal terminado numa ridícula cara de gafanhoto, do qual emergem dois surpreendentes chifres parecidos com antenas, não existe. A vítima fatal é assim: campeã de popularidade nas redações, dela não se tem notícia na língua culta. Fatal significa, de acordo com vários dicionários, o que há-de acontecer, inevitável, funesto, seguido de morte, prescrito pelo fado ou destino. É algo com um pé na tragédia grega. Todos se lembram de Édipo Rei (foto), que nasceu fadado a matar o pai e casar-se com a própria mãe, por determinação inapelável dos deuses. Pois é. Fatal é o que mata. A dengue é fatal, mata as pessoas. O acidente foi fatal, porque matou o motorista. Alhures, escrevi, com pesar, sobre a grande Elis Regina: “Uma mistura de tranqüilizantes, cocaína e álcool lhe foi fatal”. A mistura matou a artista, para meu desespero.

UMA VÍTIMA BEM TRAPALHONA

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A vítima fatal teria, para fazer jus ao adjetivo que carrega pregado ao nome, que matar alguém. Como a vítima, por definição, está morta, teria que se valer de forças imponderáveis, para provocar algum acidente, cair por cima de alguém, estrangular um desafeto, essas coisas só possíveis em filme de terror, Ou no fantástico (não o da Globo, mas o da ficção). A vítima fatal (a vítima que mata) teria de ser muito… desastrada, bem trapalhona. Já se vê que é impossível a alguém estar morto e, ainda assim, ser fatal. Morto, até que me provem o contrário, não mata. Mas existe gente fatal, funesta, como Jararaca Ensaboada, que onde pisa mata a grama. A PM Anamara Barreiros de Brito (foto), de acordo com a abalizada e insuspeita opinião do ex-governador Paulo Souto, é fatal: deixa o bandido paralisado, pensando besteira e até com vontade de ser honesto. Certo prefeito foi fatal para Itabuna; outro foi fatal para Ilhéus. O governo tem prazo fatal para receber os impostos escorchantes que nos cobra… Dirão que vítima fatal já está (quase) consagrada pelo uso. Creio que seria a lamentável consagração do erro.

MAÇÃ MADURA E DESAMPARO

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Mas Anamara, por quem o trovador Agulhão Filho se derrete feito manteiga no calor de janeiro, tem, se não na PM, antecedentes no cinema: Rita Hayworth (foto) foi a mais famosa mulher fatal de todos os tempos. A cena do strip-tease que ela faz em Gilda (Charles Vidor/1946) tornou-se histórica. E ela nem faz, é só uma sugestão: La Hayworth tira apenas a comprida luva de um dos braços. Foi bastante. Nunca houve mulher como Gilda. Igual à minha vizinha do 6º andar: quando a vejo, sinto (além do assalto de ideias impublicáveis) um friozinho na barriga, a respiração apressada, um pouco de taquicardia e suor nas mãos. Impávido colosso, ela passa por mim e não olha. Deixa no ar uma fragrância de rosas amassadas em tarde de primavera, o que me lança numa espiral de absoluto desamparo. Eu, vítima; ela, fatal.

COMO UM LUAR DESESPERADO

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Modinha foi gravada pela primeira por Elizeth Cardoso, no lendário LP Canção do amor demais, de 1958. Vocês lembram: é aquele disco que tem Chega de saudade, com João Gilberto ao violão, e que marcou o nascimento da Bossa-Nova. O pequeno grande poema de Vinícius (musicado pelo maestro soberano) ganhou, ao longo de mais de meio século, muitas gravações. Eu tenho as de Elizeth Cardoso, Alaíde Costa, Elis Regina e Teresa Salgueiro (foto), uma portuguesa incrível, que canta sem nenhum sotaque. Além da de Elis Regina, é óbvio. Há notícia de registros da sempre correta e esquecida Jane Duboc e de Olívia Byinton, que não acrescenta muito. Betânia também gravou, mas eu não ouvi e não gostei.

Aqui, nossa homenagem a Elis Regina, que morreu a 19 de janeiro de 1982.

JOTAÉ LEVA AFLIÇÃO AO COMÉRCIO

Vi Jararaca Ensaboada em loja chiquíssima do Shopping Jequitibá, provavelmente em manobras para povoar seu guarda-roupa de verão. Não me apraz saber o que a nefasta criatura comprou, nem o tamanho da despesa contraída. Mas aposto dois contra um como a conta foi “pendurada” e que as ações para “despendurá-la” vão provocar choro e ranger de dentes. Daqui a uns trinta dias, quando vencer o primeiro papagaio, haverá lojista em aflição, incerteza e desesperança, propondo ao travesseiro, em longa jornada noite adentro, esta profunda indagação filosófico-existencial: “Por que não fui ser bancário, em vez de comerciante”?
(O.C.)
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<h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3>
<div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as