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Marival Guedes || marivalguedes@yahoo.com.br

 

 

João Gilberto, principal nome da Bossa Nova, levou esta nova batida e jeito de cantar para o Brasil e vários outros países influenciando decisivamente uma geração de grandes nomes da MPB. Um mestre que deixou um imenso legado.

 

 

Escrevi este texto há cerca de dois meses para o programa Multicultura da rádio Educadora onde fui premiado ao responder uma questão sobre a Bossa Nova. Dentre os brindes, o livro Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova (Ruy Castro).

O livro contribuiu para eu entender melhor João Gilberto, incluindo seus atrasos e “desligamentos”. Desde criança é avoado: esquecia livros, cadernos, canetas e até as sandálias.

Um dia a mãe lhe deu um par de sapatos e o advertiu para ter cuidado. Na rua foi convidado a jogar bola e enterrou os sapatos com medo de perdê-los. No final do jogo não lembrou o local e voltou pra casa descalço.

Quando estava em Porto Alegre decidiu ir à Diamantina (MG) visitar a irmã Dadainha e o cunhado Péricles. Ao chegar, notou que não havia levado o endereço e saiu perguntando onde morava o casal. Ficou impossível. João desembarcou na cidade errada, em Lavras, a quatrocentos quilômetros do seu destino.

Episódio também interessante ocorreu quando já fazia sucesso: depois de um show em Belo Horizonte um músico cego foi visitá-lo no hotel e elogiou o som do violão. João lhe ofereceu o instrumento de presente. O músico recusou, mas João insistiu: “faço questão. Leve como lembrança”.

Detalhe: o violão não era dele e o dono, seu amigo Pacífico Mascarenhas, responsável pela contratação do show, assistia incrédulo àquela cena. Mas não interferiu.

Na juventude em Juazeiro, introspectivo dentro de casa, só queria tocar e cantar. O pai avaliou que Joãozinho estava “ficando tantã” e um primo-irmão o levou para uma consulta no Hospital das Clínicas, em Salvador, setor psiquiátrico.

Da janela do hospital João, contemplando a paisagem, falou:

“Olha o vento descabelando as árvores”.

Uma psicóloga comentou: “Mas árvores não têm cabelo, João”.

Ouviu a tréplica genial: “E há pessoas que não têm poesia”.

João Gilberto, principal nome da Bossa Nova, levou esta nova batida e jeito de cantar para o Brasil e vários outros países influenciando decisivamente uma geração de grandes nomes da MPB. Um mestre que deixou um imenso legado.

Marival Guedes é jornalista.

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Baiano João Gilberto morre aos 88 anos
João Gilberto morreu neste sábado (6) aos 88 anos. O músico, um dos criadores da bossa nova, morava no Rio de Janeiro. A informação foi confirmada ao G1 pelo seu filho, João Marcelo Gilberto, que mora nos Estados Unidos.

João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, cantor e violonista baiano, concluiu em 1961 a trilogia de álbuns fundamentais que apresentaram a Bossa Nova ao mundo, foram eles “Chega de saudade” (1959), “O amor, o sorriso e a flor” (1960) e “João Gilberto” de 1961.

O artista não parou com suas criações e seguiu com shows e discos que se tornaram obras de arte, como é o caso de “Amoroso”, álbum gravado nos Estados Unidos entre 1976 e 1977 sob o selo Warner Music.

O disco foi relançado no Brasil em formato longo no ano passado, durante os festejos dos 60 anos da Bossa Nova. O álbum celebra o encontro harmonioso do artista brasileiro com o maestro alemão Claus Ogerman (1930 – 2016).

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professor júlio c gomesJulio Cezar de Oliveira Gomes | advjuliogomes@ig.com.br

Há um Brasil que chora, cotidianamente, por um dilúvio de sangue que jorra das capitais e do interior deste país.

Para uns, golpe. Para outros, revolução. O fato é que há cinquenta anos um movimento militar arrancou o presidente João Goulart do Palácio do Planalto e impôs àquele Brasil um governo composto por uma estranha junta militar.
O resto da história, já se sabe. O regime de exceção se impôs pela força das armas e da máquina governamental por vinte e cinco longos anos, até que sob a pressão da imensa maioria dos brasileiros pelo fim da Ditadura, foi eleito, de forma indireta, um presidente civil, em 1985; e depois promulgada a Constituição de 1988, pondo fim ao Período Militar.
Entretanto, o que há de novo neste aniversário de 31 de março de 1964 não é a comemoração dos militares, que sempre a fizeram, de forma mais ou menos ostensiva, mas um clamor pela volta dos militares ao poder, que ecoou fortemente por todos os meios de comunicação.
Causa estranheza que em um Brasil muito mais desenvolvido economicamente, muito mais escolarizado e com chances de ascensão social infinitamente maior do que as que existiam na década de 1960, 70 e 80, este clamor tenha sido ouvido. Mas foi.
Penso mesmo que, se o povo não aderiu ao apelo do retorno à Ditadura, foi justamente por esta compreensão de que a vida melhorou, e muito.
Porém, o mesmo povo que se recusou a aderir à Marcha da Família também se recusa a defender o regime democrático, em uma clara demonstração de desprestígio da democracia junto àqueles que mais deveriam defendê-la: o povo.
Observo, especialmente, que o discurso de que a Ditadura assassinou cruelmente seus opositores – e assassinou de fato – não comove mais às pessoas. Por que será?
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PESADELO: OS BÁRBAROS ESTÃO CHEGANDO?

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1La FontaineTive um sonho (melhor: pesadelo) em que os Estados Unidos se preparavam para invadir o Brasil. Um amigo, a quem consultei sobre a estranha premonição, analisou o quadro e me diagnosticou com uma só palavra, pronunciada entre dentes e com olhar de pena: “Paranoia”. Sem me dar por vencido, argumento que eles consideram os três últimos governos brasileiros (Lula-Lula-Dilma) como “anti-americanos”; digo que aqueles gringos se acham os xerifes do mundo, com direito a invadir qualquer espaço, em nome da “democracia” ou mesmo em nome de coisa nenhuma. Lembram da fábula “O lobo e o cordeiro”, de La Fontaine? O lobo buscava razões para comer o cordeiro…

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Sob as justificativas de fome e força

Não encontrou motivos, mas o borrego foi almoçado assim mesmo, sob as suficientes justificativas de fome e força. Os americanos queriam invadir o Iraque, criaram o manto (ou o mito) das armas químicas e lá foram. Não encontraram tais armas, mas quem estava interessado nisso? Meu amigo me aconselha a abandonar a ficção e cair na real: “Tá certo que os americanos não são flores que se cheire, mas eles têm maiores preocupações do que o Brasil, pois vão invadir o Irã”. Não desisto. Eles já invadiram Cuba (bem menos importante do que o Brasil) e aqui, em 1964, derrubaram um presidente eleito e treinaram torturadores para o regime militar. E depois do Irã?

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Ele queria dobrar Lula e não conseguiu

Noto que, com essas lembranças, ele se mostra de semblante ensombrado. Aproveito o ferro quente, e malho, com esta pergunta: Qual foi o primeiro país latino-americano que Obama visitou? E ele responde, orgulhosão: “Brasil!” Pois é, digo, à  moda de Ataulpho Alves. Ele queria dobrar Lula e não conseguiu; depois, quis dobrar Dilma (quem é ele, tão fraquinho, pra enfrentar Dilmona!), não conseguiu… Quis dar uma de araponga, se ferrou, pois a velha Dilma descobriu a safadeza e até cancelou a visita… “Nada disso tem peso diplomático…”, disse ele, pouco convicto. Aí, fui-lhe à garganta: E o petróleo do pré-sal? Ele pôs as mãos na cabeça: “Meu Deus!”

ENTRE PARÊNTESES, OU

4convite2Literatura regional em tempo de festa
A Editus, editora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) promove de 21 a 24 deste mês a I Feira Universitária do Livro, uma espécie de festa da literatura regional. Nomes como Aleílton Fonseca, Ruy Póvoas, Cyro de Mattos e Antônio Lopes terão o lançamento coletivo de escritos seus publicados pela Editus.  Aleílton e Ruy, além de autografarem suas produções recentes, terão um “papo literário” com a plateia, quando discorrerão sobre o tema “Novas leituras, novos leitores” – isto tudo no dia 21, às 19 horas, no Auditório Paulo Souto.  No dia 23, teremos Daniela Galdino, Aquilino Paiva e Gustavo Felicíssimo discutindo a literatura grapiúna de hoje (sala de treinamento da CDRH às 9 horas).

“O MUNDO EVOLUIU. É UMA PENA DANADA”

5PattonO general Patton, saudosista incorrigível (interpretação magistral de George C. Scott), diz a Dick, seu ajudante de ordens, que gostaria de decidir, pessoalmente, a II Guerra: “Rommel no tanque dele, eu no meu. Pararíamos a uns 20 passos, apertaríamos as mãos, depois combateríamos, só nós dois. O combate decidiria a guerra”. Responde o subordinado: “É uma pena que os duelos tenham saído de moda. É como sua poesia, general, não faz parte do século XX”. E o general, com ar tristonho: “Tem razão, Dick. O mundo evoluiu. É uma pena danada”. As frases estão no magnífico Patton – rebelde ou herói?, de Frank J. Schaffner.
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Sem bom texto, não existe bom cinema

A publicitária carioca Mariza Gualano, fã de cinema, selecionou cerca de 840 frases de mais de 600 filmes, para o livro Ouvir estrelas. Aqui, aproveitando o tema, algumas frases sobre guerra: “Acusar um homem de assassinato por aqui é como multar alguém por excesso de velocidade na Formula Indy” (Martin Sheen, em Apocalipse); “Eu não sirvo para a guerra, pois dormi com a luz acesa até os 30 anos” (Wood Allen, em A última noite de Boris Grushenko); “Sobreviver é a única glória da guerra” (David Carradine, em Agonia e glória); “Eu gosto do cheiro de napalm de manhã. Cheiro de… vitória” (Robert Duvall, em Apocalipse).

