Tempo de leitura: 3 minutos

marivalguedesMarival Guedes | marivalguedes@gmail.com

 

Mas a história não teve final feliz para Chico. Tal qual a lua fez com Joelma, a filha fez com o pai: Silvia Buarque é flamenguista.

 

 

O maior duelo na música brasileira, pelo que já li e assisti, foi entre Noel Rosa e Wilson Batista. Este último fez um samba enaltecendo a malandragem e Noel fez outro se contrapondo.

A disputa continuou e Wilson Batista baixou o nível do debate compondo Frankstein da Vila. Uma alusão ao queixo de Noel que era pra dentro, resultado de problemas durante parto.

Ao ouvir num rádio Noel brincou imitando um monstro. É o que mostra cena do filme O Poeta da Vila.

No total foram quatro composições de cada um. Se destacaram duas, ambas de Noel, Palpite infeliz e Feitiço da Vila. A segunda até hoje é cantada em shows e boas rodas de samba:Quem nasce lá na Vila/Nem sequer vacila/Em abraçar o samba/Que faz dançar os galhos/Do arvoredo e faz a lua/Nascer mais cedo.”

Já Paulinho da Viola foi vítima da irritação de Benito Di Paula quando compôs Argumento:

“Tá legal eu aceito o argumento/Mas não me altere o samba tanto assim/Olha que a rapaziada tá sentindo a falta/De um cavaco, um pandeiro ou de um tamborim.”

Benito, que cantava samba tocando piano, respondeu com deselegância ao gentil intelectual com a composição Não me importa nada.

“(…) Você está perdido, se perdeu no tempo
Da cabeça aos pés, tá cheio de vento
Faça alguma coisa, deixa a gente em paz
Olha o campo verde, é todo seu, rapaz! (…)”

Depois de algum tempo, Paulinho da Viola surpreendeu ao afirmar que Argumento não foi feita pra Benito e sequer sabia desta história. Em entrevista ao jornal O Samba, ele conta:

“Essa história estava rolando, mas eu não sabia. Até que um dia fui a um programa de televisão, ao vivo, na Bahia, e o apresentador me fez esta pergunta. Eu fiquei assustado. Ele até me mostrou a letra da música que o Benito fez em resposta. Eu disse que não existia essa história, que era mentira”.

Misturando música e futebol, Ciro Monteiro (o sambista da caixa de fósforos) e Chico Buarque protagonizaram boas histórias. O primeiro, flamenguista roxo; e o segundo, apaixonado pelo Fluminense.

Chico havia prometido uma composição para o sambista. Quando nasceu Silvia Buarque, filha dele e Marieta Severo, Ciro mandou uma camisa do Flamengo para a bebê.

Chico aproveitou e pagou o débito compondo Ilmo Sr. Ciro Monteiro ou Receita Para Virar Casaca De Neném. Com criatividade e bom humor, agradece o “presente de grego” e utilizando duplo sentido, diz que pintou a camisa e “nasceu desse jeito uma outra tricolor”.

Amigo Ciro
Muito te admiro
O meu chapéu te tiro
Muito humildemente
Minha petiz
Agradece a camisa
Que lhe deste à guisa
De gentil presente
Mas caro nego
Um pano rubro-negro
É presente de grego
Não de um bom irmão
Nós separados
Nas arquibancadas
Temos sido tão chegados
Na desolação

Amigo velho
Amei o teu conselho
Amei o teu vermelho
Que é de tanto ardor
Mas quis o verde
Que te quero verde
É bom pra quem vai ter
De ser bom sofredor
Pintei de branco o teu preto
Ficando completo
O jogo da cor
Virei-lhe o listrado do peito
E nasceu desse jeito
Uma outra tricolor

Mas a história não teve final feliz para Chico. Tal qual a lua fez com Joelma, a filha fez com o pai: Silvia Buarque é flamenguista.

Marival Guedes é jornalista e escreve crônicas aos domingos no Pimenta.