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O Bahia entra em campo, hoje, pela Copa do Brasil. Define a vaga para a próxima fase contra o Vila Nova, às 19h30min. Pelo Twitter, o Tricolor antecipou que haverá homenagem a um dos baianos mais ilustres, o eterno Dorival Caymmi, em alusão ao centenário de nascimento do cantor.

caymmi homenagem

 

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A CRÔNICA LITERÁRIA ESTÁ (MUITO) VIVA

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
1.JânioO jornal A Tarde, que abriga de Hélio Pólvora uma saborosa crônica todos os sábados (aos domingos, um artigo), revelou à distinta torcida baiana outro cronista de indiscutível qualidade, também aos sábados, que não perdoo, leio. Chama-se Jânio Ferreira Soares (foto) este artista da palavra, capaz de dar leveza e lirismo aos assuntos mais áridos. O gênero tipicamente brasileiro – que tem em Machado de Assis um mestre consumado – viveu dias gloriosos na segunda metade do século passado, com Fernando Sabino (1923-2004), Rubem Braga (1913-1990) e Paulo Mendes Campos (1922-1991), dentre outros. Em Hélio e Jânio a crônica literária se renova.

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Bom humor e longevidade
“Não sei até que ponto o bom humor das pessoas tem a ver com a sua longevidade, mas tenho pra mim que aqueles que não se levam muito a sério e conseguem rir de si mesmos têm mais chances de receber alguns anos de acréscimo, mesmo depois de esgotado o tempo regulamentar. Agora, aqueles que levam a vida como se ela fosse uma espécie de pós-graduação para algum NBA celestial e agem como se os problemas do mundo dependessem de suas performances de vendedores de Delta Larousse, aí já não sei. Se o juiz for dos meus, é cartão vermelho antes mesmo que a primeira frase de Paulo Coelho saia de suas bocas” (Jânio).
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3.HélioAmigos mudos, fiéis e silenciosos
“Livros esperavam, mudos, na escrivaninha de tampos de prata. Estavam sempre lá, sabiam que cedo ou tarde seriam tomados, abertos, lidos. Os amigos permanentes. Os amigos mudos e fiéis. Sobretudo, os amigos silenciosos. Sempre a mesma mensagem: não mudavam de ideias, com eles não havia jogo duplo. Uns traziam estampas. Outros, sem ilustrações, convocavam mais o imaginário. As palavras do texto formavam desenhos perfeitos na imaginação, a donzela aparecia em retrato luminoso, as descrições da natureza é que mudavam um pouco para receber bosques de cacaueiros, ingazeiras e jindibas” (Hélio, no traço de Ramon Muniz).
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AS LOURAS E A LEI DA OFERTA E PROCURA

“Os homens preferem as louras”, alardeava o filme de Howard Hawkins/1953, com as incendiárias Marilyn Monroe e Jane Russell. Dizem os estudiosos de temas difusos que se trata de fenômeno típico da economia, a lei da oferta e procura: como há poucas louras (cerca de 2% das mulheres do mundo), elas ficaram “valorizadas”. Se acham. E estão aí as morenas comprovando a tese: o número destas que se enlourecem é muito superior ao das louras que escurecem os cabelos (e aqui o maldoso leitor vai querer que eu explique como atestar a “autenticidade” de uma loura – mas eu me recuso, pois esta coluna é mais familiar do que pensão do interior). A julgar pela MPB, que reflete bem a nossa cultura, o brasileiro prefere as morenas.
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Fahel canta a morena do Rio Vermelho
5.Oswaldo FahelDe cara, lembro-me da morena boca de ouro (de Ary Barroso), da morena “desse amigo meu” me dando bola (Luiz Ayrão) e do apelo de Alceu Valença: “Morena tropicana eu quero teu sabor” (e quem não quer!). Paulinho da Viola fala de uma morena faceira (que) mexeu as cadeiras (e) “foi um desacato”, Tom Jobim diz que “a morena vai sambar, seu corpo todo balançar…”, o ilheense Oswaldo Fahel canta a morena bela do Rio vermelho, Caymmi fala de uma Rosa, morena, com andar de moça prosa, Ary encontrou a morena “mais frajola da Bahia” – e Jota Sandoval apela: “Ai, morena, deixa eu gostar de você!…” Falta Noel Rosa, mas, antes, abramos espaço para as louras, que elas merecem.
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Loura é perfume, sonho, poema e flor
Para Hervê Cordovil (cantado pelo inesquecível Dick Farney), uma loura não é pouca coisa: “frasco de perfume, aroma de flor, espuma fervilhante de champanhe, sonho e poema”. Braguinha, animando a festa: “Lourinha, lourinha/ dos olhos claros de cristal/ desta vez em vez da moreninha/ serás a rainha do meu carnaval”. Noel, grande morenófilo, fez Morena sereia (que se senta na areia e “deixa a praia cheia”) e pediu ao sol que não saísse, “pois as morenas vão logo embora”. Depois, comparou: “Esta morena/ cheia de beleza e graça/ é o símbolo da raça/ cor de leite com café./ E esta loura/ nunca foi nem é meu tipo/ perto dela eu me arrepio/ de tão fria que ela é”. Exagerou.