A BOA MÚSICA BRASILEIRA “IMPORTADA”

7Leny AndradeA baiana Rosa Passos é um desses acontecimentos comuns à MPB: cantora que, a exemplo de Virgínia Rodrigues, Bebel Gilberto e Leny Andrade (foto), para citar apenas três) é mais conhecida no exterior do que no Brasil (observe-se que Leny Andrade é a cara da simpática professora itabunense Ritinha Dantas!). CDs dessas artistas são pouco encontrados nas lojas, dando a eles características de “importados”. Voltemos a Rosa, para dizer que ela é fã ardorosa de João Gilberto, segue-lhe os passos (ai!), toca violão ao estilo dele. Chegou a gravar um disco chamado Amorosa, que repete o Amoroso de JG, acrescido de umas poucas faixas. Mas Rosa Passos não pretende ser nenhum “João Gilberto de saias”.
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Presença de duas feras  internacionais

A expressão desrespeitosa foi empregada por um repórter, que ouviu o que não queria. Rosa Passos é Rosa Passos, cantora e compositora de recursos próprios – e diz do seu ídolo aquilo que muitos colegas seus sentem, mas nem sempre expressam claramente: “João Gilberto amigo/ eu só queria/ lhe agradecer pela lição”, canta a artista, em “Essa é pro João”, faixa nove do CD “importado” Amorosa. Prova do prestígio de Rosa Passos “lá fora” é a presença nesse disco de duas feras internacionais: o clarinetista cubano Paquito D´Rivera e um grande nome do jazz na França (falecido em 2008, aos 90 anos), Henri Salvador.

O.C.

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UM AMOR COM CHORO, GRITOS E CLAMORES

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1Ilhéus

De ótimo texto sobre Ilhéus, assinado por Gerson Marques (“Oração para a bela e triste senhora do atlântico”, aqui no Pimenta na Muqueca), esta coluna reproduz um trecho: “Não existe uma só Ilhéus, existe uma Ilhéus dentro de cada um que a ama, que a conhece, que em suas fontes bebe, que em suas curvas se perde. Assim sendo, não se ama essa terra de uma única forma, ama-se por vezes chorando, clamando e gritando, ama-se na contradição, na expressão do verbo, no suor do trabalho, na tristeza do filho perdido, na dor dos sonhos fruídos, na ausência de carinho, mas também na paixão infinita”. Tem mais, a seguir.

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Restam as ruínas do passado glorioso

“Aqui, parece se odiar para amar, vê-se em seus filhos eleitos a ausência completa de amor por ti, vê-se no lixo jogado à rua, na insanidade dos mangues invadidos, nas obras tortas de mau gosto que triunfam sobre suas ruínas de passado glorioso, no desprezo das autoridades à decência de seu povo, na usura pútrida de quem imagina enganar as massas com sorrisos vazios e promessas furtivas, vê-se em verdade uma completa falta de respeito por sua feminilidade atlântica, sua essência de deusa, seu esplendor de musa, suas curvas de rainha.” Um momento feliz, uma saudação merecida a esta terra-mãe da região cacaueira, um grito contra filhos que a desmerecem.

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DE CHEIROS, SABORES E MEMÓRIAS ANTIGAS

3CheiroÀ sombra dos laranjais, último romance de Marcos Santarrita (1941-2011), ainda inédito, teve como título provisório Cheiro bom de mulher, o que me remeteu, já não digo a uma pesquisa, mas a rápida reflexão sobre o tema. Se existe um cheiro típico de mulher, e que importância tem esse cheiro foram as motivações deste “pesquisador”. Não, não saí por aí a farejar louras, morenas, negras e ruivas (quem me dera!), mas me vali de observações de terceiros e da minha própria memória olfativa (ai, meu Deus!), que está mais viva do que imaginava minha vã e pessimista filosofia.
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Mulher possui cheiro “indescritível”
Concluí que mulher possui cheiro exclusivo, capaz de ser percebido mesmo que estejamos de olhos fechados. E é tão único quanto uma impressão digital: Ana cheira diferente de Maria, que não exala o mesmo perfume de Francisca, enquanto esta tem pouco a ver com Madalena… mas todas cheiram tão bem, graças a Deus! Cheiro de mulher não se descreve. Talvez seja uma mistura de perfume propriamente dito com sabonete, creme para a pele, xampu, esmalte de unha, batom e demais ingredientes que vocês imaginem. Digo que a parte feminina mais cheirosa é o pescoço, e provo lembrando quanto pescoço vejo cheirado em público.
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5Salto altoCheiro bom montado em sapato Luiz XV

Alguém um pouquinho mais desocupado do que eu procurou saber o que nas mulheres mais atrai os homens (a pesquisa não permitia palavrões) e encontrou o cheiro na ponta da tabela. Houve respostas que tangenciaram a tara e adentraram o fetiche: existe nego vidrado em biquíni, uns se sentem atraídos por mulher burrinha, outros preferem o tipo “cabeça”, houve um cara que destacou “a capacidade de chorar”, outro se disse “fissurado em mulher que sabe… ouvir!” e por aí vai. Transportando-me para a pesquisa (nunca me ouvem nessas entrevistas!) eu apontaria nas mulheres não um atrativo, mas dois: cheiro bom e sapato alto.

 

ENTRE PARÊNTESES, OU…

Entre a moralidade e a esperteza
Aviões da FAB cruzam os céus, no afã de transportar autoridades em dolce far niente. E o presidente do STF, Joaquim Barbosa, equipara-se a Renan Calheiros e outros useiros e vezeiros em espertezas: viajou ao Rio, com dinheiro do Tribunal, para assistir ao jogo Brasil x Inglaterra. “Joaquim Barbosa?” – perguntaria a gentil e desinformada leitora. Ele mesmo, aquele que analistas apressados elevaram ao panteão dos heróis nacionais. À mente me vem uma reflexão do humorista Stanislaw Ponte Preta, cinquentenária, mas atual como se fosse nascida ontem: “Ou restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos.” Até tu, Quincas?

SOM DE IPANEMA QUE CONQUISTOU O MUNDO

7Tom Getz Gilberto
Garota de Ipanema é canção clássica da MPB, eternizada no disco fundamental, já comentado aqui, Getz/Gilberto, fruto da implicância de João Gilberto (na foto, com Tom Jobim e Stan Getz), em 1964. É um dos temas mais gravados do mundo, tendo registros de Pery Ribeiro (o primeiro, em 1962), Astrud Gilberto (no LP referido), Frank Sinatra, Cher, João Gilberto, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Amy Winehouse, Roberto Carlos, Gal Costa, Madonna, Toquinho e outros. Até uma certa Xuxa se permitiu um atentado contra esse texto sagrado – numa novela (da Globo, é óbvio). Dizem ser a segunda gravação mais tocada do mundo, vencida somente por Yesterday, dos Beatles.
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Tom Jobim, no auge da fama, em 1967
É pouco divulgado que Vinícius titulou a canção como Menina que passa, cuja letra pouco inspirada falava de um sujeito que “vinha cansado de tudo/ de tantos caminhos/ tão sem poesia/ tão sem passarinhos…” , para descambar nesta quadra: “Eu vi a menina/ que vinha num passo/ cheio de balanço/ caminho do mar”. Tom e Vinícius não gostaram desse resultado e, mais tarde, ao ver passar o balanço de Helô Pinheiro, o poetinha fez a letra definitiva. O vídeo mostra Tom no auge da fama, ao gravar o disco Francis Albert Sinatra e Antônio Carlos Jobim, em 1967. Uma curiosidade é Tom ao violão, quando o público se habituou a vê-lo ao piano ou à flauta transversal.

(O.C.)

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A VANTAGEM EM COMPRAR DISTANTE DA LOJA

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
1VendedorNão sou bom com vendedores de livrarias e casas de discos. Muitos deles lá estão sem nenhum treinamento prévio, nada entendem de técnicas de vendas, não conhecem o produto com que trabalham. Em tempos imemoriais, eu resolvia este problema comprando pelo reembolso postal (os avós do amável leitor sabem do que estou falando). Depois veio a internet e me transformei num habitual comprador em lojas online.  Nunca tive problemas sérios (recentemente adquiri uma coleção de 25 CDs da Folha de S. Paulo e faltaram duas unidades: reclamei e foram repostas rapidamente). Pela internet não tenho de lidar com vendedores ignorantes e mal-humorados.

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O  jazz tratado como caso de polícia

“O livro de Billie Holiday (Lady sings the blues, da Brasiliense), lançado nos EUA em 1956, teve sua versão brasileira entre os mais vendidos de 1985, provando que o jazz é viável como negócio de livraria. Para os jazzófilos de qualquer idade, esta leitura é apaixonante e única. Afinal, a bibliografia por aqui é raríssima, discografia não existe e a ignorância dos que se dedicam ao negócio é, simplesmente, assombrosa: dia desses, mencionei a palavra jazz numa casa de discos de Itabuna, a mocinha ficou corada do dedão do pé à raiz dos cabelos e ameaçou chamar a polícia…” (Antônio Lopes – Buerarema falando para o mundo/1999).
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ENTRE PARÊNTESES

3Abel PereiraChova ou faça sol, haja frio enregelante ou calor de derreter o asfalto, qualquer tempo é tempo para se falar (bem) de Abel Pereira. Nesta lembrança, eu, que não sou poeta (“O que sou eu, afinal?” – a interrogação aflitiva ecoa dentro de mim), brinquei de fazer haicai. Nada sério, só saudade daquele bom e simples Abel Pereira que, já com mais de 90 anos quando o conheci, não me permitiu chamá-lo de “seu” Abel. Pedindo clemência à gentil leitora pela pieguice explícita, aqui vai o que parece ser uma eterna lida do homem:
 
Este amor tão puro
 
Tenta noite e dia abrir
Teu coração duro.

