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Felipe de PaulaFelipe de Paula | felipedepaula81@gmail.com

Vivemos, com a tecnologia, uma contradição. Embora produzamos um sem número de imagens, não dedicamos tempo à contemplação. Esta, se surge, é rapidamente substituída por uma nova imagem – antes mesmo de a anterior ser fixada e fruída.

Na última semana acompanhei uma apresentação do espetáculo Cine Incidental, do Teatro Popular de Ilhéus. Encenado na sede da associação de moradores de um bairro popular da cidade, o espetáculo consiste na projeção de dois filmes de Chaplin acompanhado de trilha sonora executada ao vivo por músicos que se revezam em diversos instrumentos. O humor atemporal de Chaplin, em conjunto com a sensibilidade dos músicos, torna o Cine Incidental uma bela experiência de ser contemplada.

Durante a exibição, contudo, foi a plateia que chamou minha atenção. Uma garota, aparentando 11 ou 12 anos, demonstrava estar se divertindo bastante e assistia atentamente ao espetáculo – pela tela de seu celular. Não apenas assistia, ela gravava a apresentação na íntegra! Como já conhecia o espetáculo, fiquei observando-a por algum tempo. Vez ou outra seu bracinho cansava e tremia a filmagem. Imediatamente ela corrigia e voltava a enquadrar a cena. Pensei: se o espetáculo era digno de ser gravado, por que não simplesmente apreciá-lo?

A lógica capitalista contemporânea parece impelir todos ao acúmulo. Não apenas o acúmulo de riquezas materiais, mas também ao acúmulo de experiências. E, num tempo em que as tecnologias seduzem e parecem facilitar as ações humanas, podemos poupar a memória e acumular arquivos digitais de sentimentos e sensações. Mesmo que nunca os resgatemos. Apenas o prazer momentâneo de registrar – dominar? – aquele momento, já basta. A contemplação é substituída pelo registro, a lembrança é substituída pela memória (digital).

A contemporaneidade parece sublimar a figura do flâneur. Surgida na obra de Baudelaire, a expressão francesa remete ao observador, ao “vagabundo” que dedica sua vida à contemplação do cotidiano. Vagabundo surge entre aspas por ser um contraponto à lógica produtivista e acumuladora que a modernidade instaurou. Vivemos, com a tecnologia, uma contradição. Embora produzamos um sem número de imagens, não dedicamos tempo à contemplação. Esta, se surge, é rapidamente substituída por uma nova imagem – antes mesmo de a anterior ser fixada e fruída.

Valorizemos as tecnologias, contudo dediquemo-nos a reeducar o olhar. A vida é acelerada, mas é passível de ser contemplada. O projeto pedagógico da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) propõe que seus calouros experimentem a educação do sensível. Muitos chegam à universidade em busca de uma relação utilitarista e acumulativa com o saber. Já no primeiro quadrimestre de estudos, todos frequentam o componente curricular Fórum Interdisciplinar: experiências do sensível.

Neste espaço, os estudantes são convidados a refletir e a observar o mundo que os cerca, suas famílias, comunidades, região e a expressar sua visão sobre estes. Esta expressão surge através de relatos, textos, desenhos, pinturas, gravações ou no suporte que pareça mais adequado. Mas independente disso, as ações surgem da obrigação curricular de contemplar: a natureza, o território, os sons, as imagens. O interdisciplinar do título significa que todos devem passar por essa experiência. Espera-se com isso, num futuro não muito distante, artistas mais sensíveis, professores mais cuidadosos, mas também médicos mais humanos, engenheiros mais compassivos.

Espera-se com isso, uma sociedade que sabe valorizar o que tem de mais importante. Suas pessoas. Tudo isso por meio da da educação. A educação do olhar.

Felipe de Paula é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).