O CHAPÉU DE INFINITO NÚMERO DE PONTAS

7.Chapéu de três pontasÉ provável que a gentil leitora e o amável leitor já tenham cantado, por divertimento ou castigo, “O meu chapéu tem três pontas/ tem três pontas o meu chapéu/ se não tivesse três pontas/ não seria o meu chapéu…”, canção com que eu costumava “ameaçar” minhas filhas: ou se comportar direito ou cantar “o meu chapéu tem n pontas…” A musiquinha recomeça a cada fim da quadra: depois de 475 pontas, meu chapéu passa a 476 pontas e por aí vai, num conjunto infinito. O “castigo” funciona até o dia em que a criança descobre que nossa paciência vai se esgotar antes da dela – e então somos nós a lhe implorar que pare com essa tortura em tom maior. É o feitiço contra o feiticeiro.
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Música é mistério, magia inexplicável

Mas é possível que nem todos saibam que a detestável canção popular origina-se em “Carnaval de Veneza”, mui celebrada peça do genovês Niccolo Paganini (1782-1840). Carnevale di Venezia, Opus 10 (no original, em italiano) é amada principalmente pelos violinistas, que costumam tê-la em seus catálogos de apresentação. Até aí, nada de novo. Novidade para mim foi ver a vetusta Boston Pops Orquestra, com seus solistas a rigor, tendo à frente um dos maiores trompetistas do mundo, a executar, todos cheios de responsabilidade, “O meu chapéu tem três pontas”. Por essas e outras, vejo na música, eu que não sou músico, um quê de milagre, de mistério, de inexplicável magia…

(O.C.)

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A DOCE VIDA QUE VEM EM ONDAS DE CARINHO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

É doce viver aqui, embalado pelas ondas do carinho de tantas pessoas. É também doce agradecer a todos os que gastaram tempo para abrir e ler esta página do Pimenta e que, como se já não tivessem feito esforço suficiente, ainda postaram comentários que me emocionam – e, hélas!, aumentam  minha responsabilidade. Volto a Jorge Amado para, mesmo a voo de pássaro (adoro esta expressão, do francês à vol d’oiseau), dizer que não pretendi fazer análise literária: em terra de Margarida Fahel, Ruy Póvoas, Tica Simões (foto), Hélio Pólvora, Jorge Araújo e outros, a prudência me recomenda o silêncio nesse campo. Quis destacar em Jorge Amado, tão somente, a luta política. E, ainda assim, disse pouco.

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Escritor que não foi “coelho assustado”

Não conheço na literatura brasileira obra social e vida mais densas, identidade maior com nossa gente do que teve Jorge Amado. Às vezes tangenciando o “romance operário”, de feição panfletária, ele apresentou o povo baiano e regional ao Brasil e ao mundo. Lutou a boa luta, não se omitiu, não tremeu, não foi o “coelho assustado” em que muitos intelectuais se transformaram diante da força. Despertou ódios. Teve livros apreendidos e queimados, foi preso, perseguido, exilado, expulso da França e proibido (ele e seus livros) de entrar nos Estados Unidos. É um passado heroico que não pode ser anulado na base do “esqueçam o que eu escrevi”. Dentre os “perigos” da literatura está a permanência.

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Na corda bamba do ridículo

Dizer que Jorge Amado é melhor do que Victor Hugo (foto) e que Os trabalhadores do mar “não chega aos pés de Mar morto” foi uma tentativa (por certo não muito bem sucedida) de gracejo, pois esta coluna não tem a pretensão de comparar escritores. Sobretudo quando se manifesta pelo texto escrito, o humor vive na corda bamba do ridículo – daí a comunicação eletrônica ter criado símbolos (rsrsrsrsrs! e kkkk!) para “traduzir” as intenções de quem escreve. Eu, como fazia o grande Millôr, me recuso às piadas com bula, mesmo conhecendo o risco de, vez ou outra, depender da boa vontade de quem lê. Portanto, sendo o leitor rei e senhor do que escrevemos, se não fui entendido, mea culpa.

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PROVÉRBIOS MUITO POUCO SIGNIFICAM

Esta coluna é como uma conversa de bar, cheia de palpites, que, por serem palpites, ficam ao desabrigo de chuvas e trovoadas. “Quem diz o que quer, ouve o que não quer”, sentencia o provérbio, mas provérbios muito pouco significam – e isto já é um palpite. Há pessoas, e não poucas, para quem o provérbio (que também atende pelo nome de adágio, axioma, brocardo, aforismo, anexim, prolóquio, ditado, máxima, parêmia, rifão, sentença) é o suprassumo da sabedoria acumulada. Não eu. Penso, logo opino (às vezes desastradamente), não sei de muitas verdades acabadas. Portanto, que a gentil leitora e o atento leitor relaxem, e não me levem (a mim nem à vida) excessivamente a sério.