EM LITERATURA, É O LEITOR QUEM DECIDE

Em era que longe vai publicava o extinto Jornal do Brasil (bons tempos, aqueles!), semanalmente, uma seção chamada “O que você está lendo?”, com esta pergunta sempre dirigida a pessoas famosas, é claro. Por ali pesquei várias dicas de leitura, às vezes me dei bem, às vezes, não. É que opiniões sobre literatura (e acho que arte, em geral), por mais “técnico” ou “inteligente” seja quem opine, é sempre avaliação pessoal. O que um crítico conceituadíssimo como Wilson Martins, por exemplo, recomenda não vai, necessariamente, me agradar. Só acredito lendo. Voltando ao JB, foi naquela seção que “descobri” José Saramago. O ator José Lewgoy estava lendo A jangada de pedra – e eu fui na onda (ops!).
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5Harold BloomJosé Saramago, antes de ganhar o Nobel

Li A jangada… tão logo me foi possível, e fiquei zonzo: aqueles parágrafos imensos, às vezes tomando toda a página, me dificultaram o entendimento do que o autor queria dizer. Saliente-se que Saramago, naquele fim de 1986, não era o quase best-seller de hoje, Prêmio Nobel lido e aprovado até pelo festejado Harold Bloom: era pouco conhecido por aqui e digo que “estive a consultar” dois intelectuais itabunenses (de quem, compreensivelmente, omito os nomes) que de nada sabiam. No terceiro (aconteceu na fila do Banco Itaú), soube que José Saramago era “grande escritor português, um escritor verdadeiro”. Assim me falou, de passagem, Hélio Pólvora, mas este não conta, porque leu tudo (não de tudo!).
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Atenção ao som e ritmo das palavras
Mais tarde, já consagrado, Saramago ouviu de um escritor um problema idêntico ao meu, a crítica à narrativa de difícil compreensão. O autor de Caim não passou recibo, não se mostrou disposto a alterar o modelo de escritura, dizendo que seu texto devia ser lido uma segunda vez, com atenção ao som e ritmo das palavras, sugerindo até que se leia em voz alta (ou se imagine uma leitura em voz alta). Parece-me que, por aí, ele se equipara a Guimarães Rosa, cuja beleza da escrita costuma “esconder-se” ao primeiro contato, para desabrochar numa segunda (ou terceira!) visão. Fico “a imaginar” (estou hoje, reconheço, um tanto lusitano) se todo autor não merece esta homenagem da segunda leitura.
 

UM NAMORADO DE ROSTO “INFOTOGRAFÁVEL”

7BroadwayJá virou lugar-comum neste espaço coluna: as canções mostradas aqui tiveram gravação de “todo mundo”. Por não ser especialista, nem a coluna ser lugar de experimentações, trato apenas de temas consagrados do jazz (os ditos standards), que os leitores já conhecem. É o caso de My funny valentine, da dupla de midas Rodgers-Hart (o que eles tocam vira sucesso), que já teve mais de 1.200 gravações. No original (uma peça da Broadway, de 1937), Valentine é o rapaz – ridicularizado pela namorada. Ela fala da cara risível (laughable) dele, que é “infotografável” (unphotographable) etc. Mas ele a faz rir e, portanto, não precisa mudar nem um fio de cabelo (don’t change a hair for me). Letrinha boba.
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Chet Baker, aos 58 anos, parecia ter 80
Tóquio, 1987. No palco, um Chet Baker devastado pela heroína. Ao seu lado, músicos de alta qualidade, embora os críticos não lhes reconheçam a excelência que o trompetista merecera outrora: Harold Danko (piano), Hein van de Gein (baixo) e John Engels (bateria), no show que resultou num CD duplo, com 11 faixas. Destacamos a quinta do CD 1, My funny valentine. A voz pequena e frágil de Baker teria inspirado um certo João Gilberto a fazer uma revolução no Brasil. Para mim, simples ouvinte, este solo de Chet é um emocionante momento do jazz: definhando a olhos vistos, o trompetista encontra pulmões para uma surpreendente cascata de notas. Morreu no ano seguinte, aos 58 anos. Parecia ter 80.
(O.C.)
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O HUMOR EM NOSSAS PEQUENAS FATALIDADES

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Nada é tão ruim que não possa piorar um pouco – é máxima conhecida dos pessimistas, identificada como uma das leis de Murphy. Este era um militar americano que, chateado com uma experiência frustrada devido ao erro de um técnico, formulou uma lei geral: Se alguma coisa pode dar errado, dará. O corolário dessa lei diz que não só dará errado, mas da pior maneira, no pior momento e de forma que cause o maior dano possível. É fácil localizar uma centena de “Leis de Murphy”, criadas ao sabor da hora, em torno de temas como as pequenas fatalidades diárias, o negativismo, quer dizer, tudo muito engraçado – para quem consegue manter o bom humor em situações críticas.

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A pior fila é sempre a que você escolhe

Posso (re) formular meia dúzia delas: 1) Se você não precisa de um documento, sempre sabe onde ele está, mas se precisar dele, nunca o encontra; 2) O primeiro lugar para se procurar alguma coisa é o último onde se espera encontrá-la; 3) Ninguém na sala ouve o professor, até ele cometer um erro; 4) A fila mais lenta é aquela em que você está (Corolário: se você mudar para a outra, a sua começa a andar e a outra para); 5) Quanto mais velhas as revistas da sala de espera, mais tempo você terá de aguardar pela consulta; 6) Quando eu escrevo sobre algo de que nada sei, todos os especialistas se interessam pela coluna (chamo esta de Lei do Universo Paralelo).

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(Entre parênteses)

Não vejo muito televisão, já tenho dito, e isto não me faz melhor nem pior do que a média das pessoas. E nas poucas vezes que vejo, me assusto. Assusta-me a persistência com que a Globo noticia o próprio umbigo, a lavagem cerebral a que submete a população, ao falar de novelas em quase todos os programas. Ultimamente, assustou-me a importância dada às eleições americanas. Será que tal assunto é assim tão “jornalístico” (a ponto de a emissora deslocar seu principal apresentador para os Estados Unidos) ou é porque somos mesmo colonizados?

NELSON RODRIGUES, A MATA E A FOLHA SECA

Dia desses, ao falar dos “esquecidos” deste ano (as grandes comemorações foram todas para Jorge Amado), citamos Euclides da Cunha e Fernando Leite Mendes, mas omitimos outro escritor ilustre, Nelson Rodrigues. Nascido em 23 de agosto de 1912 (treze dias mais novo do que Jorge), o autor de Vestido de noiva completaria 100 anos em 2012. O centenário passaria em branco, se a Globo não aproveitasse o momento para vender A vida como ela é, uma coisa que se mantém entre o freudianismo de mesa de bar e a mera subliteratura. Avaliar Nelson Rodrigues tendo por metro esta série é como estudar uma floresta a partir da pobreza amostral de uma folha seca trazida pelo vento.

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Uma pena a serviço do ditadura militar

O “subúrbio sórdido” (como diz um personagem de Rubem Fonseca) é forte presença na obra de Nelson: lá na infância do autor estão a vizinha gorda e patusca, as solteironas frustradas, as viúvas tristes e os velórios em casa (chamavam-se então “sentinelas”), talvez responsáveis pela morbidez do autor. Reacionário, fazedor de frases, criador de tipos que passaram ao imaginário das ruas, ele foi romancista, teatrólogo, contista e excepcional cronista, seja de amenidades, seja de futebol. Em 1972, sofreu humilhações do ditador Médici, a quem foi pedir pelo filho, militante do MR-8, preso e torturado. Nelson pusera sua pena a serviço da ditadura e Médici lhe virou as costas: NR Filho só foi solto após sete anos, com a Lei da Anistia.

MADRUGADAS DE UÍSQUE, MÚSICA E ILUSÃO

Ilusão à toa é uma singela declaração de amor dirigida não se sabe a quem, e cujo segredo  Johnny Alf (“née” Alfredo José da Silva) levou para o túmulo. Exímio pianista, Alf atravessou madrugadas de música e uísque com os bonitões da Bossa-Nova (Tom Jobim, Menescal, Bôscoli, Edu Lobo e Carlinhos Lyra, além de Nelson Motta, o adolescente Marcos Valle e outros), sendo o único gay da turma. Paparicado por todos, devido a seu talento de executante, compositor e arranjador, suspeita-se que tenham sido apenas bons amigos – não sei nem de insinuações de que a canção tenha sido feita para algum deles. O grande Johnny Alf era discreto e elegante no envio de seus… “torpedos”.

