Malena com o esposo e equipe do Hospital Maternoinfantil: "serei sempre grata" || Foto Maurício Maron
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Maurício Maron

A experiência vivenciada pela paciente Malena Sampaio, neste final de semana, no Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio, de Ilhéus, em defesa do parto natural, relatada por ela nas redes sociais, viralizou e ganhou até um comentário do governador do estado, Jerônimo Rodrigues.

Internada para o nascimento de Eva, sua primeira filha, Malena comemorou o fato de o bebê ter nascido de parto normal. “Vencemos o sistema cesarista que existe no Brasil e afirmo que essa foi a maior aventura das nossas vidas”, escreveu.

PACIÊNCIA

Foram 15 horas de trabalho de parto, no Centro de Parto Normal (CPN) do Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio. O tempo todo ela esteve acompanhada pelo marido, pela enfermeira obstétrica Flávia, pela auxiliar de enfermagem Maria e doula Andréia.

Eva nasceu com 3 quilos e 380 gramas. “Meu parto foi conduzido lindamente, com todo cuidado, paciência e profissionalismo. Vocês não deixaram eu desistir da ´via normal´ e eu serei para sempre grata”, disse na publicação.

COMEMORAÇÃO

Centenas de pessoas opinaram positivamente sobre a decisão de Malena pelo parto natural e comemoraram o nascimento de Eva. A Fundação Estatal Saúde da Família (FESF SUS) repostou o depoimento e escreveu: “Ficamos emocionados com o relato da mamãe. É como se fosse nosso filho também”. O governador Jerônimo Rodrigues comemorou: “Deus abençoe Eva”.

Primeira maternidade 100% SUS do interior da Bahia, o HMIJS atende aos preceitos do sistema que dá direito à paciente escolher sobre o modelo de parto e tudo o que vai ocorrer nele. “Ela tem que ser a protagonista do próprio parto”, afirma a diretora do Hospital, a enfermeira Domilene Borges.

O papel da equipe, destaca a diretora, é oferecer apoio e respeitar a fisiologia do parto, só interferindo se houver a real necessidade. “Não importa o tipo de parto que vai ser realizado, o que importa é que o nascimento seja sempre humanizado”, assegura.

NÚMERO ALTO DE CESARIANAS

No Brasil, de acordo com levantamento do Ministério da Saúde, apenas 60% dos partos pelo SUS são naturais. Na rede particular esse número não passa de 12%. Desde que foi inaugurado pelo Governo do Estado, em dezembro de 2021, o HMIJS incentiva cada vez mais o parto natural. Palestras são proferidas permanentemente entre as gestantes, mostrando os benefícios do parto natural.

Mas ainda é preciso quebrar um tabu: o de que este modelo de parto é mais doloroso para a gestante. Mesmo assim, os números locais já são bem acima da média nacional. Em 2022, dos 3.040 partos realizados no Hospital Materno-Infantil, 1.735 foram naturais, número que representa 57% dos casos.

Entre janeiro e fevereiro deste ano, dos 509 partos realizados, 301 foram naturais. Para além de uma forma mais saudável tanto para a gestante quanto para o bebê, o parto natural reduz o tempo de permanência do recém-nascido e da puérpera na unidade hospitalar.

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TRABALHAR SERIA CASTIGO VINDO DO ÉDEN

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1Trabalho

Adianto ao respeitável público, sem que ninguém me haja interrogado, que me sinto um sujeito intrinsecamente pobre de imaginação, desses que se divertem trabalhando. Tivesse eu algum apreço pelo exagero e os anglicanismos, me identificaria como workaholic. Dizem que trabalho e diversão não se misturam, que isto é um desvio patológico, com o doente, isto é, o indivíduo usando o labor como refúgio do mundo, forma de estar confortável, protegido, com sentimentos afogados – sei lá, esse papo de psicólogo. Minha intenção não é discutir doenças da cuca, mas especular sobre os motivos de tanta aversão ao trabalho. Círculos religiosos o explicam como castigo para “pecado” de longínquos ancestrais.