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Chineses amam provérbios e exportações

Não é que não empregue provérbios na minha pobre escrita. Acho-os, às vezes, saborosos, e muitos deles até guardam um rastro da malícia e sabedoria ancestral do nosso povo. Li que a língua que mais usa provérbios é a chinesa, o que não deve surpreender a gentil leitora e o gentil leitor, pois a China é inventora de muitas coisas do nosso cotidiano: a tipografia, a seda, a bicicleta, o detetor de mentiras, o papel, o xadrez, o calendário lunar, o sismógrafo, a caneta, os óculos – para citar alguns. Por último, (re) inventaram a venda de bugigangas por atacado, para o mundo inteiro. Acho que os provérbios lhes caem muito bem. Só que eu não sou chinês.

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IMAGINAÇÃO É REMÉDIO CONTRA A REALIDADE

A vida há de ser lida no original, pelos nossos olhos, não pelos olhos dos outros. Mesmo assim, o texto interpretado por pessoa mais experiente nos ajuda a entendê-lo. Pensei nisso relendo o poema de Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada (que todo mundo conhece, nem que seja vagamente). É exemplo acabado de “escapismo romântico” – forma de evadir-se da realidade desagradável, o que os poetas fazem usando o devaneio, a imaginação. No caso, Bandeira “muda-se” para Pasárgada (um lugar perdido na Pérsia), onde as coisas acontecem de forma contrária ao seu dia a dia cheio de limitações. O poeta era tuberculoso – e esta informação é indispensável para que a gentil leitora entenda o poema.

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No romantismo, um quê de esquizofrenia

Vejam como Bandeira fala de Pasárgada, seu refúgio: “Lá sou amigo do rei/ lá tenho a mulher que eu quero/na cama que escolherei”. Outro mundo, irreal, idealizado, quase uma criação esquizofrênica. Depois de confessar o motivo dessa evasão (“Aqui eu não sou feliz”) o poeta delira ao descrever seu Horizonte perdido: “Lá a existência é uma aventura/ de tal modo inconsequente/ que Joana, a Louca de Espanha,/ rainha e falsa demente,/ vem a ser contraparente/ da nora que nunca tive”. Mais adiante ele fala em fazer ginástica, andar de bicicleta, montar burro brabo, subir em pau de sebo – enfim, as coisas que, pelo padrão da época, eram vedadas aos “doentes do peito”.

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Caymmi também criou uma Pasárgada

Quase 30 anos depois, em 1956, Caymmi empregaria este recurso do escapismo em Maracangalha: “Eu vou pra Maracangalha, eu vou/Eu vou de liforme branco, eu vou/ Eu vou de chapéu de palha, eu vou/ Eu vou convidar Anália, eu vou…” Em Maracangalha, que também existe no triste mundo real (fica em São Sebastião do Passé), o sentido de fugir da vida vivida para a imaginada é o mesmo de Pasárgada: lugar remoto, espaço de tranquilidade e paz, fora do mondo cane em que vivemos. Veja que o poeta aspira à companhia feminina, mas deixa claro que a fuga dele é inegociável: se ela não quiser ir, azar: “Eu vou só sem Anália, mas eu vou”. Faltou dizer que o liforme branco (forma popular de uniforme) significa que o poeta vai em paz.

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A poética e o seu inofensivo fingimento

Será que a gentil leitora e o não menos exigente leitor se preocupam com pasárgadas, maracangalhas, horizontes perdidos ou outros refúgios idealizados? Não há direito a prêmio (não sei qual é a resposta certa), mas atestará seu grau de romantismo. Quem enfrenta a vida numa boa 24 horas por dia e sete dias por semana, sem desesperar-se ou querer fugir para um mundo pessoal, por certo tem um coração valente, mas não romântico. Se o desamparo e a desesperança nos assaltam, não parece de todo ruim equipar de asas a imaginação e ganhar o espaço. Pensando bem, que serventia nos oferece este vasto mundo, se renunciarmos ao sonho e desdenharmos o inofensivo fingimento da poesia?

O.C.

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JORGE AMADO E OS REQUINTES DA ESTUPIDEZ

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
Jorge Amado folheia edição em dinamarquês de Tocaia Grande.

Nas muito justas louvações a Jorge Amado (cujo centenário de nascimento ocorre nesta sexta-feira, 10), detenho-me sobre um documento que se agiganta diante de toda a obra vasta do grande romancista. Trata-se de uma surpreendente “Ata de Incineração” produzida pela Sexta Região Militar em 19 de novembro de 1937 – e publicada pelo jornal Estado da Bahia em 17 de dezembro daquele ano. É de estarrecer, ou como gostaria de dizer a própria vítima, “de espantar”. A notícia da queima de 1.694 livros de Jorge Amado é narrada com detalhes (melhor seria chamá-los de requintes de estupidez), começando por nomear os “senhores membros da comissão de buscas e apreensões de livros” (três trogloditas do Exército, Marinha e Polícia do Estado).

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MONUMENTO À BESTIALIDADE

A ordem de incinerar “os livros apreendidos e julgados como simpatizantes do credo comunista” partiu do Cel. Antônio Fernandes Dantas, comandante da 6ª RM, e incluiu pequena quantidade de outras obras. O integralista José Lins do Rego teve queimados 82 volumes de seus romances Doidinho, Pureza, Banguê, Moleque Ricardo e Menino de Engenho – prova de que as ditaduras distribuem “democraticamente” suas patadas sem olhar a quem. Mas o grande perseguido era, de fato, Jorge Amado, visto pelo sistema como “perigoso agitador”: dos seus livros levados à fogueira, o de menor quantidade (Cacau, 89 exemplares) ultrapassa os cinco de Zé Lins. A bestialidade do Estado Novo seria, com ligeiras adaptações, reeditada pela ditadura militar de 1964.