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“Johnny Alf é tudo”, diz João Gilberto

Em Noites Tropicais, Nelson Motta esteve perto de nos mostrar o segredo: conta que nos encontros musicais promovidos por sua mãe, dona Cecília Motta, Johnny Alf sempre aparecia “acompanhado de um garotão bonito”. Foi a única bandeira sobre a homossexualidade do pianista, que só dá pistas sobre o comportamento amoroso nas letras de suas músicas. Voltando ao músico, JA foi endeusado por um monte de gente: chamado de verdadeiro pai da Bossa-Nova, descendente do bebop negro americano e por aí vai. João Gilberto, chamado a opinar sobre o pianista, fez longa pausa e saiu-se com esta: “Johnny Alf é tudo”. Pensou e disse. No vídeo, Johnny Alf, no Bar Vinícius, Rio, 1994.

(O.C.)

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NÃO COMO BADÊJO NEM CARNE GRÊLHADA

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

É incrível como a mania das vogais fechadas, típica de paulistas mal informados, invade a mídia eletrônica, lá faz morada e termina sendo defendida por linguistas descuidados, em nome de um vago “dinamismo” da língua portuguesa. Há dias, com o “gancho” do jogo da seleção brasileira de futebol, cansei-me de ouvir narradores de tevê chamarem a capital da Suécia de Estocôlmo. Outros afirmam os milagres de uma tal vitamina Ê (dizem que, como afrodisíaco, é tiro e… queda!), assam carne na grêlha, fazem moqueca de badêjo, falam de um lugar longínquo da Grécia dito Peloponêso – e por aí vai.

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O regionalismo identifica certos locais

E não é difícil encontrar até gente “culta” que defenda tais prosódias despropositadas, como “regionalismos”. Deixemos em paz os regionalismos, que são perfeitamente defensáveis como parte da identidade de determinados lugares. Regionalismo é chamar tangerina de bergamota, laranja-cravo, poncã, mimosa etc. – mas chamar Estocólmo de Estocôlmo é ignorância mesmo. Lembro-me que, certa vez, ao avaliar um texto gravado para tevê, topei com a expressão “quadra pôliesportíva” : chamei a repórter e lhe pedi que gravasse outra vez. Ela, que devia me agradecer, ficou ressabiada por ter-lhe estragado a pronúncia “bonita”.

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A língua é viva, mas não exageremos

Entre os novidadeiros e os meramente ignorantes vamos mudando o que não é para ser mudado, introduzindo “novos” vocábulos e contribuindo para deseducar as atuais e futuras gerações. Que a língua é viva e dinâmica, não há dúvida; mas de que tudo demais é sobra também tenho certeza. A pessoas que escrevem (ou falam) nas mídias (aí incluídos os blogs, por que não?) há de ser imposta a dita norma culta – não lhes cabendo o direito a sair por aí chutando a sintaxe, dando pescoções na prosódia e matando de raiva a concordância e a regência.

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O DIA EM QUE ALCEU RECEBEU UM FORA DE SAFO

A poetisa Safo, nascida na ilha grega de Lesbos, por volta de 612 a. C., foi revolucionária, em vários aspectos. Diga-se que com cerca de 19 anos (já morando na capital, Mitilene), junto com outros militantes, conspirava contra Pitacos. Foi exilada na cidade de Pirra, de onde o ditador, temendo-lhe a escrita, mandou-a para local mais ermo: Pirra, na Sicília. Em Pirra, certo Alceu, apaixonado, mandou-lhe um convite amoroso: “Oh! pura Safo, de violetas coroada e de suave sorriso, queria dizer-te algo, mas a vergonha me impede.” Safo resistiu à cantada. Talvez porque Alceu pesou nas plumas e paetês, quando ela queria mais firmeza e menos frescura.

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A elegância que impressionou Sócrates

Durona e rápida no verso, Safo mandou Alceu pastar: “Se teus desejos fossem decentes e nobres e tua língua incapaz de proferir baixezas, não permitirias que a vergonha te nublasse os olhos – dirias claramente aquilo que desejasses”. Depois deste fora, o bom Alceu dedicou à amada muitas composições (odes e sertenatas) – mas se houve ou se não houve alguma coisa entre eles dois, ninguém soube até hoje explicar… Conta o professor e poeta mato-grossense (de Campo Grande) Ricardo Sérgio que Safo estava fora do padrão de beleza grega, por ser baixinha e magricela. Mas era de tão refinada elegância que ganhou do velho Sócrates, aquele mesmo, o título de “A bela”.

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A poesia sublime foi para a fogueira

Tida como grande poetisa, Safo nunca foi santa:  montou em Metilene uma escola para moças (até onde sei, ensinava-lhes só poesia, música e dança), em que as estudantes eram chamadas de amigas, não de alunas. Ela se apaixona por algumas das “amigas”, particularmente Átis, mas esta se envolve com um rapaz: Safo, louca de ciúmes, escreve o poema À Amada, com versos líricos que até hoje apaixonam a crítica. Líricos e quentes como chumbo derretido: “É minha alma um labirinto/ Expira-me a voz nos lábios/ Nas veias um fogo sinto…” A respeito de Safo, há mais lendas do que fatos. Sabe-se que sua poesia, tida como sublime (em nove volumes), foi queimada pela Igreja. Dizem que, já madura, a poetisa desencantou-se com as “amigas” e passou a gostar de homens – mas disso não encontrei prova.

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COM A INJUSTIÇA PREGADA NA BIOGRAFIA

Coautor de Desafinado (e também Samba de uma nota só e Meditação) Newton Mendonça, o primeiro parceiro de Tom Jobim, morreu muito cedo, aos 33 anos. Há quem o coloque ao lado de Tom e João Gilberto, no mesmo pedestal da Bossa-Nova. Mas a história o tem como uma figura desconhecida, sombra de Tom Jobim – e ainda com a injustiça pregada na biografia (talvez maldosamente): a de que ele era apenas  letrista. Segundo Ruy Castro, Newton não era letrista de Tom (como foi Vinícius), mesmo que, ocasionalmente, fizesse versos, e que tocavam de igual pra igual. Pior: na primeira gravação de Desafinado, seu nome foi creditado como Milton Mendonça!

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Coleman Hawkins não soube da polêmica

Autor da única biografia sobre o músico, o escritor potiguar Marcelo Câmara é bem claro quanto ao peso de Newton: “Foi ele quem revolucionou a música da época”. E mais esta, que me fez segurar o queixo: “Tom só é vanguarda com Newton. Sem ele é apenas samba-canção”. Tom, que circulava fácil na mídia, ajudou a consolidar o mito do letrista, e este (que deu raras entrevistas) disse: “Muita gente acredita que eu faço as letras, enquanto Tom faz as músicas – mas não é esta a verdade. Música e letra vão sendo feitas ao mesmo tempo”. Coleman Hawkins nunca soube da polêmica, e dá um banho com Desafinado, sem perguntar de quem é. Aperte o play e… bon voyage!.

(O.C.)

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A MOCINHA, AO ESBARRAR, FALA “DESCULPA”

Ousarme Citoaian

Em Lisboa, a mocinha brasileira esbarra numa senhora carregada de pacotes, criando natural constrangimento. Avoada, porém com relativa educação, ela balbucia um “desculpa”… e entorna de vez o caldo! A senhora lisboeta ficou mais irritada com o “desculpa” do que com o encontrão. É que em boa linguagem se diz “desculpe”, segundo o professor Cipro Neto, aquele da tevê. Eu falo “desculpe”, mas nunca fui às fuças de ninguém (menos ainda duma rapariga avoada) que tropeçasse em mim e dissesse “desculpa”. Também serve, ao esbarrar, dizer, com ar angelical: “Você (a senhora, o senhor) me desculpa?”

TUDO DEPENDE DO TOM DE VOZ E DA ATITUDE

“Desculpa” irrita os lusitanos porque tem um tom imperativo, mandatório, como se ordenasse à vítima que desculpasse a grosseria que lhe fizemos. Já “desculpe” parece mais humilde, o pedido de alguém que, de verdade, lamenta o que fez. É assim que eu penso, na companhia de alguns gramáticos. Mas não creio que haja unanimidade quanto a isso, além do que “desculpa” ou “desculpe” terão valores muito próximos, a depender do tom de voz e da expressão facial de quem as pronuncia. Sugere-se que, ao pisar no calo de alguém, mostre-se sentido com o ato – e a palavra será secundária.

AS DUAS FORMAS SÃO ENCONTRADAS NA MPB

Padre Zezinho escreveu em Desculpa, mãe: “Desculpa minha mãe/ por não saber te agradecer/ desculpa pelas faltas de respeito/ desculpa este teu filho que cresceu”. Enock Figueiredo, em sequência a Trem das onze, de Adoniran Barbosa, compôs Desculpe, mãe – quando optou pelo emprego do verbo na chamada norma culta: “Desculpe, mãe/ não é por isso que eu vou lhe esquecer/ perdi o trem das onze hora/ sei que irá compreender/ papai também amou a você”. Não preciso explicar que, das duas formas, peço desculpa a quem não concordar, mas prefiro desculpe.

O TOM IMPERATIVO É BOM… PRA CACHORRO

Um anúncio da Caixa Econômica Federal, atualmente na televisão, está em total desacordo com a regra: “Passa na lotérica e faz um X-Cap”, diz a garota, cujo sorriso aberto não reduz o tom ordenatório que me chega. Não é “passa e faz”, mas “passe e faça”. Em geral, “passa”, “entra”, ”sai”, ”deita” são formas recomendadas para usar com nosso cachorro. Mas nem tudo são espinhos: “Quero fazer deste Café um ponto de encontro entre mim e o povo brasileiro”, afirmou a presidenta Dilma, ao estrear o programa de rádio Café com a Presidenta. “Entre mim…” – nestes tempos bicudos, são flores gramaticais.

