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RICARDINO, O QUE SE RECUSOU A MORRER

Ousarme Citoaian
Ricardino Batista dos Anjos, justamente homenageado com seu nome no Prêmio de Imprensa da Prefeitura de Itabuna, contava uma história de grande interesse humano. Menino ainda, cavando a vida em Itabuna, foi acometido de doença grave, que o fez submeter-se a tratamento especializado. Depois de algumas tentativas, o médico (dos quadros do INPS, uma espécie de SUS daquela época) chegou à conclusão de que a moléstia era incurável. Recomendou ao doente que fosse “morrer em casa”, numa prova de que não devotava maior apreço à vida dos pacientes.

ALBERTO SEIXAS MUDA O RUMO DA HISTÓRIA

Negro, pobre, só e abalado pela doença, estava prestes a aceitar esse diagnóstico cruel, quando o instinto de sobrevivência falou mais alto (aliás, gritou): a caminho da pensão onde morava, Ricardino (foto) mudou de rota e procurou outro médico. Este o atendeu “por caridade”, jogou fora os remédios até então utilizados e impôs novo esquema de tratamento. “Riscadinho” (como o chamava Jorge Araujo) sobreviveu, fortificou-se e decidiu que só morreria dali a muitos anos, no longínquo 2005. No intervalo, casou-se, teve dois filhos e se fez radialista, jornalista, advogado e pedagogo.

CLARK GABLE “DE PAPO” NA CINQUENTENÁRIO

O nome do médico que o desenganou, não sei; o que o salvou chamava-se Alberto Seixas. Bom de clínica e de conversa, esse Seixas era um homem alto, forte, risonho e bonitão, aproximado ao melhor Clark Gable (… E o vento levou). Mais do que isso, era humano (este caso parece exemplar), fino, cortês, fidalgo, um gentilhomme raro entre médicos ou qualquer categoria, não importa o tempo ou lugar. Seu modelo sobrevive no oftalmologista Carlos Ernane Andrade (foto), que tem mestrado em civilização e gentileza. Quanto a Ricardino Batista, hoje é, mais que foi em vida, dos Anjos.

MATEMÁTICA E COMUNICAÇÃO

Dia desses, opinamos sobre a influência que a matemática exerce na minha forma de expressão, e causei surpresa. Recorramos aos exemplos: “Havia na praia gente de todas as idades”, diz a repórter da tevê, numa matéria de domingo. Essa linguagem é condenável, por imprecisa (é impossível que pessoas de todas as idades estejam na praia). É preferível “de idades variadas” ou coisa parecida. Também comum é a fórmula “toda a diretoria compareceu”. Cuidado para ver se não faltou alguém, o que poria a perder a precisão do relato. Outro: “O investimento do Estado será de R$ 42 milhões” – atenção, que talvez não seja exatamente isto. Melhor é “cerca de R$ 42 milhões”.

RIGOR QUE MELHORA O ESTILO

Devido a seu rigor típico, a matemática auxilia na precisão da linguagem. Voltada para a exatidão e a lógica, quando ela diz “todas as idades” está dizendo “todas as idades”, do recém-nascido ao ancião, com intervalos pequeníssimos. Já se vê que é impossível reunir um grupo de pessoas nesta condição. Talvez seja um conjunto infinito, conforme Cantor (matemático russo) e sua teoria. Da mesma forma, estaria “errada” a informação de R$ 42 milhões, se acaso, na prática, a despesa for ultrapassada (ou reduzida) em qualquer valor, R$ 0,01 (um centavo) que seja. Que importância tem isso para a comunicação? Talvez nenhuma.

A CURVA QUE ALONGA O CAMINHO

“Itabuna perde o título de campeão baiano de Juniores”, diz o jornal, na primeira página (parêntesis para lembrar que a primeira página tem sido chamada, inapropriadamente, de capa). Procuro o fundo do mistério e descubro que o Itabuna Juniores enfrentou o Bahia Idem e perdeu o jogo. Ora, por que cargas d´água o redator não disse logo isso?  O Itabuna perdeu o jogo, não o título, pois não se perde o que não se tem. Deixar de ganhar não é perder. Ainda me surpreendo com esse festival de formas “elípticas” de escrita, quando a reta é a menor distância entre dois pontos.

CAPA É CAPA, NÃO É PRIMEIRA PÁGINA

Falemos em capa, espero que sem levar pedradas dos coleguinhas mais novos. As trocas são naturais numa redação (por exemplo, a máquina de escrever pelo computador), como de resto, em todos os setores da vida: o velho, queira ou não, dará lugar ao novo. Mas capa é capa e primeira página é primeira página (ou, para ficar no modismo partidário, água e óleo que não se misturam). Revistas e livros têm capa – uma proteção com material de maior resistência, diferente das páginas, o miolo do livro ou revista. E o método de trabalho de quem faz capa de revista ou livro é diverso do método de quem “fecha” uma primeira página de jornal.