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O CAVALEIRO DA ESPERANÇA

Jorge Amado não foi só o escritor picaresco, de humor tipicamente brasileiro (em oposição ao humour britânico de Machado de Assis) vulgarizado pela tevê. Foi, sim, um lutador pelo seu povo, defensor da miscigenação, antirracista. Denunciou o trabalho semi-escravo na região cacaueira, defendeu a liberdade de culto e todas as liberdades. Várias vezes preso no Brasil, exilado na Argentina, no Uruguai, em Paris e na Tchecoslováquia, ele manteve a militância também fora de sua terra: em 1950, foi expulso da França, devido à atividade política com Camus, Sartre, Picasso e outros. Em 1941, durante o exílio na Argentina escreveu O cavaleiro da esperança: a vida de Luís Carlos Prestes, pungente defesa do líder comunista preso desde 1936.

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LIVRO CONTRABANDEADO

É um livro notável, pelo conteúdo explosivo (a denúncia candente da tortura, da perseguição aos comunistas, da violação dos direitos humanos no Estado Novo) e pelas circunstâncias especiais que o cercaram: proibido no Brasil, O cavaleiro… (em espanhol) era vendido clandestinamente, às vezes por preços absurdos. Também apareciam cópias datilografadas e em fac-símile, que passavam de mão em mão, sem dono certo. O livro ganhou nomes carinhosos, como Vida de são Luís, Vida do rei Luís e Travessuras de Luisinho. No governo Perón, O cavaleiro… foi proibido também na Argentina e queimados os exemplares encontrados, valorizando ainda mais os que circulavam no Brasil. “Houve quem vivesse do aluguel de exemplares”, contou Jorge Amado.

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O SORRISO AMARELO DA SOCIEDADE

A pena de Jorge Amado nunca esteve a serviço da literatura dita “o sorriso da sociedade” (expressão cunhada por Afrânio Peixoto) e que Graciliano Ramos bem definiu como “uma literatura antipática e insincera que só usa expressões corretas, só se ocupa de coisas agradáveis, não se molha em dias de inverno e por isso ignora que há pessoas que não podem comprar capas de borracha”. É a literatura dos saraus, da poesia tatibitate e bem comportada, que não incomoda. “Foi ela que, em horas de amargura, receitou o sorriso como excelente remédio para a crise”, resume o mestre de Quebrangulo. Jorge Amado trouxe para o romance brasileiro os negros, os pobres, os trabalhadores do cacau, as prostitutas e, avant la lettre, os meninos de rua.

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PREMONIÇÃO SOBRE MENORES INFRATORES

Capitães da areia (808 exemplares queimados), uma premonição sobre os menores infratores de hoje, saiu do prélio em 1937 e logo foi para o fogo. Não valeu esse “sacrifício” do governo: quando veio a anistia, em 1945, Capitães… vendeu feito pão quente, sendo até hoje uma das obras mais lidas do autor. Os demais romances levados à fogueira são Jubiabá (267 exemplares), O país do carnaval (214), Suor (93) e Cacau (89). Jorge Amado retomaria as questões sociais, dentre outros títulos, em Terras do sem fim (1943), São Jorge dos Ilhéus (1944), Os subterrâneos da liberdade (1954) e, principalmente, em Seara vermelha (1946), que, por óbvios motivos, não viraram cinza. Faltou dizer que 223 exemplares de Mar morto também foram queimados.

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SÓFOCLES ESCAPOU DO PAU-DE-ARARA

Mar morto? – perguntaria a atônita leitora; Mar morto? – ecoaria o atônito leitor (desde que cultuem este objeto em extinção chamado livro), e concluiriam que este velho O. C. perdeu de vez o juízo ou bebeu em má fonte. Mar morto, sim, insisto, lembrando-lhes que nas ditaduras a burrice é uma segunda natureza. E afianço ainda que esse mal é contagioso e longevo: em1965, esbirros da ditadura militar (“herdeiros” da fogueira de 1937) invadiram um teatro no Rio de Janeiro, para prender o autor da peça em cartaz, um certo Sófocles, e submetê-lo ao pau-de-arara, choque elétrico nas partes baixas e outros mimos. Pois saibam todos que destas linhas tomarem conhecimento que Sófocles escapou – tinha-se dado ao luxo de morrer há 565 anos.

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JORGE AMADO É MELHOR DO QUE VICTOR HUGO

Faltou dizer que Mar morto, leitura de infância em Buerarema, a história de Lívia e Guma, é um dos mais belos textos de Jorge Amado. Para mim, foi o contato com o que se chamava de “poesia em prosa”: o cotidiano dos trabalhadores do mar em permanente risco, a vida árdua, mas narrada com surpreendente lirismo. Penso que só alguém doente da cabeça ou do pé (talvez dos dois) seria capaz de ver ali obra de ameaça ao regime, livro “simpatizante do credo comunista”. A quem não percebeu a citação, informo que “trabalhadores do mar” é o título de festejado livro de Victor Hugo (traduzido por Machado de Assis), que não chega aos pés de Mar morto.