SPADE: CINISMO E FRIEZA CONTRA O CRIME

“Se for uma boa menina, sairá em 20 anos e eu estarei esperando. Mas se pegar a forca, sempre me lembrarei de você” (Humphrey Bogart para Mary Astor, em Relíquia Macabra/1941, de John Huston).  Bogart é Sam Spade (na foto, o primeiro à esquerda), o detetive mais cínico que a literatura já criou. Suas frases, a exemplo desta, são deliciosas. “Não acreditamos na sua história; acreditamos nos seus 200 dólares”, afirma à cliente. Quando Astor, derretida, diz que ele “caiu do céu”, a resposta é fria como gelo: “Não exagere”. Terno, ele “afaga” a secretária: “Você é um anjo… com coração de cascavel”. Durão, explica ao bandido pé de chinelo: “Se eu lhe der um tapa, vai ter de gostar”.

ENTRE SPADE-HAMMETT E MARLOWE-CHANDLER

O Falcão maltês, livro de Dashiell Hammett (1894-1961), que inspirou o filme, é um clássico noir dos mais cultuados. O detetive Sam Spade, que só aparece nesse romance (além de uns poucos contos que não li), é tido como um dos personagens responsáveis pela consolidação do gênero. Hammett e Spade têm muito a ver, segundo os críticos, com Raymond Chandler (1888-1959) e seu investigador particular Philip Marlowe. A propósito, recebi e (re) li, em fevereiro, uma caixa de cinco volumes de Chandler-Marlowe. Outra confidência: tive uma cadela chamada Asta, como a do ex-detetive Nick Charles, de A Ceia dos acusados (Hammett). Sou fã do romance negro, já se vê.

SÓ “25 DÓLARES POR DIA, MAIS DESPESAS”

Mero leitor, tenho cá os meus indicadores do romain noir, sujeito, é claro, a reprimendas dos exegetas do gênero: narração na primeira pessoa, um crime, a femme fatale (mulher capaz de levar um bom homem à ruína) e o conflito policial-detetive, além das marcas clássicas deste: frieza, cinismo e incorruptibilidade (nem a mulher fatal o tira do sério). Outro clichê muito presente: ele é solitário, tem complexo de culpa e drama de consciência, bebe feito uma raposa e cobra “25 dólares por dia, mais despesas”. Para Marlowe (Chandler), creio que em A dama do lago, esse dinheiro é, basicamente, para gasolina e uísque, não exatamente nesta ordem. Ele não quer enriquecer; quer apenas beber e consertar o mundo.

CONTEÚDO É PRECISO; NOME NÃO É PRECISO

A cantora Joyce (foto) atende também por Joyce Moreno, devido ao nome do marido, o baterista Tutty Moreno. Mas não costumo aderir a tais “novidades” (eles são casados há apenas 34 anos!): ainda chamo Jorge Benjor de Jorge Ben, Baby do Brasil de Baby Consuelo e Joyce Moreno de Joyce, pois não ligo muito pra nomes. Ulisses Guimarães chamava o PMDB de MDB, sendo fiel à sua saudade.  Conteúdo é preciso; nome não é preciso. Até pensei em mudar o meu para Formê vô  Bataion, mas fui desaconselhado: Mercúrio e Vênus estão em Áries e Plutão está em Capricórnio, tornando a mudança positivamente desastrosa. Mas voltemos a Joyce Moreno.

UMA MULHER E SUA COLEÇÃO DE ADJETIVOS

Conheci a artista, por imposição profissional, nos anos noventa. Causou-me impressão bem diferente de alguns falsos valores que pululam por aí, montados numa empáfia de fazer pena, talvez para disfarçar o vazio de que são possuídos. Na época, consegui que ela cantasse Clareana (feita para suas filhas Clara e Ana, mais de dez anos antes, em 1980). Adoro essa música, meio berceuse, meio canção de ninar, uma cantiga de mãe-coruja, se me permitem a invenção. Pois eis que há poucos dias, em seu artigo semanal em rede de jornais, Caetano disse estar ouvindo Clareana e pôs Joyce nas alturas.

CANTORA AFINADA E “MÚSICO” EXCEPCIONAL

Para o filho de Dona Canô, Joyce é uma violonista excepcional, da estatura de João Gilberto, Dori Caymmi, Gilberto Gil e João Bosco, “cantando com afinação precisa, compondo com imaginação harmônico-melódica original”. Comparando Joyce e Elis Regina, Caetano afirma que “Elis é a cantora mais músico que chegou ao estrelato no Brasil e Joyce é o maior músico entre as cantoras que vieram depois”. Não é pouco, vindo de quem vem. Gosto de ver assim atestada como verdadeira minha impressão de Joyce e partilhada a sensação que tenho ao ouvir Clareana – aqui num clipe do Fantástico/1980, mostrando a cantora, Clara e Ana.

(O.C)

 

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A LINGUAGEM E A TRIANGULAÇÃO AMOROSA

Ousarme Citoaian
Num jornal de Itabuna leio esta intrigante manchete: “Por dinheiro, se juntou ao amante para matar o outro” – e fico com a sensação de que o leitor não vai, de primeira, entender o que se lhe quiseram transmitir. E isto não é bom, pois manchetes precisam ir direto ao leitor, por linhas retas, contornando parábolas e elipses. Releio. E concluo que uma mulher se consorciou com um sujeito, para matar outro. É a velha (e, não raro, fatal) triangulação amorosa, que está em moda desde o dia em que Deus inventou homem e mulher e o capeta os misturou. Mas, no caso, houve uma segunda vítima: a boa linguagem.

QUEM NÃO EXISTE, NÃO PENSA E NÃO MORRE

Os artigos precisam ser respeitados pelos redatores: o amante é uma coisa; um amante é coisa diversa. Se escrevo “João é o amante de Maria”, quero dizer que Maria tem, digamos, um caso com João; se escrevo “João é um amante de Maria”, digo que Maria é danadinha, roda muito, anda com mais de um felizardo. E agora? Quanto à manchete referida estamos diante da impossibilidade absoluta: a boa moça “se juntou ao amante”, portanto, só tinha um; logo, “o outro” não existe – e se não existe não pensa (como explicou o filósofo) e, em compensação, não morre (como o sabem até os postes). Conclusão: não houve crime.

PREMISSA FALSA LEVA A CONCLUSÃO FALSA

Conclusão falsa, porque parte de premissa falsa. A gentil senhorita não se associou “ao amante”, mas “a um amante”. Dentre os dois (revelados!), ela se juntou a um, para assassinar o outro. Houve homicídio, sim, e – nos diz o jornal – com minúcias que interessariam aos estudantes de medicina legal e causariam frouxos de riso nos cultores do humor negro. Está no texto: “Para praticar o crime, o casal utilizou enxada, faca, porrete, cacos de garrafa e uma pedra”. Se o casal de assassinos não era competente, ou se a vítima estava mesmo decidida a permanecer neste vale de lágrimas, resta a dúvida.

ONDE TERIAM FICADO AS LETRAS E OS SONS?

Não nasceu ultimamente nenhum Machado de Assis, ninguém toca como Miles Davis ou canta rouco feito Armstrong (foto). Onde o verso de Bandeira e Drummond, o som do Zé-Pereira, a serenata de Orestes Barbosa, o violão de Baden, a crônica de Rubem Braga e Fernando Sabino? Cadê Antônio Maria e Noel, espargindo dor de amor nas estrofes?  Há quem afirme que os grandes livros já foram escritos, os filmes feitos e a música, gravada. Disso não sei. Mas sei bem da aridez dos tempos, tempos de descartáveis autores e obras natimortas. E sei também que o tempo, juiz exigente, me disse que a arte destituída do eterno sopro da juventude será espectro de arte, não arte.

POBRE VIDINHA DE GOLPES E ESPERTEZAS

A arte verdadeira tem um estoque infindável de emoção, alguma coisa que faz chorar – como diria Vinícius. A arte arrepia. Assim é Malagueta, Perus e Bacanaço, obra-prima do conto brasileiro, de João Antônio, que releio – o drama e a solidão de pequenos perdedores, anti-herois esmagados pela cidade grande. São três malandros, andarilhos, comparsas em suas vidinhas de golpes, espertezas e dissimulações, num tour noturno que começa na Lapa, passa pela Barra Funda e termina em Pinheiros, depois de passar por Água Branca e o centro. Exímios jogadores de sinuca, vão à cata dos mocorongos, trouxas, pixotes, enfim, otários para depenar. Piranhas famintas, boca aberta na noite. Perdidos.

TESES APROXIMAM JOÃO ANTÔNIO E JOYCE

Os malandros chegaram à tela em O jogo da vida/1977, de Maurice Capovilla (foto), com Lima Duarte (Malagueta), Gianfresco Guarnieri (Perus) e o gualberiano Maurício do Valle (Bacanaço) – além da participação de Carne Frita, o mestre maior da sinuca. As teses, estudos, análises e ensaios sobre esta obra de João Antônio encheriam uma livraria. Há até (pelo menos) um estudo de literatura comparada que aproxima Malagueta…/1963 de Dois Galantes/1914: João Antônio é James Joyce e São Paulo é Dublin, espaços de desgosto e sofrimento. O caminhar perene desses vagabundos (como se andassem à volta de si mesmos) parece nos dizer que, lá e cá, a grande cidade não costuma dar lugar aos deserdados sociais.

O AUTOR CONVERSA COM SEUS PERSONAGENS

O encontro de criador e criaturas: no sentido anti-horário, João Antônio (segurando uma bola de sinuca) e os malandros Malagueta/Lima Duarte, Perus/Gianfrancesco Guarnieri e Bacanaço/Maurício do Valle.

