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Muita gente “não vê”. Não basta compartilhar posts de apoio a campanhas nas redes sociais, amigos. É preciso enxergar os Fabrícios, Paulos, Pedros etc que existem pelo mundo afora.

Manuela Berbert || manuelaberbert@yahoo.com.br

Na timeline de todas as redes sociais a pauta do mundo é racismo e fascismo. Questão levantada principalmente nos EUA, após um vídeo viralizar mostrando a prisão de George Floyd. Nele, um policial branco aparece com o joelho sobre o pescoço do homem, que já estava algemado e de bruços no chão. “Não consigo respirar”, dizia, morrendo pouco tempo depois. No Brasil, a vítima-símbolo da vez é João Pedro, 14 anos, inocente, morto dentro de casa durante operação policial no Rio de Janeiro. No último domingo, 31 de maio, manifestações gigantes. “Nós viemos pras ruas porque eles foram nos matar em casa!”, gritava jovem em ato no Rio de Janeiro.

Enquanto isso, em Itabuna, mas ao vivo no youtube, acontecia a Live do Pancada. Não sabe o que isso tem a ver com o tema? Então vou te contar! Fabrício Pancadinha, 31 anos, negro, morador de um dos bairros conhecidos como dos mais violentos da cidade, é cantor e hoje empresário da própria carreira. Para tocar na cidade, quase sempre ele precisa ser também o produtor dos eventos. Mas faz. E toca. E com o dinheiro da própria banda, na medida do possível, ajuda sua gente.

Em maio de 2019, alugou um espaço na praça do próprio bairro e montou um projeto social chamado Alô Comunidade. Nele, jovens e adultos são assistidos com aulas de boxe, dança, capoeira, percussão etc. Quando os apoios somem, o dinheiro dos shows banca o aluguel do espaço, enquanto as demais despesas ficam por conta da união de todos. União essa que também concretou (con-cre-to!!!) ladeiras inacessíveis do bairro. Táxi, Samu e outros serviços básicos agora conseguem passar por ruas que o poder público simplesmente ignorava.

A conta é simples: quem pode um pouco mais, ajuda quem pode menos ou simplesmente não está podendo nada. A Live do Pancada, produzida, idealizada e montada por ele mesmo, em parceria com amigos (muitos do próprio bairro), arrecadou quase 10 toneladas de alimentos para a própria comunidade. Além, claro, de estar visualmente bonita, dando voz e autoestima a milhares de pessoas que se sentem representadas por ele. Mas muita gente “não vê”. Não basta compartilhar posts de apoio a campanhas nas redes sociais, amigos. É preciso enxergar os Fabrícios, Paulos, Pedros etc que existem pelo mundo afora.

Manuela Berbert é publicitária.

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O jornalista Luiz Carlos Prates, que cometia artigos no Diário Catarinense, do grupo RBS, e comentários no Jornal do Almoço, na emissora do mesmo grupo em Santa Catarina, teve seu afastamento anunciado nesta quarta-feira, 12.

Prates tornou-se famoso pela veemente defesa do legado da ditadura militar e pelas críticas à mobilidade social no Brasil. Em novembro, ao comentar os acidentes nas estradas, o jornalista lamentou que hoje “qualquer miserável tem um carro”.

Segundo a RBS, o cidadão vai se dedicar a projetos pessoais.

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ENTRE A EUFORIA E O RANGER DE DENTES

Ousarme Citoaian

Após o previsível resultado das eleições, a mídia regional solidificou-se em dois grandes grupos: o que range os dentes e espuma de ódio e impotência diante da derrota e o que se deixa tomar pelo entusiasmo paroxístico que a vitória sugere.  E os analistas – alguns com cheiros e cores claramente diletantes – se sucedem, a exarar opiniões que, muitas vezes, têm pouco a ver com a verdade e muito compromisso com a paixão. Comunicadores em geral não são isentos, mas precisam buscar a isenção. E a regra é clara: se vai escrever, deixe seu ódio no armário, atenha-se à verdade, tente (ao menos tente!) ser isento.