O lirismo de Jorge Amado chegou também à MPB, numa parceria de Jorge Amado e Dorival Caymmi. 

O.C.

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O centro de convenções de Ilhéus ficou lotado para o show da cantora Nana Caymmi nesta noite de sábado (9). Foram quase duas horas de show em que Nana interpretou sucessos consagrados, a exemplo de Resposta ao tempo, Não se esqueça de mim e Sem poupar coração, fechando o penúltimo dia do Festival do Chocolate da Bahia.
Ela ainda nem havia encerrado o show e ausentou-se do palco, tempo necessário para o público pedir bis. E ela voltou para despedir-se cantando mais duas canções, dentre elas Canção da partida (Minha jangada vai sair pro mar), do pai Dorival Caymmi. Abaixo, ouça Resposta ao tempo.

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JÂNIO QUADROS: DE PRONOMES E MINISTROS

Ousarme Citoaian

Dizia-se, com boa dose de maldade, que o presidente Jânio Quadros era melhor para colocar pronomes do que ministros. O velho JQ, com as qualidades e defeitos inerentes ao ser humano, era professor de português, gramaticista à moda antiga e, em tal condição, sabia bem de pronomes. A famosa frase “Fi-lo porque o quis” (transformada na folclórica “Fi-lo porque qui-lo”, destituída de sentido lógico) dá bom exemplo do rebuscamento com que aquele político tratava a língua portuguesa. Ele jamais diria, nem sob tortura, “Vou procurar-lhe”, mas “Vou procurá-lo” – conforme preceitua a norma culta.

LEMBRANÇA QUE SAI DE CINZAS REVOLVIDAS

Estaria este hebdomático e fatigado colunista com algum tipo de nostalgia janista? Falemos sério: Jânio não faz meu gênero e sua lembrança apenas saiu das cinzas revolvidas com o anúncio do livro Minha Ilhéus, de José Nazal. Diz o texto que a editora deseja “convidar-lhe” para o lançamento – uma construção positivamente infeliz. Alguns verbos (e, na minha memória de ex-aluno do professor Chalupp, convidar encabeça a lista) são inimigos declarados do pronome “lhe”: abraçar, beijar, adorar, procurar, amar, encontrar, ameaçar e desejar estão entre os que não gostam do “lhe”.

LEITORA: NÃO PERMITA QUE ELE “LHE” AME

Recomendamos a eventuais leitoras incautas que, se acaso um sujeito manifestar intenções de amar-lhe, desejar-lhe, adorar-lhe, abraçar-lhe (ou outras agressões freudianas e gramaticais) corra, pois ele é menos inteligente do que romântico. Livre-se do tipo, antes que ele passe a tratá-la com a mesma grosseria com que trata a gramática. Prefira alguém que lhe diga “Eu a adoro”, “Eu a amo”, “Eu a abraço”, “Eu a beijo”, “Eu a amasso” e por aí vai. E em caso de a moça declarar-se ao maluco, a regra é a mesma. Se ela grafar “Eu lhe desejo” (em vez do civilizado “Eu o desejo”) é provável que o romance dê com os burros n´água, mais cedo do que o habitual.

ANÚNCIO DE LIVRO EXIGE LÍNGUA FORMAL

No coloquial do dia-a-dia ninguém liga para o uso correto de pronomes (as exceções eram o citado Jânio Quadros e o jurista Josaphat Marinho). Mas é diferente com a língua padrão, que precisa seguir as normas gramaticais. E não me venha a CLMH (Comunidade dos Linguistas Mal-Humorados) justificar isto como linguagem do povo: o texto referido tem os nomes de um escritor, uma editora e uma academia de letras, portanto, o informal nada tem a ver com isto. O anúncio há de ser vazado em língua culta: “… alegria de convidá-lo” (ou convidá-la, é óbvio). Jamais “convidar-lhe”. Houve transgressão, sem dúvida.

NÃO É POSSÍVEL COMER O QUE É LÍQUIDO

Já acaba o espaço, mas não resisto a outra anedota sobre o ex-presidente, provavelmente inventada, e que o folclore tornou mais poderosa do que a realidade.  Então, vamos a uma das versões circulantes. Admirador das destilarias da Escócia, Jânio Quadros enfrentou o preconceito da sociedade brasileira e a bisbilhotice de um jornalista, que lhe perguntou, acintosamente: Por que o senhor bebe tanto? E JQ, com ar de compaixão diante de tamanha ignorância, foi didático no exercício do seu senso de humor absolutamente britânico: Bebo porque o uísque é líquido; se fosse sólido, comê-lo-ia, com garfo e faca.