NO MEIO DA FICÇÃO SURGE UM ÍDOLO REAL

João Antônio faz sua sinuca de ficção encontrar na madrugada paulista um ídolo do jogo jogado, “moço, baixinho, com olhos de menino”, sobre quem derrama seu afeto: “Ninguém daria nada àquele, parado à esquina da Santa Ifigênia, dando um gesto de mão a Malagueta, Perus e Bacanaço. Fossem ver… Sua história abobalhava, seu jogo desnorteou todos os mestres”. E aconselha: “Botassem respeito, sentido e distância, com silêncio e consideração”. É a homenagem do autor a Carne Frita, lenda viva da sinuca (na foto, à direita, junto a Noel; à esquerda, o itabunense Rui Chapéu). Este texto é minha homenagem a Vadu Baié e Vivi Guimarães, piranhas do pano verde, e ao professor Adylson Machado, que conhece como poucos a sociologia do joguinho.

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CONTRIBUIÇÃO DE ZÉLIA À OBRA DE JORGE

A escritora Zélia Gattai (1916-2008), segunda mulher de Jorge Amado, era uma senhora muito bem humorada e consciente de que vivia com uma celebridade. Modesta, não procurou abrir caminho à sombra do marido famoso e tampouco extrapolou seu papel. Numa entrevista (já nem me lembro quando e em que veículo), perguntaram-lhe sobre a contribuição que ela teria dado à obra de Jorge – uma pergunta tentadora para quem pretende mostrar-se mais importante do que é na verdade. A autora de Chão de meninos contou a história que reproduzimos aqui, sujeita a pequenas falhas de memória .

O ESTRANHO PEDIDO PARA SOLTAR A VOZ

Certa vez, batucando em sua velha Remington, Jorge a chamou e lhe pediu que cantasse Só louco, de Caymmi, então em voga. “Agora?”, perguntou Zélia, vendo em risco a sanidade do marido. “Agora”, confirmou ele, aflito. “Pedido mais estranho”, pensou a boa Zélia, mas não se fez de rogada e soltou a voz: “Só louco amou como eu amei/ só louco quis o bem que eu quis/ Oh, insensato coração…” “Chega”, disse Jorge (foto). E explicou à mulher atônita que se esquecera de uma palavra, mas sabia que ela estava na letra de Caymmi. “Minha contribuição à obra de Jorge é a palavra insensato”, brincou Zélia.

MARISA MONTE, GAL, BETH CARVALHO, JOÃO

Quando vi na tevê uma chamada de Insensato coração, imaginei que Só louco/1956 estaria na trilha. Fui ao Google e… na mosca! Também soube que essa música embala o folhetim das nove pela segunda vez. A primeira foi em O casarão/1976. E sabem o que mais? Gostei. A Globo volta e meia dá folga a Roberto Carlos, Zezé de Camargo, Xitãozinho e outros chororões e se permite nos oferecer surpresas: Marisa Monte (O Salvador da Pátria/1989), Beth Carvalho (Duas Vidas/1977) e o luxuoso grupo (aqui comentado há dias): João-Astrud Gilberto-Tom Jobim-Stan Getz  (Laços de família/2000). Nem tudo são ruídos. No vídeo, Gal e Caymmi, com o tema famoso.

(O.C.)
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CAETANO VELOSO TEM OUVIDO PRIVILEGIADO

Ousarme Citoaian
Que João Gilberto “fala muito bonito” é avaliação de Caetano Veloso, feita há algum tempo.  “E João Gilberto fala?” – perguntei a meus botões, de forma retórica. Eles nada responderam (que querem?), nem precisava, pois João não fala, apenas exala da vitrola “aquele seu jeito encantado de cantar (…), com sua inconfundível divisão”, assim falou Rosa Passos. Talvez o mano Cae seja um desses privilegiados que têm ouvidos de ouvir a voz falada do cantor juazeirense. Ou não. Para mim, quem “fala bonito” de me deixar extasiado é outro baiano: Gilberto Gil.  Encontrei-o na revista Muito (grupo A Tarde), discorrendo sobre a velhice e outras doenças (ele tem 68 anos).

A SUBSTITUIÇÃO DA CRENÇA PELA DESCRENÇA

Ouçamo-lo: “Você passa a ter que responder a si próprio de maneira diferente, a dizer sim de maneira diferente, a dizer não mais severo, com mais intensidade, mais frequência. Passa a aceitar o sentimento da renúncia com mais resignação (…). A velhice é uma nova infância, no mesmo sentido dos cuidados específicos.” Invertendo os polos: “A juventude para mim, agora, é outra história, ela tem que se dá no sentido espiritual, da disposição para o encontro permanente com as instâncias de bem-estar, com a resignação, a capacidade de renúncia”. Interrogado sobre sua “transformação em agnóstico” disse que substituiu “a crença pela descrença”. Isto é falar bonito.

A VELHICE VISTA COM BELEZA E SABEDORIA

Ainda a propósito da questão religiosa, ele diz: “Hoje eu não creio nem descreio, não sinto necessidade da eleição dos objetos da crença, o Deus, os entes externos que habitam este mundo da transcendência. Nem preciso deles nem preciso do ateísmo. E não preciso achar, como eu achava antes, que quem acredita é melhor do que o incréu. Ou achar hoje que o incrédulo é melhor. Quem escolhe uma polaridade tende a achar que o outro não está certo, que ele é menor. É isso que autoriza o processo catequético, e eu não quero ter essa necessidade, me tornar missionário, discriminatório, juiz de nada”. Dizer que “a velhice é uma nova infância” – me soa pra lá de bonito: profundo.

OSCAR DECIDIDO ENTRE O VELHO E O NOVO

O Oscar de 2011, polêmica premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, já com mais de 80 anos, mostra neste domingo a velha dicotomia.  Os filmes favoritos – O discurso do rei e A rede social, na opinião do crítico Rubens Ewald Filho (foto) – são antagônicos em sua feitura e propostas. “O discurso… é um antiquado e muito bem feito filme inglês, com tudo direitinho, no lugar certo e com grandes interpretações; A rede social é um filme moderno, de um assunto pertinente, e tem a originalidade de o herói ser um filho da mãe, ou seja, um sacana que ganha US$ 4 bilhões. Não deixa de ser um retrato do nosso tempo” – resume o crítico.

FAROESTE PODE TER OUTRO OSCAR DE ATOR

Fã do faroeste (o gênero é a essência do cinema americano), aposto em Bravura indômita. É a saga de uma menina de 14 anos em busca de justiça, com a ajuda de um pistoleiro caolho, beberrão e mau humorado. A história é de 1969, filmada por Henry Hathaway, tendo John Wayne (Oscar de melhor ator daquele ano) e Kim Darby nos papéis principais. Agora, a direção é dos irmãos Joel e Ethan Coen, o pistoleiro é Jeff Bridges e a mocinha é a estreante Hailee Steinfeld (foto). Bravura… recebeu dez indicações, entre elas de filme, direção, ator e atriz coadjuvante (Steinfeld). Rubens Ewald Filho não gostou, é claro – disse que é “deprimente”.

BROKEBACK… OFENDEU O PALADAR CLÁSSICO

Se Bravura indômita ganhar algum Oscar (as dez indicações nada lhe garantem), junta-se à pequena relação de faroestes para os quais a Academia já se dignou de olhar. Sem pretensão de esgotar a lista, lembro: No tempo das diligências/1939 (dois), Matar ou morrer/1952 (quatro, com melhor ator para Gary Cooper), Os brutos também amam/1953 (um), Dívida de sangue/1965 (ator para Lee Marvin), Dança com lobos/1991 (o campeão, com sete prêmios) e Os imperdoáveis/1992 (filme, diretor, ator e atriz coadjuvantes). O único premiado antes dos anos noventa foi o pouco conhecido Cimarron/1931. Em 2006, Brokeback mountain, que os fãs do bangue-bangue consideram uma ofensa ao gênero, levou três estatuetas (incluindo diretor). O discurso… e A rede… são os cavalos de Rubens Ewald; Bravura…, minha zebra.

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O HOMEM QUE CONVERSOU COM A ÁRVORE

Ou o caso é de prosopopeia (também dita personificação) ou a figura tem nome que não alcanço. A mim me importa, mais do que nomenclatura, conteúdo: o sujeito conversa com uma árvore, a ela conta suas mágoas sentimentais (“Juazeiro, juazeiro,/ me arresponda por favor/ Juazeiro, velho amigo,/ onde anda meu amor?”) e ainda lembra ao pé de juá que ele tem responsabilidade no caso (“Juazeiro, meu destino/ tá ligado junto ao teu/ no teu tronco tem dois nomes/ ela mesmo é que escreveu”). E assim vai a confissão de amor ferido, num crescendo de emoção. Talvez por ser mais sensibilidade do que razão, se me eriça a pele cada vez que escuto Juazeiro (Humberto Teixeira-Luiz Gonzaga/1948).

A ESPERANÇA AMOROSA CEDE AO SOFRIMENTO

Há ali a humana dúvida (“Juazeiro, seja franco/ ela tem um novo amor?), a desconfiança (“Se não tem por que tu choras/ solidário à minha dor?”) e, com a cruel descoberta, a queda, a vitória do sofrimento sobre a esperança (“Ai, Juazeiro/eu não guento mais roer/ ai, juazeiro/ eu prefiro inté morrer”). Obra-prima de MPB romântica. Para quem se interessa por essas filigranas do falar brasileiro, digo que roer significa, em “pernambucanês”, sofrer por amor, curtir dor-de-cotovelo. Humberto Teixeira repetiria o regionalismo em Qui nem jiló/1949: “Saudade assim faz roer/ amarga qui nem jiló”. A matéria-prima do verbo roer é a ausência do ser amado, o amor não correspondido e cardiopatias semelhantes.