ESTÁ NO AR A VOZ IRACUNDA DO FASCISMO

Entre os diletantes que os jornais abrigam (e com isso fecham a porta aos profissionais, os que fazem a feira com o resultado do seu trabalho intelectual) recolho esta pérola, do mais puro fascismo demodé: “nossa presidente é ex-presidiária”, afirma, sem corar, uma dessas “analistas”, fazendo concorrer no mesmo ponto a ignorância e a má-fé. A prisão política, em todas as culturas do mundo, é honrosa, diferente dos encarcerados comuns. Não serve à sociedade a mídia que se deixa usar como escoadouro de lamentos e frustrações; melhor faria se se propusesse a ser um locus da discussão qualificada ou, pelo menos, bem intencionada.

SÉRGIO FLEURY E A TORTURA “COLETIVA”

O Brasil tem um triste exemplo de aviltamento dos presos políticos: a regra não escrita do respeito internacional foi aqui claramente rasgada durante a ditadura militar pelo delegado Sérgio Fleury, o braço policial do governo: esse Fleury não só tratava os presos políticos como bandidos comuns, como os supliciava em sessões “coletivas”: o torturado era colocado no centro da sala e, em volta, os demais presos eram forçados a assistir à sessão; se algum deles desviava os olhos ou baixava a cabeça, Fleury “gentilmente” o fazia voltar ao espetáculo. Pessoas assim não eram “presidiárias”, mas vítimas da ditadura.

BERLUSCONI FICARIA EM SEGUNDO LUGAR

A ideia deste comentário era discutir se, à luz da língua portuguesa, dona Dilma Rousseff (foto) é presidente ou presidenta – mas as questões ideológicas tomaram a si as rédeas da redação e o espaço findou-se. Mesmo assim, ainda deixou-se de dizer que nem Berlusconi em seus momentos de maior autenticidade chamaria Dilma de “ex-presidiária”, pois até o velho fascista sabe a diferença entre os dois tipos de prisão. Fazer o quê? Primeiro o mais urgente: a resposta ao neofascismo. Quanto à provocação linguística, ficamos com o débito para a próxima semana.

ABORTO, PAPA, ÓDIO E SEXO DOS ANJOS

Vimos recentemente que a descriminalização do aborto tem muito a ver com o sexo dos anjos, sem querer fazer trocadilho. Ele ocupou importantes espaços da campanha eleitoral, exacerbou ânimos, gerou declarações disparatadas, virou matéria de difamação – até ser recolhido a merecido silêncio. Eis que, nos últimos dias do pleito, o papa resolveu soprar as brasas, por pouco não reavivando as chamas do ódio aparentemente apaziguado. E os dois candidatos usaram, neste caso, a “conveniência” de sempre. Eu esperava um pouco que fosse de defesa do lacaísmo, pois aqui entre nós Igreja e Estado são entidades independentes (na saborosa expressão popular, “cada macaco no seu galho”). Faltou coragem, sobrou hipocrisia.

NA ITÁLIA, O MAL ARRANCADO PELA RAIZ

Hipocrisia é também o que anota o livro Basílicas e capelinhas – um estudo sobre a história, a arquitetura e a arte de 42 igrejas de Salvador (Biaggio Talento e Helenita Hollanda): os antigos guardiões da Igreja de São Francisco, num surto de moralismo, amputaram os órgãos sexuais de anjinhos barrocos e tentaram esconder esse fato colando saiotes de pano nas imagens. Um amigo me conta que no museu  do Palazzo Medici Riccardi (foto), em Florença, todas as estátuas masculinas tinham “o mal arrancado pela raiz”. Ao perguntar a um funcionário da casa os motivos da mutilação, ouviu que aquilo tinha sido obra de uma antiga proprietária muito religiosa. E muito hipócrita, ora pois.

AFINAL, SERIAM OS ANJOS ASSEXUADOS?

