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UM NARRADOR QUE JÁ NASCEU ADULTO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1AquilinoTenho dito que meu tempo é pouco para ler tudo que me aparece em prosa e poesia. Daí, sempre com leituras atrasadas (é certo que morrerei antes de ler todos os livros que pretendo ler), não tenho como me dedicar aos autores novos – algo que soa discriminatório e cruel, bem sei. Há dias, como exceção a esta regra, li Ponte estreita em curva sinuosa (Editora Universidade Federal do Recôncavo Baiano), do ilheense Aquilino Paiva, e me felicitei pela descoberta. Na coleção de 15 contos (com prefácio de Reheniglei Rehem) penso assistir a um fenômeno: o nascimento de um contista adulto, da melhor qualidade, na trilha dos grandes que este sul-baiano produziu.

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Em todos os contos, a boa literatura

Em Ponte estreita… não há liame claro entre os textos, e o locus da narrativa nem sempre é identificado. Às vezes, tal percepção soa irônica, como em “Cemitério”, que se passa em Cruz das Almas, ou em “O pacto”, quando um sujeito que tem acordo com o Capeta vai dar com os costados em Senhor do Bonfim. Há crítica social em “O caso do outdoor” e “Lôro d´água”, laivos de thriller policial em “O eletricista” e “Punhal de prata”, sugestões de humor negro em “O quinto suicídio de Sabrina Miranda” e “Joana e Avelino”. Na maioria dos contos, uma pitada de suspense e em todos a boa invenção literária, feita por mão madura, sem as pegadas deixadas pelos amadores.

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3pistoleiroTrecho: a morte como meio de vida

“A morte, pra mim, era meio de vida. Coisa que sabia fazer muito bem, por que não trabalhar com isso? Se Deus existe, acho que estou perdoado, pois não matei ninguém com raiva, nem por vingança, nem pra roubar. Nunca foi pessoal. Eu só ficava sabendo o nome do escolhido que era para poder encontrar e realizar o contrato. Se mereceu, nem quero saber. É tão somente um serviço. Só aperto o gatilho, ou encravo a faca, é morte que eu não decido, só faço aquilo que nem todo mundo sabe fazer, por fé, por covardia, ou falta de jeito, três coisas que eu não tenho” (de Punhal de prata, com epígrafe de Alceu Valença – pág. 60).

ENTRE PARÊNTESES, ou

Com o abono inquestionável do papa
Esperei, esperei, ninguém comentou, comento eu, tantos dias depois. O papa Francisco, que encantou os brasileiros, saudou dona Dilma como “presidenta”. Não fosse a simpatia do chefe da Igreja Romana, teria recebido pedradas de certos setores – cuja ignorância os leva a identificar este feminino de presidente como “coisa do PT”. Os que enxergam um pouco adiante do espaço nasal sabiam que não seria diferente: todas as línguas da família (português, francês, italiano, espanhol) usam, neste caso, “presidenta”. O papa, com formação vocabular na Argentina e da Itália, jamais chamaria uma mulher de “presidente”. O que, de resto, é rematada grosseria.

POEMA DE DRUMMOND E ETERNA ARROGÂNCIA

5DrummondPor certo a gentil leitora e o exigente leitor conhecem o poemeto Política literária, de Drummond: “O poeta municipal/ discute com o poeta estadual/ qual deles é capaz de bater o poeta federal./ Enquanto isso o poeta federal/ tira ouro do nariz”. É uma celebração da pequenez fantasiada de grandeza, algo próprio dos eternos arrogantes, invejosos e ciumentos. Pela parte que me toca, se minha pobre prosa for lida na rua onde moro já me darei por satisfeito. Não tenho “colegas” a bater, não concorro, não reclamo, o êxito dos outros, em vez de me deprimir, me enleva. Acordo para este despertado por Woody Allen.
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Conversa de novato com grande estrela

Um ótimo diálogo de Meia-Noite em Paris (aqui comentado há dias, com a aprovação dos leitores que conhecem o filme) está no primeiro encontro dos personagens Gil Pender (Owen Wilson) e Ernest Hemingway (vivido por Corey Stoll). Pender é um escritor iniciante, e Hemingway é… Hemingway!  Diante da hesitação do novato, o autor de Por quem os sinos dobram? joga duro: “Nenhum tema é ruim se a história é verdadeira e se a prova é limpa e honesta”.  E o melhor é quando Pender, timidamente, pede para Hemingway ler os originais do livro em preparo. “Eu só queria uma opinião”, diz. “Minha opinião é que detesto”, ouve.

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7Corey StollAbundância de egos grandes e pesados

Diante da frase grosseira, Pender argumenta: “Você nem leu…”, ao que faz Hemingway voltar à carga: “Detesto textos ruins. E se for bom, terei inveja e detestarei mais. Não queira a opinião de outro escritor. Escritores são competitivos”. Pender contemporiza: “Não vou competir com você…” e Hemingway volta a agredir: “Você é modesto demais, não é muito masculino. Se você é escritor diga que é o melhor escritor (dá um murro na mesa). Mas não será enquanto eu viver, ou quer decidir isso no braço?” O personagem mostra um tipo comum no meio intelectual, onde abundam egos grandes e pesados (na foto, Corey Stoll, agressivo, de dedo em riste).

O PIANISTA PREFERIDO DE MILES DAVIS

Esvai-se o espaço, e ainda preciso introduzir o vídeo desta semana. Vamos resumir: Ahmad Jamal, pianista americano de Pittsburgh, nasceu em 1930, chama-se Frederick Russell Jones – o nome de guerra, vocês já sabem, é de alguém convertido ao islamismo. Penso que ajudaria muito lembrar que Jamal era o pianista preferido de Miles Davis, e sobre quem exerceu forte influência: estudiosos dizem que Miles gostava tanto da música do velho Jamal que o imitava nos arranjos. Acordes do pianista são ouvidos no clássico So what, de Miles Davis (da histórica sessão de Kind of blue, já mencionada nesta coluna). No vídeo, Ponciana, canção feita famosa na voz de Nat King Cole.
O.C.