CULTURA NORDESTINA INTOCADA PELO JAZZ

Juazeiro é um tema adaptado por Luiz Gonzaga, a exemplo de Asa Branca. A melodia, de tristeza intensa, se aproxima do blues (não foi por acaso que a cantora Peggy Lee a gravou – com outra letra e sem os nomes dos autores). Em 2001, Dominguinhos reuniu mais de vinte artistas e com eles gravou dois CDs em homenagem ao Rei do Baião. O guitarrista Heraldo do Monte (foto) fez um arranjo primoroso para Juazeiro, retomando aquele “nhã-nhã-nhã” típico dos violeiros de feira que Gonzaga adaptou em Asa Branca. Autor e executante extraordinário, além de profundo conhecedor da cultura musical de sua terra (que não foi afetada pelo tempo em que tocou jazz nos Estados Unidos) HM nos dá, com seu arranjo, um Juazeiro novo .

A DILACERANTE TRISTEZA DE JANE DUBOC

A leitura de Dominguinhos para o texto de Humberto Teixeira mostra um homem de coração despedaçado; Jane Duboc (foto), na segunda parte, é de uma tristeza comovente – e quando diz “eu prefiro inté morrer”, eu sinto a garganta apertada (o clipe é especial para esta coluna).

(O.C.)
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MEA CULPA, MEA MAXIMA CULPA

Ousarme Citoaian
Que estas primeiras palavras sejam um sincero pedido de desculpas. Na semana passada, ao citar um verso de canção popular (“Paraíba masculina, mulher macho, sim senhor”), o atribuí ao pernambucano Zé Dantas (1921-1962), quando seu autor é o cearense Humberto Teixeira (1916-1979). Há várias “explicações” para este erro, sendo mais verossímil a de que me vali da memória – e esta, como a maioria dos políticos, não merece confiança. Mas não quero tal expediente, igualmente fácil de usar e difícil de ser acreditado. A troca de nomes dos autores foi erro sem justificativa, do qual me penitencio. Cabeça não é arquivo.

UMA PITADA DE TRISTEZA, OUTRA DE TÉDIO

Quem se isola voluntariamente dos alaridos do mundo é definido com uma palavra pouco bonita: misantropo. É alguém com uma doença chamada misantropia, sem gosto pela vida social, um tanto melancólico, com uma pitada de tristeza, um quase tédio ao gênero humano. Sua divisa poderia ser a frase que Machado de Assis se esqueceu de fazer: “Quanto mais conheço a espécie humana, mais gosto do meu cachorro”. O pior é que os outros (eles são o inferno!) se metem a interpretar esses indivíduos, chegando a resultados deploráveis, pois lhes dão qualidades e defeitos inexistentes.  Eles querem apenas se isolar.  E, convenhamos, não é querer muito.

MEDO DE FICAR FRENTE A FRENTE CONSIGO

“Mãe, não quero ficar sozinha comigo” – disse, para espanto geral, a filhinha de uma velha amiga. Criança diz cada uma! Eu sou o contrário daquela menininha. Não tenho medo de mim, me enfrento, vivo em paz com meus fantasmas: tiro-os do armário e com eles converso (“Ora! – direis!…) numa boa, não sou dado a rapapés sociais, tento ser arroz-de-festa, mas (ai de mim!) falta-me talento para tanto. Às vezes me tranco com meus livros, discos, filmes e pensamentos, desligado o celular. E não sou único. Sei de outras gentes que preferem o silêncio ao barulho, o isolamento ao burburinho, o jazz ao arrocha, a conversa ao comício, a solidão à má companhia.

SEM RAZÕES PARA VIVER “EM SOCIEDADE”

O poeta português Herberto Helder (no retrato) é misantropo da pesada: não recebe ninguém, recusa honrarias (não foi receber o cobiçado Prêmio Pessoa), tem endereço pouco conhecido e quanto a dar entrevista, nem pensar. A família diz que ele “não morde”, conversa bem e é dotado de bom humor, mas que não vê motivo para viver “em sociedade”. De um escritor só  importa sua obra, ele diz . No Brasil, se salientam como portadores desse distanciamento da humanidade os prosadores Dalton Trevisan, Rubem Fonseca e outros (parece-me que, entre eles, Raduan Nassar, aquele de A lavoura arcaica). Porém o caso mais notável é o de famoso cantor baiano.

O GATO QUE NÃO AGUENTOU JOÃO GILBERTO

João é dado ao isolamento. Tranca-se no quarto do hotel e ali passa dias distante do mundo, sem contato, sequer, com o garçom que lhe leva as refeições (dizem que a comida é colocada à porta e, mais tarde, o cantor a pega, sorrateiramente). Sua única companhia é o violão, que, todos sabem, não faz perguntas. Reza o folclore que João teve um gato, mas o bichinho se suicidou, coitado – depois de ouvir o músico repetir o mesmo acorde durante dois dias seguidos, até altas horas da madrugada. No terceiro dia, quando João sacou a viola, o gatinho tomou a decisão radicalíssima. A quem interessar possa: não toco violão nem tenho gato.

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BOM, MAU, MAL, BEM, MARAFONA, MARATONA

Há pessoas que confundem marafona com maratona. Ou habeas corpus com corpus Christi e mal com mau. Para fugir à ultima armadilha, é simples: lembrar que mal é o contrário de bem, e  mau é o contrário de bom. Bem educado, mal educado; bom caráter, mau caráter. Bem educado é quem tem bons modos, diz “por favor”, “com licença”, “obrigado”, “desculpe”; mal educado é aquele grosso, que anda por aí sem camisa, exibindo a pança e, não raro, o pigostílio (dicionário, pra que te quero?) e ainda diz que ser educado é ser fresco. Para o tipo, grossura é prova de macheza.

POLUÍDO, O RIO BOM VAI MAL DAS PERNAS

 É fácil seguir essas regrinhas, mas às vezes a gente fica mareado. Foi o caso do redator de um jornal diário de Itabuna: indignado com a situação do Cachoeira, ele proclamou que o velho rio, dentre outros males, está “mal cheiroso”. Acertou no atacado, errou no varejo: poluído e esquecido pelos governos, o rio cheira mal (não cheira bem), tem mau cheiro (cheiro ruim) e, vítima de maus tratos, está malcheiroso. Ligado assim. O bom rio vai bem mal das pernas, se me permitem trocadilho e prosopopeia. Diga-se, entretanto, que o erro não reduz o mérito da denúncia.

UMA FAMOSA FRASE JAMAIS PRONUNCIADA

 

Mesmo que sua experiência em cinema se resuma a Tropa de Elite 2 (que, ouvi dizer, é superior a Tropa de Elite 1 e inferior a Tropa de Elite 10, que sairá em 2013), já ouviu falar em Casablanca. E conhece a frase mais repetida do filme, quando Ingrid Bergman (Ilsa) vira-se para Doley Wilson (Sam) e diz: “Toque outra vez, Sam” (em língua de bárbaros, Play it again, Sam). Mentira. A frase famosa jamais foi pronunciada. E, para estragar de vez essa anedota, Wilson (na foto, com Bergman) não poderia tocar mesmo, pois não era pianista (o som que se ouve foi posto sobre a voz, no estúdio). Mesmo assim, a fala se tornou das mais conhecidas do cinema. É sem nunca ter sido.

O PERIGO DE NUNCA TER VISTO CASABLANCA

Era Montmartre, 2009. Após jantar no Le Ceni com uma senhora brasileira mais generosa do que inteligente, nos despedimos, às primeiras horas da madrugada (ela seguia para a Espanha; eu, findos os euros, retornava ao Brasil). Vali-me de uma frase de Casablanca: em macarrônico francês que o vinho só fez piorar, lhe recitei “Nós sempre teremos Paris” (algo como Nous aurons toujours Paris). Ruborizada e feliz, ela não poupou elogios ao meu estro romântico, certamente por desconhecer o filme. Àquela altura, explicar seria bem mais difícil do que manter a humanitária petite fraude. Fiz um Bogart deplorável; mas ela também não era nenhuma Ingrid Bergman.

MAGIA E ROMANTISMO, MAS SEM PIEGUICE

Resta dizer que Casablanca aparece em 3º lugar na lista de 2010 do Instituto Americano do Filme – perde para O poderoso chefão e o imbatível Cidadão Kane, que encabeça todas as listas dos críticos, em todos os tempos. O filme é de Michael Curtiz, um diretor distante da propalada genialidade de Orson Welles (Cidadão Kane). A ideia de Casablanca era a de um melodrama como outro qualquer, sem maiores ambições, feito em cima da perna, com um roteiro que era emendado enquanto a claquete batia. Quase 70 anos depois, quando Humphey Bogart diz a Ingrid Bergman “Nós sempre teremos Paris” o espectador chega à beira das lágrimas. Mágico, romântico, não piegas.