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NINGUÉM GOSTA DE PROVOCAR COMPAIXÃO

De repente, me lembro de uma situação recorrente na MPB, abordada por vários autores.  É o tema de “não dar o braço a torcer”, não demonstrar o que o poeta sente de fato, não permitir que seu sofrimento seja partilhado pelos outros. Entre a carência da solidariedade e o desdém (talvez vingança) que essa necessidade provoca, é melhor não arriscar: então, fazemos aquela cara de que está tudo bem, e quem pensava que iria rir do nosso padecer, errou. Ardemos por dentro, é verdade, mas os inimigos não terão o gostinho de saber disso. Eles só nos verão limpos, cheirosos e com um amplo sorriso no rosto. Aqui pra eles!

QUEM É BOM SOFREDOR NÃO DÁ BANDEIRA

Noel Rosa tinha uma “filosofia” que o ajudava com esse problema: “Nesta prontidão sem fim/ Vou fingindo que sou rico/ Pra ninguém zombar de mim” (Filosofia, com André Filho/1933). Pausa para lembrar que “prontidão” é gíria da época: estado de quem está sem dinheiro, pronto, duro, liso. Não quero abusar, apesar do centenário que, como fã (hoje chamam tiete!), continuo nas comemorações, mas isto aqui também é Noel (na caricatura de Luquefar): “Quem é que já sofreu mais do que eu?/ Quem é que já me viu chorar?/ Sofrer foi o prazer que Deus me deu/ Eu sei sofrer sem reclamar” (Eu sei sofrer/1937). A fórmula geral é não dar bandeira.

AS LÁGRIMAS DO POETA NINGUÉM VÊ CAIR

De Zé com Fome e Ataulpho Alves, Orlando Silva cantava: “Pra ninguém zombar,/ Pra ninguém sorrir/ É só no coração que eu sei chorar/ O pranto meu ninguém vê cair” (Meu pranto ninguém vê/1938). A dupla Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga também comparece: “Mas ninguém pode dizer/ Que me viu triste a chorar/ Saudade, o meu remédio é cantar” (Qui nem jiló/1949). Candeia (Pintura sem arte/1978), fala de sua cruel prisão à cadeira de rodas: “Mas se é pra chorar, choro cantando/ Pra ninguém me ver sofrendo/ E dizer que estou pagando” (Alcione, com aquela categoria que o mundo aplaude, regravou este samba em 1981).

AONDE A SAUDADE VAI A DOR VAI ATRÁS

Se alguém pensou que esta conversa desaguaria em Fernando Pessoa (1888-1935), tudo bem.  Aqui vai, com desculpas pela previsibilidade, a primeira quadra de Autopsicografia/1930: “O poeta é um fingidor:/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente”. Claro. Fingir é fugir (ops!) a certos gêneros de padecimentos morais. E, para finalizar, Noel (é o centenário, gente!), com uma saída muito engenhosa em Tenho um novo amor/1932 (com Cartola): “Se acaso algum dia se apagar/ do teu pensamento o meu amor/ para não chorar e não mais penar/ mando embora a saudade/ prá livrar-me da dor”.

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GILBERTO GIL E O SAMBA DA “DESPEDIDA”

Os mais jovens (eventualmente, é uma grande falta de sorte ser jovem) não viram o que significou Aquele abraço, canção que Gilberto Gil fez em 1969, para se despedir do Brasil. Ele e Caetano, depois de presos e com as cabeças raspadas, foram “autorizados” a deixar o País. A música, que virou mania nacional, é rica em símbolos e sugestões: de saída, Gil louva sua aldeia, ao dedicar Aquele abraço “a Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso”, para mais tarde mandar um desaforo à ditadura: “Meu caminho pelo mundo/ Eu mesmo traço/ A Bahia já me deu/ Régua e compasso/ Quem sabe de mim sou eu/Aquele abraço”. Perca-se tudo, mas salve-se a dignidade.

NO FLAMENGO GIL ACHOU RIMA E SOLUÇÃO

Há outras mensagens nem sempre explícitas: Realengo não é mencionado por acaso, mas para debochar do arbítrio – foi no quartel do Exército naquele subúrbio que Gil e Caetano ficaram presos. O Flamengo é outra entrada nada casual, marca da ironia do artista com a chamada nação rubro-negra: o Fluminense havia conquistado o título carioca, ao vencer o Flamengo por 3 x 2, Gil era um dos 171 mil torcedores no Maracanã e viu a tristeza da massa. Com seu “abraço” ele está dizendo aos derrotados que “o importante é competir” (ou “consolo” semelhante). Torcedor do Fluminense, Gil encontrou no Flamengo rima (para Realengo) e solução (para tirar sarro do rival).

CHACRINHA, A ANTÍTESE DO POSITIVISMO

Depois de exaltar o dolce far niente (carnaval, futebol, banda de Ipanema) do Rio de Janeiro, que (apesar de tudo) “continua lindo”, o baiano elege para ícone e ápice da ironia o pernambucano Abelardo Barbosa, Chacrinha. O apresentador, que “continua balançando a pança”, é a outra face do positivismo pregado pela ditadura, a anarquia organizada (“Eu vim para confundir, não para explicar”), o anti-Ordem e Progresso, a bagunça, a geléia geral brasileira. Se a ditadura é a tese, Chacrinha é a antítese – e o menino Gilberto Gil (27 anos na época) é o arauto, exegeta, explicador do processo. As mensagens se sucedem, sempre com a expressão “continua”.