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Sentença dúbia: “comer pão com suor”
Com aquela não bem explicada trapalhada no Paraíso (homem chamado Adão, mulher chamada Eva e Cobra anônima), a divindade, que nesta parte do Livro não é muito chegada a perdoar, os condenou, sem direito a apelação: a mulher às dores do parto, a serpente à mudez (para nunca mais dar ideia de jerico à mulher) e o homem ao trabalho. “Vais trabalhar, vagabundo!” – teria pensado o Senhor, mas decidiu dar elegância ao texto, ornou-o com os devidos eufemismos e chegou a “Comerás o teu pão com o suor do teu rosto”. Sentença bonita, mas merecedora de embargo, por ser dúbia: o crente pode ser levado a comer pão embebido em suor. Enfim, esta seria uma das origens da má fama do trabalho.
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Por aqui, trabalho era “coisa de pobre”
3EscravidãoHá explicações mais eruditas: trabalho viria do latim antiquíssimo tripalium, um instrumento de tortura (três paus, formando uma estranha canga no pescoço do infeliz). De tripalium nasceu o verbo tripaliare (pôr no tripalium) e desse meio macabro veio… trabalhar! Portanto, trabalho e tortura têm a mesma origem suspeita. Mais tarde, com a escravidão (não ainda a nossa, mas a greco-romana), solidificou-se a ideia de que pegar no pesado não é negócio pra gente socialmente “bem”. Ao contrário, é atividade imoral, indecente, coisa de pobre, no mínimo. No Brasil, a escravidão manteve esse olhar – e o coronelato do cacau também, para cujos filhos, em geral, trabalhar era desonra.
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OS SAPATOS DE SOFIA DESCERAM A ESCADA

Dentre os contos de Machado de Assis (todos sabem que ele foi um mágico criador de estórias) destaco aqui “Capítulo dos chapéus”, pela habilidade com que o autor emprega certa figura de estilo (seria prosopopeia, metonímia, quem souber que o afirme). Primeiro, ele nos avisa que “os tacões de Sofia desceram a escala, compassadamente” – um toque de mestre: um aprendiz diria que Sofia desceu a escada; para Machado, “os saltos” desceram a escada, e com isso ele deixa claro que surgiu uma Sofia arrumada, produzida. Fala do chapéu, “que lhe dava um ar senhoril”, e arremata: “um diabo de vestido de seda preta, arredondando-lhe as formas do busto, fazia-a ainda mais vistosa”.
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Da rua, chapéus estão de olho na moça
5ChapéusEis Sofia encantadora, “vistosa”, descrita com economia de palavras. Mas o melhor vem quando ele explica que “os chapéus, de senhora ou de homem, abundavam àquela hora na Rua do Ouvidor”. Depois de substituir Sofia por tacões, ele troca homens e mulheres por chapéus. Mariana, a outra personagem do conto, está confusa “naqueles mares” da Ouvidor, com tanta gente, onde “os demônios dos chapéus, femininos ou masculinos, sucediam-se como um caleidoscópio”.  Mais tarde, no dentista, a pobre Mariana, tenta umas três vezes ir à janela, “mas os chapéus eram tantos e tão curiosos, que ela voltava a sentar-se”. Nenhuma frase grosseira, apenas “chapéus” que espreitavam a moça. Isto é Machado de Assis!

SONHOS SOLTOS NO AZUL DA ADOLESCÊNCIA

Valioso recurso de linguagem (“figura”, diz a gramática) é a comparação, de que muito gosto. Raimundo Correa usou-a, ao confrontar as pombas – que levantam voo quando “apenas raia sanguínea e fresca a madrugada”, mas, à tarde, retornam ao pombal – e os sonhos da juventude – que “no azul da adolescência as asas soltam”, mas, ao contrário das pombas, “não voltam mais”. E que a gentil leitora não me surpreenda, dizendo que não conhece As pombas (sem trocadilho infame). Manuel Bandeira se vale do mesmo recurso em poema famoso, que mereceu de Jorge Medauar, poeta uruçuquense (ele preferia água-pretense), curiosa e bela “resposta”.
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Medauar: verso é instrumento de luta

7MedauarEm Desencanto, com postura que sabe a depressão (o que, aliás, lhe é comum), Bandeira escreve na primeira quadra: “Eu faço versos como quem chora/ De desalento… de desencanto…/ Fecha o meu livro, se por agora/ Não tens motivo nenhum de pranto”. Poeta socialista, engajado no processo de transformação, Medauar (foto) “responde” com Esperança: “Eu faço versos como quem luta/ De armas em punho… de armas nas mãos…/ Forma ao meu lado, pois na labuta/ Os companheiros são como irmãos”. Ao último verso de Bandeira (“Eu faço versos como quem morre”), Medauar contrapõe “Eu faço versos como quem vive”. Touché!

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Rio de passagem de menina para mulher

Em O xote da meninas, o pernambucano Zé Dantas (1921-1962), segundo grande letrista de Luiz Gonzaga (o primeiro foi o cearense Humberto Teixeira), compara, liricamente, o mandacaru e o rito de passagem para a adolescência. Quando o cacto floresce, vem a chuva; quando a menina “enjoa da boneca”, desabrocha em moça. Gosto de pensar que Zé Dantas, médico, bebeu no consultório esse conhecimento da psicologia da menina que parece “adoentada”, mas que, de verdade, tem dentro de si o grito da natureza forçando a saída. Se almas sem poesia não percebem quão bonita é a mudança da menina em mulher adulta, não será culpa deste outonal colunista.

(O.C.)