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O HUMOR EM NOSSAS PEQUENAS FATALIDADES

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Nada é tão ruim que não possa piorar um pouco – é máxima conhecida dos pessimistas, identificada como uma das leis de Murphy. Este era um militar americano que, chateado com uma experiência frustrada devido ao erro de um técnico, formulou uma lei geral: Se alguma coisa pode dar errado, dará. O corolário dessa lei diz que não só dará errado, mas da pior maneira, no pior momento e de forma que cause o maior dano possível. É fácil localizar uma centena de “Leis de Murphy”, criadas ao sabor da hora, em torno de temas como as pequenas fatalidades diárias, o negativismo, quer dizer, tudo muito engraçado – para quem consegue manter o bom humor em situações críticas.

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A pior fila é sempre a que você escolhe

Posso (re) formular meia dúzia delas: 1) Se você não precisa de um documento, sempre sabe onde ele está, mas se precisar dele, nunca o encontra; 2) O primeiro lugar para se procurar alguma coisa é o último onde se espera encontrá-la; 3) Ninguém na sala ouve o professor, até ele cometer um erro; 4) A fila mais lenta é aquela em que você está (Corolário: se você mudar para a outra, a sua começa a andar e a outra para); 5) Quanto mais velhas as revistas da sala de espera, mais tempo você terá de aguardar pela consulta; 6) Quando eu escrevo sobre algo de que nada sei, todos os especialistas se interessam pela coluna (chamo esta de Lei do Universo Paralelo).

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(Entre parênteses)

Não vejo muito televisão, já tenho dito, e isto não me faz melhor nem pior do que a média das pessoas. E nas poucas vezes que vejo, me assusto. Assusta-me a persistência com que a Globo noticia o próprio umbigo, a lavagem cerebral a que submete a população, ao falar de novelas em quase todos os programas. Ultimamente, assustou-me a importância dada às eleições americanas. Será que tal assunto é assim tão “jornalístico” (a ponto de a emissora deslocar seu principal apresentador para os Estados Unidos) ou é porque somos mesmo colonizados?

NELSON RODRIGUES, A MATA E A FOLHA SECA

Dia desses, ao falar dos “esquecidos” deste ano (as grandes comemorações foram todas para Jorge Amado), citamos Euclides da Cunha e Fernando Leite Mendes, mas omitimos outro escritor ilustre, Nelson Rodrigues. Nascido em 23 de agosto de 1912 (treze dias mais novo do que Jorge), o autor de Vestido de noiva completaria 100 anos em 2012. O centenário passaria em branco, se a Globo não aproveitasse o momento para vender A vida como ela é, uma coisa que se mantém entre o freudianismo de mesa de bar e a mera subliteratura. Avaliar Nelson Rodrigues tendo por metro esta série é como estudar uma floresta a partir da pobreza amostral de uma folha seca trazida pelo vento.

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Uma pena a serviço do ditadura militar

O “subúrbio sórdido” (como diz um personagem de Rubem Fonseca) é forte presença na obra de Nelson: lá na infância do autor estão a vizinha gorda e patusca, as solteironas frustradas, as viúvas tristes e os velórios em casa (chamavam-se então “sentinelas”), talvez responsáveis pela morbidez do autor. Reacionário, fazedor de frases, criador de tipos que passaram ao imaginário das ruas, ele foi romancista, teatrólogo, contista e excepcional cronista, seja de amenidades, seja de futebol. Em 1972, sofreu humilhações do ditador Médici, a quem foi pedir pelo filho, militante do MR-8, preso e torturado. Nelson pusera sua pena a serviço da ditadura e Médici lhe virou as costas: NR Filho só foi solto após sete anos, com a Lei da Anistia.

MADRUGADAS DE UÍSQUE, MÚSICA E ILUSÃO

Ilusão à toa é uma singela declaração de amor dirigida não se sabe a quem, e cujo segredo  Johnny Alf (“née” Alfredo José da Silva) levou para o túmulo. Exímio pianista, Alf atravessou madrugadas de música e uísque com os bonitões da Bossa-Nova (Tom Jobim, Menescal, Bôscoli, Edu Lobo e Carlinhos Lyra, além de Nelson Motta, o adolescente Marcos Valle e outros), sendo o único gay da turma. Paparicado por todos, devido a seu talento de executante, compositor e arranjador, suspeita-se que tenham sido apenas bons amigos – não sei nem de insinuações de que a canção tenha sido feita para algum deles. O grande Johnny Alf era discreto e elegante no envio de seus… “torpedos”.

