Tempo de leitura: 3 minutos

jurema cintra oabJurema Cintra | falecomjurema@gmail.com

Fato acontecido recentemente com uma advogada e professora doutora da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), de Ilhéus, foi chocante. Após sua denúncia, apareceram tantos e tantos relatos similares, pavorosos, angustiantes dentro de ônibus urbanos, intermunicipais, estaduais e metrô.

A partir de hoje, toda vez que pegar um ônibus, trem ou metrô vou seguir as regras deste manual, afinal ainda “não sou dona de meu corpo” e estou vulnerável a sofrer violência a qualquer momento:

1- PEGAR  ônibus de calça jeans e blusa de manga comprida, mesmo que esteja fazendo 35 graus ou 40 graus de matar. Na camisa, terá o dizer, na frente e verso: NÃO PASSE A MÃO EM MIM, O CORPO É MEU!!!

2- FAZER adesivo “NÃO PASSE A MÃO EM MIM, O CORPO É MEU!!!” e colar nas malas, no carro, no trabalho, nos banheiros, enfim, eles: os “adoráveis passadores de mão” estão em todos os cantos, temos de monitorá-los;

3 – NÃO ENTRAR em ônibus cheio (entupido), mesmo que perca seus compromissos profissionais, mas não culpe as empresas de ônibus. Coitadas!!! Elas não têm culpa dos ônibus urbanos estarem superlotados e ficarmos sujeitas a tanta falta de segurança, já que assédio sexual e estupro são crimes;

4 – MANTENHA seu celular sempre com a câmera aberta 24 horas para filmar tudo ao redor. Quem sabe não identifica o “tarado”;

5 – Quando a viagem for longa, UTILIZE seu “pau de selfie” e celular, coloque preso no bolsão da frente da poltrona com a câmera ligada e avise ao homem que está do seu lado que ele será filmado durante toda a viagem;

6- PEGUE a câmera GoPro e prenda no cinto filmando a viagem toda. Grave tudo que puder;

7 – Antes de comprar a passagem no balcão da companhia, PEÇA para saber o sexo do passageiro ao seu lado. Só escolha poltrona do lado de mulher;

8 – NÃO PEGUE metrô cheio, só entre no vagão rosa feminino;

9 – LOCALIZE na internet e COMPRE um cinto de castidade medieval, assim, mesmo que tudo isto não funcione, sua genitália estará intocável;

10 – ANDE  com meu megafone portátil na cintura. Se alguém lhe “encoxar”, GRITE para todo o ônibus/metrô ouvir. O megafone dará visibilidade suficiente;

11 – TENHA um segurança particular que será sua eterna testemunha ou então APRENDA umas três artes marciais diferentes. É a chance de entrar no MMA;

12 – Se viajar sozinha, NÃO DURMA. Tome 2 litros de café + guaraná em pó + arrebite + energéticos, faça um coquetel e mantenha-se em ALERTA todo o tempo da viagem e CONVERSE COM todos os passageiros antes de iniciar o trajeto. Assim você terá futuras e possíveis testemunhas;

13 – Se mesmo assim, uma mão boba escorregar para dentro de sua blusa no meio da noite, FIQUE sem tomar banho e guarde toda a roupa, pois afinal o CSI (perícia técnica do Brasil) vai chegar e lhe salvar para obter provas. Tenho certeza que vão colher os resíduos de pele do agressor/assediador que ficaram impregnados em você;

14- Quando o agressor ejacular em cima de você, NÃO SE LAVE mesmo. A perícia(CSI) terá a prova cabal do crime;

15 – SOLICITE as cópias das gravações das diversas câmeras nos ônibus, deve ser algo muito fácil;

16 – GRITE sempre, berre, afinal você fez tudo isso acima e terá provas contra esses covardes, ninguém vai lhe taxar de louca e excessiva ou paranoica, não é?

Bem, depois de tomar todas estas simples medidas de precaução terei muito sucesso para propor uma ação judicial de indenização além das medidas penais contra o agressor com esse arsenal de provas não é? É revoltante saber que toda vez que uma mulher precisa usar um transporte público no Brasil ela, em verdade, está partindo para uma GUERRA. Sim, uma guerra em defesa de seu próprio corpo, pelo direito, pela sua liberdade.

Fato acontecido recentemente com uma advogada e professora doutora da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), de Ilhéus, foi chocante. Após sua denúncia, apareceram tantos e tantos relatos similares, pavorosos, angustiantes dentro de ônibus urbanos, intermunicipais, estaduais e metrô. Fiz este manual bizarro por que nós mulheres temos de entender que, infelizmente, estamos numa guerra de gênero, numa guerra em que a violência machista impera, é preciso criar armas para nos defender, enquanto o RESPEITO não for algo tão difícil de se obter. É preciso sensibilidade e políticas públicas efetivas para garantir os direitos das mulheres. Espero chegar este dia em que homens e mulheres não estarão mais em lados opostos e sim caminhando juntos.

Jurema Cintra Barreto é vice-presidente da OAB de Itabuna e defensora dos Direitos Humanos.