AOS 27 ANOS GILBERTO GIL JÁ LEVITAVA

A vida, mesmo com a violência dos que tomaram o poder à força, segue, escrachada, fora do figurino oficial verde-oliva: além de balançar a pança politicamente incorreta, o Velho Guerreiro (na charge) continua “buzinando a moça” (um duplo sentido de indiscutível bom gosto), “comandando a massa” e “dando as ordens no terreiro” – não importa o que digam, que falem, que pensem ou queiram os usurpadores, o povo parece ter outra regra e compasso. No vídeo raro, feito em 1979, Gilberto Gil em estado de graça, zen, sideral, elevado, celeste, quase levitando, puro, de uma forma que os recursos eletrônicos não mais nos permitem ver (e com um ótimo improviso no final). O eterno Gil.

(O.C.)

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NUM SÓ DIA, DUAS PEDRADAS NOS JORNAIS

Ousarme Citoaian

No mesmo fim de semana, recebo duas pedradas, vindas de veículos diferentes, mas igualados no mesmo desleixo com a linguagem. Um dos principais diários de Itabuna estampa no alto da página: “Gisnática Laboral em alta no setor empresarial”; e o dito mais importante jornal do Nordeste, de Salvador, saiu-se com esta pérola, também num título: “O medo não é só da mulher. Não tem haver com gênero”. Um caso, além dessa incômoda gisnática, tem o agravante da rima (“laboral-empresarial”), o que já condenaria o título. O outro (pela relevância do jornal) é ainda mais grave.

OS ERROS NOS ESPREITAM TODO O TEMPO

Quem conhece, mesmo sem aprofundar-se, a rotina de uma redação sabe que os erros nos espreitam todo o tempo. Mas há erros e erros (até já abordamos aqui os famosos erros de digitação, outrora chamados erros de imprensa). Escrever gisnática (em vez de ginástica) é erro de digitação, ao levar o “s” para um lugar estranho. É acidente de trabalho que precisa ser atendido pelo próprio redator, o editor ou por um profissional em extinção, chamado revisor). Nada justifica (principalmente em letras grandes) que chutes na canela cheguem às bancas e atinjam leitores incautos.

DIFERENÇA ENTRE ACIDENTE E IGNORÂNCIA

Mais difícil ainda é aceitar como “normal” que um redator (muito provavelmente com formação universitária) grafe tem haver em lugar de tem a ver, pois aqui não se trata de simples derrapagem a que todos temos direito, mas de ignorância crassa de princípios elementares de língua portuguesa. Como disse um cínico, “herrar é umano”, mas se a gente usa mais a borracha do que o lápis, é preciso desconfiar. Não entendo que um grande jornal tenha o direito de cometer erros desse nível. Em qualquer boa escola de segundo grau essa construção receberia um zero bem grande e redondo.

A LEI DE LAVOISIER NO TEXTO LITERÁRIO

O crítico Hélio Pólvora compara a literatura a uma olimpíada, afirmando que “na boa literatura a lanterna de Diógenes passa de mão em mão, como tocha olímpica”. O autor de Itinerários do conto acrescenta que as consequências desse caminhar da tocha “são as aparentes imitações, que, na verdade, aproximam temperamentos, sensibilidades, experiências comuns”. Passando de uns para outros, a arte recebe acréscimos que a engrandecem, de sorte que nada é propriamente novo, mas transformado, uma espécie de Lei de Lavoisier. Por mais criativo que pareça o autor (foi assim que entendi), sempre há alguém que o inspirou e motivou.

O TEXTO RESULTA DE TRABALHO COLETIVO

Para Hélio, nada acontece por acaso em literatura, sendo esta uma obra de arte coletiva. “Para cada grande escritor que surge (…) em língua portuguesa, haverá sempre uma geração ou mais de escritores diversos que prepararam alicerces às suas descobertas”, afirmou o crítico em 1985, em palestra na Universidade Federal da Bahia. Por ser a literatura um trabalho “de equipe”, matéria que se transforma ao longo da existência, ao agregar autores diversos, ela cria dificuldades extras para os não iniciados, como eu. É muitas vezes torna-se difícil separar a homenagem e a deslealdade: citação e pastiche, referência e plágio .

A OLAVO BILAC O QUE É DE OLAVO BILAC

Tenho consciência de que a citação possa, diante de leitores menos atentos, soar como apropriação indébita, mesmo assim a uso. Há pouco, empreguei aqui, sem aspas nem nada, a expressão “nasceu pequeninho, como todo mundo nasceu”, uma referência (tomara que) óbvia a Caymmi; também reproduzi, aspeado, o verso “[Em que Camões] chorou no exílio amargo, o gênio sem ventura e o amor sem brilho”, citação intencional clara do soneto “Língua portuguesa”, de Olavo Bilac. Não me apropriei de produção alheia, apenas considerei que os leitores não exigem bula, e precisam ter sua inteligência respeitada. Mas vou tomar mais cuidado.