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“Johnny Alf é tudo”, diz João Gilberto

Em Noites Tropicais, Nelson Motta esteve perto de nos mostrar o segredo: conta que nos encontros musicais promovidos por sua mãe, dona Cecília Motta, Johnny Alf sempre aparecia “acompanhado de um garotão bonito”. Foi a única bandeira sobre a homossexualidade do pianista, que só dá pistas sobre o comportamento amoroso nas letras de suas músicas. Voltando ao músico, JA foi endeusado por um monte de gente: chamado de verdadeiro pai da Bossa-Nova, descendente do bebop negro americano e por aí vai. João Gilberto, chamado a opinar sobre o pianista, fez longa pausa e saiu-se com esta: “Johnny Alf é tudo”. Pensou e disse. No vídeo, Johnny Alf, no Bar Vinícius, Rio, 1994.

(O.C.)

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Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

Exibido em impecável cópia digital (o que é difícil de acontecer e acreditar), Uma Noite em 67 (idem – Brasil, 2010), de Renato Terra e Ricardo Calil, é um filme que se apresenta tão generoso quanto apaixonado pelas imagens do festival que retrata. É um filme que nasce inevitavelmente velho e datado, mas sem a impressão de que isso seja ruim. Por outro lado, a paixão e o respeito que cativam são os mesmos que, aparentemente, assumem o protagonismo ao prejudicar o ritmo e fazer o filme flertar com um mais do mesmo que beira ou atinge a monotonia.

Temos aqui o último dia do festival de 67, que incluiu, entre outros, Chico Buarque, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Sérgio Ricardo e Os Mutantes. São longos períodos sem cortes, músicas executadas e reexibidas na íntegra, com introdução e aplausos/vaias incluídos.
Os depoimentos atuais são, digamos, submissos ao passado. (Bem diferente, por exemplo, de Filhos de João, de Henrique Dantas, documentário sobre os Novos Baianos onde a importância maior é do presente e dos casos e causos contados.) O filme não é o que ele conta, mas o que já foi contado, aqui acrescentado de uma ou outra nuance atual – e projetado em tela grande.
Nesse ponto, a atitude é tão humilde quanto louvável. Não temos, hoje em dia, nem uma televisão com tamanha ousadia, nem plateia tão ensandecida. Pode-se falar, com razão, em público mal educado, mas a falta de educação que existiu em alguns momentos era também símbolo de um caráter crítico e apaixonado daqueles ali presentes.
Os momentos eram outros, vigorava a ditadura, mas também era uma época em que ser um músico sorridente e carismático não significava, necessariamente, ser imbecil.
É verdade, todavia, que o ritmo do filme se perde, até porque é complicado manter a toada quando grandes blocos são entrecortados com depoimentos que vão de poucas frases a divagações grandes – os 85 minutos parecem muito mais.
Ainda assim, um mérito gigantesco de Uma Noite em 67 é exibir uma força descomunal que já teve a música popular (e em escala menor, até a TV) brasileira. Formada por pessoas que, como filmadas, não são mitificadas (até porque não mais precisam, em alguns casos), e se mostram de carne, osso, talento e imperfeições. São, como merecem, respeitadas. Como o passado e o que fizeram, o que o filme mostra com tanta modéstia quanto orgulho.

Visto no Cinema da Ufba – Salvador, agosto de 2010.

Filmes da semana

1. Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto (2007), de Sidney Lumet (DVD) (***1/2)
2. Uma Noite em 67 (2009), de Renato Terra e Ricardo Calil (Cinema da Ufba) (***)
3. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (Cinema da Ufba) (****1/2)
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Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”.

