Jipe caracterizado na estrada e na porta de uma oficina || Fotomontagem
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O diagnóstico dos médicos declarou falência dos órgãos, mas em qualquer oficina mecânica em que buscasse uma reforma mais robusta, por certo diriam que bateu o motor, encavalou a caixa de marcha, estourou o diferencial e sofreu um curto circuito na instalação elétrica: deu PT, a famosa perda total.

 

Walmir Rosário

Em todas as cidades, não importa o tamanho, existem figuras de destaque na sociedade. É verdade que algumas delas são vista de forma jocosa, em função de alguma deficiência física ou mental. Mesmo hoje, com o império do politicamente correto, essas pessoas ainda são motivos de risos, gozações, muitas das vezes respondendo com palavrões os chistes a eles dirigidos, muitas das vezes atirando pedras, paus, o que tiver às mãos.

No meu tempo de menino – e já vão muitos anos – Itabuna convivia com seus personagens, muitos deles tinham as ruas como residência e em locais fixos, em baixo de marquises seguras ou local melhor para mendigarem. Outros, vinham diariamente de cidades próximas, e outro grupo residiam com seus familiares, mas ganhavam as ruas e também eram motivos de gozações.

Um deles era o Jipe, com certidão de nascimento e batizado com o nome de Afrânio Batista Queiroz, que se caracterizava de Jeep Willys. Sim, isso mesmo, e com o que tinha de melhor entre os acessórios para equipar esses veículos, que eram os mais vendidos por ter estrutura para enfrentar as piores estradas. E revestido intelectualmente por dentro, e acessoriamente por fora de jeep, percorria ruas e estradas de Itabuna e região.

Na cidade em que estivesse Jipe visitava os pontos de táxis, geralmente aqueles carrões americanos das marcas Hudson, Ford, Chevrolet, Desoto, Oldmosbile, Rurais e Jeeps, estes em grande maioria. Conversava pouco e ouvia muito. Era observador por natureza, por ser circunspeto, calado, até. Ninguém sabia o que ele realmente pensava e qual a comparação que faria entre um verdadeiro jeep e o que pensava ser, pois não externava. Um simples sonho ou uma incorporada realidade…

Pelo que sempre contavam, ainda adolescente Afrânio teria pedido ao pai – um alfaiate – um jeep de presente, promessa nunca cumprida, o que teria mexido com sua cabeça, o deixando abilolado, como diziam. E como um jeep de verdade, o Jipe itabunense portava uma lanterna representando os faróis dianteiros, uma antena bem alta para que seu imaginário rádio não falhasse na viagem, um caixote pouco acima de suas nádegas, exatamente como o porta-malas de um jeep e uma lanterna traseira com lente vermelha e que acendia quando “freava”.

Com as mãos empunhava um espelho retrovisor, a antena, um pequeno equipamento pisca-pisca para sinalizar a mudança de direção, além de uma flanela na qual limpava o suor do rosto e os equipamentos. E o conhecido Jipe obedecida cegamente a legislação do trânsito, parando nos sinais quando vermelho e dava partida assim que a luz verde era acesa. Jamais infringia o Código de Trânsito, mesmo sem ter estudado.

Por onde passava chamava a atenção, tanto por sua indumentária e acessórios, quanto pela seriedade que se comportava. Se era cumprimentado respondia ao cumprimento com uma buzinada e seguia em frente. Pouco se importava quando a criançada – e até alguns adultos gaiatos – gozavam com sua cara. Caso continuassem com os chistes, aí sim, partia pra cima com vigor, apesar de sua pequena estatura.

Sempre me encontrava com Jipe pelas ruas, ou na grande concessionária da Willys Overland do Brasil em Itabuna, a empresa J. S. Pinheiro e Irmãos. Ali ele se sentia à vontade no meio dos veículos expostos à venda e na oficina, onde conversava com os mecânicos, todos seus amigos. Frequentemente se sentava à frente de um dos sócios, Tote Pinheiro, ouvia atentamente a conversa com os compradores, embora jamais se intrometesse. Apenas observava atentamente.

A cada semana Jipe visitava uma das cidades circunvizinhas de Itabuna, a exemplo de Buerarema e Itajuípe (20 km) e Ilhéus (30 km). Nessas viagens contava com a colaboração dos donos de bares e restaurantes, que lhe forneciam alimentação gratuita (água para o radiador, gasolina e troca de óleo, dizia). Dizem que já foi até Jequié para viajar na Rio-Bahia (BR-116). Nas estradas asfaltadas circulava pelo acostamento, sem descuidar do retrovisor e da sinalização com o pisca-pisca. O certo é que nunca sofreu ou causou um acidente.

Nascido em 1918, aos 65 anos de idade, após muitos problemas de saúde, passou a morar no Abrigo São Francisco, onde ficou até 31 de março de 2010, quando foi a óbito aos 92 anos de vida. O diagnóstico dos médicos declarou falência dos órgãos, mas em qualquer oficina mecânica em que buscasse uma reforma mais robusta, por certo diriam que bateu o motor, encavalou a caixa de marcha, estourou o diferencial e sofreu um curto circuito na instalação elétrica: deu PT, a famosa perda total.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado, além de autor de livros como Os grandes craques que vi jogar: Nos estádios e campos de Itabuna e Canavieiras, disponível na Amazon.

Presença de veículo atende a pedido de Oduque || Fotos Diário Bahia e Silas Silva
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O corpo do ex-prefeito de Itabuna e empresário José Oduque Teixeira foi sepultado no início da tarde hoje (30), no Cemitério Campo Santo, em Itabuna. Ele faleceu ontem (29), na sua casa, no Góes Calmon, aos 100 anos (veja mais aqui). O veículo de estimação do ex-prefeito, um jipe azul, foi levado ao Cemitério.

Sepultamento de José Oduque, em Itabuna || Foto Silas Silva

Oduque havia manifestado o desejo de que o velho companheiro de estrada estivesse presente na sua despedida. Não deu para levar o jipe até a lápide, como o ex-prefeito queria, mas ele foi estacionado perto.

Junto a familiares, amigos e admiradores, membros da Loja Maçônica Areópago itabunense renderam a última homenagem a Oduque. Nas imagens de Silas Silva, confira pequeno trecho da cerimônia.

Afrânio Queiroz, Jipe (Foto R2cpress).
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Ele se chamava Afrânio Batista de Queiroz, mas ninguém o conhecia por esse nome. Sua história, porém, é conhecida por todos em Itabuna, assim como o apelido que carregou por toda a vida: “Jipe”.

Conta a história – ou lenda – que Afrânio enlouqueceu depois que seu pai lhe prometeu um jipe e não cumpriu a promessa. Depois disso, ele passou a correr por toda a cidade e até pelas estradas, emplacado e buzinando como se fosse o próprio veículo. Seus olhos eram faróis e os pés eram pneus.

Há muitos anos, Jipe estava “na garagem”, ou melhor, recolhido ao Abrigo São Francisco de Assis, em Itabuna. Há 15 dias, foi internado no Hospital de Base, onde faleceu (ele preferiria “bateu o motor”) nesta manhã de quarta-feira, aos 92 anos. Era um modelo 1918.

O corpo de Jipe está sendo velado no abrigo e o sepultamento vai ocorrer à tarde.