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE ANTÔNIO OLINTO

O jornalista João Lins de Albuquerque (foto), ex-chefe da Divisão de Língua Portuguesa da Rádio das Nações Unidas (ONU) em Nova York, tem na praça o livro Antônio Olinto – memórias póstumas de um imortal. É uma entrevista com o mineiro Antônio Olyntho Marques da Rocha (Ubá/MG 1919-Rio/RJ 2009), de quem extraiu histórias magníficas. Intelectual dos mais aparelhados que o Brasil produziu, Olinto (vejam que ele “consertou” o pernóstico Olyntho) brilhou em várias atividades, sobretudo a de professor: latim, português, história da literatura, francês, inglês e história da civilização. Seu livro Jornalismo e Literatura foi adotado em diversos cursos de jornalismo..

NOME QUE DISPENSA APRESENTAÇÕES

Antônio Olinto (foto) é uma das melhores justificativas para o lugar-comum “dispensa apresentações”. Como “apresentar” alguém que foi, com invulgar entusiasmo, professor, jornalista, crítico literário, autor de dicionários e de gramática, ensaísta, autor de literatura infantil, acadêmico (ocupou a Cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Letras), contista, romancista, poeta – e ainda encontrou horas vagas para se dedicar às artes plásticas? É melhor não identificá-lo por nenhuma dessas habilidades, pois qualquer delas nos levaria ao pecado da omissão. Chamemo-lo, simplesmente, de Antônio Olinto. Para quem o conhece deve ser suficiente.

MURUCUTUTU, SAFADO, LUPANAR E SAUDADE

Em matéria para O Globo, Olinto perguntou a dez escritores, por telefone, qual era a palavra mais bela da língua portuguesa. Guimarães Rosa escolheu murucututu, segundo ele, uma corujinha amazônica, afirmando que “nenhum país tem uma palavra tão bonita quanto esta, cinco ´us´ numa palavra só”. Jorge Amado (foto), provocador, preferiu safado (de Safo, a poeta grega), mas Roberto Marinho vetou a publicação, o que levou o escritor a escolher outra: lupanar. “Pior ainda!”, lamentou Olinto, pois esta é que não seria publicada mesmo. Ele disse que lupanar é uma palavra bonita, mas que safado era de “um mau gosto atroz”. A vitoriosa no concurso de Globo foi… saudade.

PALAVRAS COM SEDUÇÃO E ENCANTO

Para Antônio Olinto, alegria era a palavra mais bonita da língua portuguesa. Ele conta que, em Londres, viu uma casa em cuja fachada estava escrito: “Alegria”. Sem pensar duas vezes, tocou a campainha, ouvindo de um inglês meio atônito a explicação: “Eu morei no Brasil um bom tempo e achava a palavra alegria tão bonita que, quando voltei, resolvi decorar a entrada da minha casa com ela!”. Eu tenho cá comigo algumas palavras que acho muito bonitas: encanto e sedução, por exemplo. E você, quer entrar no jogo e dizer quais as duas palavras que mais o seduzem ou encantam na língua portuguesa? Parece que cometi um trocadilho…

“FASCINANTE” CANÇÃO QUE VIROU MANIA

Fascinação enraizou-se na MPB a ponto de a gente nem lembrar que ela é francesa. De 1905, a canção só chegou à língua portuguesa em 1943, na versão de Armando Louzada, gravada por Carlos Galhardo. Foi mania nacional, aliás, mundial: teve registros de Dinah Shore, Nat King Cole, Jane Morgan (para o filme Amor na tarde, de 1957), Connie Francis, Dean Martin, Edith Piaf, Pat Boone, Demis Roussous. Entre nós, foi entoada, além de Galhardo, por Nana Caymmi, Agnaldo Rayol, Francisco Petrônio, José Augusto, Agnaldo Timóteo, Jorge Vercillo e até por uma dupla chamada Sandy e Júnior .
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

A GRANDE VOZ DA NOVELA “O CASARÃO”

Em 1976, quando ninguém mais queria saber de Fascinação, a música foi incluída no álbum Falso Brilhante, de Elis Regina, e daquele momento em diante tornou-se um dos temas românticos mais presentes no repertório da cantora – com a luxuosa ajuda das novelas O Casarão/1976 e O profeta/2006, ambas da Globo, de que fazia parte da trilha sonora. Mais tarde, com sua reconhecida criatividade, o SBT também teve Fascinação como tema (e título) de novela, só que na voz de Nana Caymmi. Tem mais: em 2007, com a letra em francês, o tema foi usado em Piaf – um hino ao amor, filme baseado na vida de Edith Piaf.

VERSÃO CORRIGIU FRAQUEZAS LITERÁRIAS

Canção de amor desesperado, bem ao feitio das escolhas de Piaf, a versão brasileira é “leve”, e poeticamente mais consistente, no estilo dos nossos letristas românticos. (curiosidade: nos mais de 30 versos de  Fascination não há esta palavra nem uma vez). As fraquezas literárias saltam logo nos primeiros versos: Je t’ai rencontrée simplement/ Et tu n’as rien fait pour chercher à me plaire (algo como “Eu lhe encontrei simplesmente/ E você nada fez para tentar me agradar”). Louzada corrigiu isto, com o lirismo de “Os sonhos mais lindos sonhei/ De quimeras mil um castelo ergui”. Com (letrista) brasileiro não há quem possa. Clique e veja/ouça.

(O.C.)