<p style=”text-align: center;”><a href=”http://www.pimentanamuqueca.com.br/wp-content/uploads/70-MM2.jpg”><img title=”70 MM” src=”http://www.pimentanamuqueca.com.br/wp-content/uploads/70-MM2.jpg” alt=”” width=”559″ height=”95″ /></a></p>
<p style=”text-align: center;”><a href=”http://www.pimentanamuqueca.com.br/wp-content/uploads/Final-3.jpg”><img class=”aligncenter size-full wp-image-30092″ title=”Final 3″ src=”http://www.pimentanamuqueca.com.br/wp-content/uploads/Final-3.jpg” alt=”” width=”42″ height=”13″ /></a></p>
<p style=”text-align: center;”>
<p><strong>Leandro Afonso</strong> | <a href=”http://www.ohomemsemnome.blogspot.com”>www.ohomemsemnome.blogspot.com</a></p>
<p><em><img class=”alignright” src=”http://roteiroceara.uol.com.br/wp-content/uploads/2009/09/BLOG2_viajo_porque_preciso_volto_porque_te_amo_cultura.jpg” alt=”” width=”368″ height=”182″ />Viajo porque preciso, volto porque te amo</em> (<em>idem</em> – Brasil, 2009), de Karim Aïnouz (<em>O Céu de Suely</em>, <em>Madame Satã</em>) e Marcelo Gomes (<em>Cinema, Aspirinas e Urubus</em>), é um <em>road-movie </em>experimental (também por isso inevitavelmente irregular) que tem de melhor o que de melhor seus dois diretores podem oferecer – especialmente Aïnouz. É um filme em um meio, o semi-árido nordestino, e sobre sentimentos – carinho, amor, rejeição – já visitados por ambos, mas trata também e principalmente das divagações e aflições do personagem principal.</p>
<p>Faz sentido dizer que a maioria dos planos de <em>Viajo porque preciso…</em> não tem significado concreto ou função narrativa. Do mesmo modo, praticamente tudo aquilo que visa o horizonte e paisagens afins dura mais que o que o plano de fato mostra – mas esses fatos são menos um demérito que uma defesa da contemplação. E ainda que muitas vezes simplesmente não haja o que ser contemplado, faz parte do personagem esse sentir-se parado – a agonia e o tédio do personagem chegam a nos atingir, às vezes, sem eufemismo algum</p>
<p>Em filme que se assume tão ou mais experimental quanto narrativo, temos aí, no entanto, talvez – e paradoxalmente – uma tentativa de evitar uma monotonia que a ideia do filme sugere. Quase tudo não acontece em cena, mas na cabeça do personagem principal, a escrever suas cartas – trata-se de um filme epistolar de mão única. Como, então, filmar isso – algo tão ligado a um diário, algo a princípio tão anti-audiovisual?</p>
<p>Não temos uma resposta, mas uma opção arriscada, na qual os melhores momentos vêm de depoimentos (prostituta falando em vida-lazer, por exemplo), quando percebemos que os dois souberam extrair uma sinceridade tocante que emana daqueles que dirigem. Isso sem falar do personagem como entrevistador/provocador, em situação que nos liga inevitavelmente a ele fazendo o papel de diretor.</p>
<p>Esse caráter experimental, contudo, pode camuflar desnecessários tremeliques de câmera ao mostrar o personagem em meio à sua jornada, uma vez que não dá para chamar de experimental (ou dar qualquer mérito aqui) o que já virou um quase padrão – a câmera na mão nos dias de hoje.</p>
<p>Ainda assim, vale dizer que os altos do filme atingem um nível de sensibilidade que vem, entre outras coisas, justamente dessa abstração da narrativa convencional: da por vezes completa imersão em um mundo acima de tudo sensorial. Torto, talvez fatalmente torto, talvez o mais fraco trabalho de ambos, mas com momentos de coragem e brilhantismo bem-vindos.</p>
<h2><span style=”color: #800000;”>8mm</span></h2>
<p><strong>Paixão do visível</strong></p>
<p style=”text-align: left;”><em><img class=”aligncenter” src=”http://harpymarx.files.wordpress.com/2009/03/sylvia2.jpg” alt=”” width=”480″ height=”270″ />Na Cidade de Sylvia</em> (<em>En La Ciudad de Sylvia</em> – Espanha/ França, 2007) é meu primeiro contato com José Luis Guerín, catalão que teve três de seus longas exibidos no Panorama Internacional Coisa de Cinema. (Alguém sabe falar sobre?)</p>
<p>Guerín se mostra preocupado com a cidade, às vezes mais que com seus dois personagens principais, ou – o que pinta com alguma prioridade – as relações entre personagens diversos e o lugar onde vivem. No entanto, a busca dele (Xavier Lafitte) por ela (Pilar López de Ayala) é interessante a ponto de causar angústia quando algo foge do esperado. Ele desenha e retrata a cidade, é ele o mais afetado e sobre quem é o filme, é ele que não sabemos de fato o que sente, viveu ou viu; mas é ela que magnetiza a tela quando aparece.</p>
<p>Todavia, e felizmente, o filme vai além da contemplação de um sensacional rosto de uma boa atriz. Pode-se entrar em longas discussões e análises sobre memória e imagem, sobre miragem e dúvida; em uma palavra, sobre cinema. E, o que é melhor, através do cinema.</p>
<h2><span style=”color: #800000;”>Filmes da semana<br />
</span></h2>
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<li><strong>Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes (Cine Vivo) (***)</strong></li>
<li><strong>Batalha no Céu (2008), de Carlos Reygadas (sala Walter da Silveira) (***1/2)</strong></li>
<li><strong>O Refúgio (2009), de François Ozon (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (***)</strong></li>
<li><strong>O Profeta (2009), de Jacques Audiard (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (***1/2)</strong></li>
<li>O Demônio das 11 Horas (1965), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (****)</li>
<li>Na Cidade de Sylvia (2007), de José Luis Guerín (DVDRip) (***1/2)</li>
</ol>
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<p><strong>Leandro Afonso</strong> é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”.</p>