Por fim, o sexo dos anjos, questão aqui levantada (ops!). A expressão vem do século XV, quando os turcos tomaram Constantinopla (hoje Istambul). Com os invasores em enorme superioridade (cerca de 11 soldados para cada defensor da cidade), a guerra estava perdida, mas as autoridades cristãs, em vez de se preocuparem com isso, estavam reunidas num concílio que discutia, entre outros temas, o fato de os anjos terem sexo ou não. O imperador Constantino XI, que comandava a frágil resistência, foi morto, ao lado de milhares de cristãos, sendo que o Império Bizantino virou Império Otomano, comandado por Maomé II. E os doutos exegetas não concluíram se os anjos eram ou não assexuados.

TESTEMUNHA OCULAR DO COLONIALISMO

O Repórter Esso foi um noticiário que fez história no rádio e na tevê do Brasil, de sorte que até hoje rastros dele estão por aí. Foi o primeiro informativo radiofônico do País que não se limitava a notícias recortadas dos jornais (processo chamado pejorativamente de Gillette Press), utilizando matérias enviadas por duas agências de notícias sob o controle do governo americano, fundidas em 1958 na United Press International (UPI). O programa era patrocinado por uma multinacional sediada nos Estados Unidos e conhecida aqui como Esso Brasileira de Petróleo. Foi, já se vê, criado para fazer a propaganda da guerra americana direcionada ao povo brasileiro. Mais colonizador, impossível.

PETROBRAS, PRÉ-SAL E A MÍDIA “NERVOSA”

O dito “testemunha ocular da história” era um instrumento de dominação ideológica dos Estados Unidos sobre o Brasil e outros 14 países do continente, onde se fazia ouvir – tido por especialistas em mídia como das mais eficazes armas utilizadas pelo imperialismo estadunidense nas Américas. Bom exemplo dessa ação é a campanha desenvolvida pelo programa nos anos cinquenta, contra a criação da Petrobras. Os mesmos especialistas comparam aquela posição do Repórter Esso com alguns veículos atuais, que se mostram “nervosos” com a anunciada atuação soberana do Estado brasileiro na exploração das novas jazidas de petróleo na camada do pré-sal. Daí se dizer que a história se repete.

HERON DOMINGUES, UMA LENDA DO RÁDIO

O Repórter Esso criou em torno de si uma aura de sentimentalismo, chegando a transformar em lenda do rádio brasileiro o locutor Heron Domingues (foto), talvez o “noticiarista” mais imitado em toda a história do rádio e da tevê no Brasil (outros apresentadores notáveis foram Gontijo Teodoro, Kalil Filho, Luiz Jatobá e Roberto Figueiredo). O programa tinha, de fato, ares de competência jornalística: nova linguagem, textos escritos especialmente para serem lidos, poder de síntese, economia de adjetivos e pontualidade – que permitia ao ouvinte acertar o relógio ao primeiro acorde da vinheta de abertura. Lançado em agosto de 1941 (na Rádio Nacional), o noticioso teve sua última edição em 31 de dezembro de 1968, na Globo.

O DIA EM QUE A EMOÇÃO VENCEU A TÉCNICA

Para os poucos que não conhecem: após o prefixo da Globo, o locutor Guilherme de Souza dá a hora e anuncia a velha fórmula: “Alô, alô, Repórter Esso! Alô!” Ao som das trombetas famosas, entra Roberto Figueiredo com a escalada das notícias, entre elas o AI-5 da ditadura militar. Depois, ele inicia uma retrospectiva dos 27 anos do Repórter Esso, emociona-se e começa a chorar, a ponto de ser substituído pelo locutor Paulo Ribeiro, que, por acaso, estava no estúdio. Roberto, ainda aos prantos, volta e encerra o último Repórter Esso, com desejos de boa-noite e feliz ano novo. Já chorei com várias edições deste vídeo. Esta semana, chorei com a minha. Para ouvir a emoção vencendo a técnica, clique.

(O.C.)