DA ARTE DE ESCREVER BEM

É provável que Canto de amor e ódio a Itabuna não seja a coletânea ideal do poeta Telmo Padilha. Talvez seja a coletânea possível, neste momento. Vale pela iniciativa da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC) que resolveu fazer uma coisa quase inédita por estas bandas: prestar homenagem a um autor regional. Na verdade, as boas intenções já começam na gênese do livro, com os textos selecionados por José Haroldo Castro Vieira, amigo de Telmo, mas não crítico literário. A Editus/Uesc, que encampou o projeto de edição, tem também grande mérito na homenagem.

O DÉBITO COM TELMO CONTINUA

Adiante-se que tudo isso valeu a pena, pois se não fosse esse livro não seria nenhum outro – e o aniversário do poeta passaria em branco. Mas a cidade continua em débito com Telmo (foto). Sua produção, sobretudo a poesia, ainda tem muita coisa à deriva, anotada às pressas, em papéis inadequados (até canhotos de talões de cheques), já maduras para servir de alimento às traças. Se a FICC, com mais tempo e recursos, tiver condições de sonhar sonho maior, poderia contratar Jorge de Souza Araujo, este, sim, crítico e pesquisador, para a seleção e notas dos inéditos de Telmo Padilha.

FALTA DINHEIRO, SOBRAM PROBLEMAS

O presidente da FICC, escritor Cyro de Mattos (foto), também faria eficientemente esse trabalho, pois tem longa experiência em selecionar textos, tendo coordenado antologias várias, incluindo duas de autores regionais (Ilhéus de poetas e prosadores e Itabuna, chão de minhas raízes). Conhece muito bem as literaturas daqui e de alhures, em prosa e poesia, e por várias vezes antologiou Telmo Padilha. Mas não tem tempo, e a FICC, sem dinheiro e eivada de problemas, já o molesta suficientemente. Jorge Araujo, portanto, é a melhor escolha.

CRÉDITO DE “PROFESSOR” DA UESC

Louvada a iniciativa do presidente da FICC, vamos lembrar que a Editus/Uesc já deu contribuição fundamental às letras regionais, ao editar dois volumes de alta qualidade, com capa dura e papel especial: Expressão poética de Valdelice Soares Pinheiro/2002 e (melhor ainda) Jorge Medauar em prosa e verso/2006. Seria o caso de a FICC chamar aquela editora para o resgate de um dos grandes poetas brasileiros. E é pertinente salientar que Telmo Padilha, autor de mais de 35 títulos, com 16 traduzidos, tem crédito para tanto: era professor Honoris Causa da Uesc.

AZNAVOUR E O “REALISMO” NA CANÇÃO

Charles Aznavour se sentia infeliz com as canções que interpretava, por isso resolveu compor, com a intenção de dizer “coisas que o público não estava acostumado a ouvir”. Seus temas são desamor e conflitos interpessoais, numa espécie de realismo que conquistou milhares de ouvintes. Os jornais eram sua fonte de inspiração. Filho de imigrantes armênios que escaparam do genocídio feito pelos turcos em 1914, ele trabalhou oito anos com Edith Piaf (foto), seguindo-a por toda parte, e foram amigos até a morte da chansonière. “Com ela aprendi que não devia fingir ser outra pessoa no palco, que devia ser eu mesmo, uma pessoa real”, reconhece.

VEIO DUAS VEZES AO BRASIL

Charles Aznavour, nascido Shahnour Vaghinagh Aznavourian (foto),  fez, no mínimo, 600 canções (há quem fale em 850), incluindo 150 em inglês, 100 em italiano, 70 em espanhol e 50 em alemão. Vendeu mais de 100 milhões de discos e apareceu, como ator, em mais de 60 filmes, entre eles, Atirem no pianista, O caso dos dez negrinhos e O tambor. Em 2008, obteve a cidadania armênia e já no início de 2009 se tornou embaixador da Armênia na Suíça. O franco-armênio, que completa 86 anos no dia em que esta coluna é postada (22 de maio), visitou o Brasil duas vezes em 2008, cantando em dez capitais.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

“AVENTAL TODO SUJO DE OVO”

La mamma vendeu 1,5 milhão cópias, com uma letra de mau gosto atroz, só perdendo, no tema, para aquela da mãe rainha do lar com o chinelo na mão e o avental todo sujo de ovo. Ray Charles a gravou como For mamma e Agnaldo Timóteo (foto), Mamãe, é claro. O tema: a velha matriarca está nas últimas, e a família vem assistir ao desenlace. “Eles vieram, eles estão todos lá/Desde que entenderam este grito/Ela vai morrer, a mamma” (Ils sont venus,ils sont tous là/ Dès qu’ils ont entendu ce cri/ Elle va mourir, la mamma). Nazareno de Brito (para o vozeirão de Timóteo) põe lirismo nessa morte: “O véu da noite vai chegar/E docemente vai nublar/ Os olhos meigos de mamãe”. Bombou. Com brasileiro não há quem possa.

CARISMA QUE ATRAVESSOU O ATLÂNTICO

A melodia e o carisma de Charles Aznavour somados ao êxito dessa canção nos dois lados do Atlântico justificam a presença de La mamma na coluna. É quase como se estivéssemos respondendo ao clamor das ruas.

(O.C.)