MUITOS DISSERAM “NÃO” A ESTE CLÁSSICO

O número de estudos sobre Casablanca é espantoso, revelando muitas curiosidades: William Wyler, com o prestígio nas alturas, recusou a direção; Hedy Lamarr (foto) não quis fazer Ilsa Lund; George Raft não aceitou o papel de Rick Blaine; e Paul Henreid relutou em ser Victor Laszlo, líder da resistência, por ser o papel “menor”. Em meio a esses acasos Bogart e Bergman se transformaram no mais apaixonante casal do cinema. O filme tem humor, romantismo e política na dose certa, com o cinismo de Rick encobrindo sua ideologia anti-nazista. E naquela Casablanca sob a bota dos alemães o Rick´s Bar é o centro de tudo. Clique e veja o trailer (a Warner nos proibiu de divulgar a cena que escolhemos).
(O.C.)
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Era 1963, na Rua 48, Nova Iorque. Numa reunião de trabalho entre João Gilberto, Stan Getz e Tom Jobim, João, que estava com o mau humor em dia, fala, em português: “Tom, diga a esse gringo que ele é muito burro”. Tom, em inglês: “Stan, João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você”. Stan Getz, sentindo cheiro de sujeira: “Pelo tom de voz, não parece que é isto que ele está dizendo”. Apesar do clima belicoso nas gravações (veja a cara de João, na foto), o resultado é um dos melhores discos do século XX: o LP Getz/Gilberto ganhou dois Grammy, deixando para trás ninguém menos do que os Beatles (A hard day´s night).

Confira essa e muito mais no UNIVERSO PARALELO, de Ousarme Citoaian.

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PODEMOS IR À EUROPA, MAS NUNCA À ROMA

Ousarme Citoaian
De boas intenções o inferno está repleto, ensina o povo. O cartaz, que pretende ser gentil com os visitantes, teve seu objetivo prejudicado por um acento grave arbitrariamente posto sobre o “a” da expressão “a Itabuna”. O erro é clássico: alguns nomes de lugares são usados sem artigo e, consequentemente, não favorecem o nascimento da crase (fusão de dois “as”). Exemplos, para alguém que desconheça o tema: seja bem-vindo à Bahia, à Paraíba, à França, à Grécia, à Itália, à Dinamarca (à Europa quase toda, mas não à Roma!) e seja bem-vindo a Itabuna, a Ilhéus, a Manaus, a Buerarema, a Paris, a Madri, a Una, a Canavieiras, a Lisboa, a Cintra.

“BEM-VINDO À ITABUNA DE JORGE AMADO”

Quem tem dinheiro vai a Portugal, a Maceió e a Curitiba, e também à Inglaterra, à Escócia e até à Finlândia (que, todos sabem, é o fim da terra). E quem tem boca vai a Roma, diz o brocardo (ou à Roma dos Césares, diz a gramática). As regras para saber a escolha entre a e à são encontradas facilmente – e não é nosso propósito vestir toga de magister coimbrão. Motiva-nos a exceção que permite escrever à Itabuna, à Ilhéus, à Roma e semelhantes: é quando ao nome do lugar segue-se uma qualificação. “Bem-Vindo à Itabuna centenária” salvaria o cartaz da foto. Ou esta, que gostaria de ver publicada (por ela não cobro copirraite!): “Bem-Vindo à Itabuna de Jorge Amado.

NENHUM PROBLEMA PARA UMA BOA AGÊNCIA

Anúncio mal feito depõe contra a empresa que o patrocina. O vexame poderia ser evitado, confiando-se sua confecção a uma boa agência de publicidade, que as há, com certeza absoluta, em Itabuna e Ilhéus. Parece que o autor da ideia (boa) preferiu o improviso, confiou no próprio talento, e se deu mal. Quanto ao segundo “a” marcado com acento (além de um confuso símbolo de quilômetro – KM, quando o correto é Km – o redator atirou no que viu e acertou no invisível: linguistas generosos advogam esta crase antes de numeral, em nome de uma suposta elipse: “à (distância de) 5 Km”, por exemplo. Se querem minha opinião, eu jamais usaria esse modo esdrúxulo de escrever.

A VIDA NEM SEMPRE BOA DE UM HOMEM BOM

Tenho um amigo (pobre) que diz ser fácil enriquecer. “Basta abrir mão de alguns princípios”, ensina ele a lição que nunca aprendeu. Lembro disso ao ver um morador em rua próxima à minha, que quase todas as noites passa com um fardo de papelão na cabeça. Aquela carga insólita, eu soube depois, é o fruto do seu trabalho diário: cata nas lojas e supermercados caixas desocupadas e, reunidas as peças, as leva a alguém que as compra no peso, pagando-lhe pelo lote do dia algo entre dez e doze reais. É um homem negro, idade indefinida, mas aparentando não ser jovem – talvez a má vida o tenha envelhecido antes da hora.

CARINHO PARA COMPENSAR FRUSTRAÇÕES

Teria uma mulher à porta do barraco nesses fins de jornada, a inquiri-lo sobre a produção do dia? Será que ela sabe quão raro é esse homem simples que cata papelão? Tomara que sim, e que ela possa premiá-lo com seu carinho exclusivo, em recompensa pelo trabalho nem sempre rendoso. Talvez, após o jantar frugal, ele veja a novela das nove, fugindo à sua realidade de homem pobre. Ou não. Saberia quanto ganha um deputado, um senador, um ministro do Supremo, e pensaria, com a ideologia calhorda que lhe foi inculcada, que é “natural” a divisão entre pobres e ricos? Nada sei desse homem, a não ser que ele é um trabalhador discreto e honesto.

DONO DO MEU RESPEITO E SOLIDARIEDADE

Imagino que esse meu irmão, quem sabe dono de um barraco, poderia ser algum tipo de bandido – e morar num palácio. Mas ele escolheu outro caminho, não se sabe o motivo. Na volta ao lar, no fim do expediente, passa por mim e, com a serenidade dos justos, me dá boa-noite. Isto não nos faz amigos, talvez nem conhecidos, pois parte do seu rosto é sombreado pela carga que carrega. Mas, embora não saiba, ele leva para casa meu respeito e minha solidariedade. Bem gostaria de lhe dizer quanto o admiro, mas me falta ousadia. Na penumbra, às suas costas, mesmo sem crer, lhe dedico uma frase em voz baixa: “Que Deus o proteja”.

IDEIA CERTA, MAS FORMULADA COM ERRO

Leio na primeira página de conhecido jornal diário de Itabuna que “… de todas as festas cristãs, o Natal é uma das que mais contagia”. O redator acertou na ideia, mas errou na forma: a expressão um dos que (também um daqueles que, dentre os que etc.) pede verbo no plural. “… o Natal é uma das que mais contagiam”). De outros jornais, em épocas diversas: “O Sul é uma das regiões que menos sofreram com as enchentes”, “Wagner foi um dos políticos que mais falaram na tevê”, “O Brasil é um dos países que mais protegem refugiados”, “Alcione é uma das artistas que mais cantaram na festa”, “Aquele candidato é um dos que mais prometeram na campanha”.

NO BOM TEXTO, O CAMINHO DA SALVAÇÃO

Para não cair nessa armadilha na hora de escrever, basta inverter a frase, quando aflora a necessidade da forma plural: “Dos que mais falaram, Wagner foi um”, “Dos países que mais protegem, o Brasil é um”, “Das artistas que mais cantaram da festa, Alcione é uma”, e por aí segue o andor, com zelo, pois o santo é frágil. Não devemos nos cansar de chamar a atenção para o cuidado exigido no manuseio da linguagem a ser praticada pela mídia. Parece óbvio que a leitura dos bons textos ajuda muito. Logo, quem não quiser a literatura “comum”, sirva-se da bíblia (sempre um bom texto), que nos oferece um conselho sábio: “orai e vigiai”.

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DISCO DE BOSSA-NOVA EM RITMO DE GUERRA

Era 1963, na Rua 48, Nova Iorque. Numa reunião de trabalho entre João Gilberto, Stan Getz e Tom Jobim, João, que estava com o mau humor em dia, fala, em português: “Tom, diga a esse gringo que ele é muito burro”. Tom, em inglês: “Stan, João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você”. Stan Getz, sentindo cheiro de sujeira: “Pelo tom de voz, não parece que é isto que ele está dizendo”. Apesar do clima belicoso nas gravações (veja a cara de João, na foto), o resultado é um dos melhores discos do século XX: o LP Getz/Gilberto ganhou dois Grammy, deixando para trás ninguém menos do que os Beatles (A hard day´s night).

MONICA GETZ: MISSÃO QUASE IMPOSSÍVEL

Além dos três artistas famosos, estavam presentes àquele momento histórico a bela (em dois sentidos) cantora Astrud Gilberto (na foto, com Tom), mulher de João, responsável pelo êxito de Garota de Ipanema, que “vendeu” o álbum, e Monica (mulher de Stan) e que cumpriu uma missão considerada impossível: tirar João do quarto de hotel onde ele se encerrara e convencê-lo a, diariamente, trocar o pijama pelo terno e ir com ela ao local onde se realizavam os ensaios para a gravação. Lá estava também (eram dez pessoas, no total) o baterista Milton Banana, na flor dos seus 28 anos, o revolucionário da bateria da Bossa-Nova.

GRAVADO NO ESTILO “UM, DOIS, TRÊS, VAI!”

É inacreditável que esse álbum, já com 47 anos de idade, tenha sido gravado em apenas dois dias. Hoje, grava-se primeiro a “cozinha” (piano, baixo e bateria), para depois o cantor “botar a voz”; em Getz/Gilberto tudo foi feito ao mesmo tempo, no estilo “um, dois, três e… vai!”. Se um errasse era preciso começar de novo – mas ninguém errava, pois eram todos cobras criadas. O resultado está aí: um álbum atual (agora em CD, a linguagem contemporânea), que parece saído da prensa ontem. Nós, o público, sequer suspeitamos da guerra que foi a produção desse clássico da Bossa-Nova.

ARI BARROSO ERA BOSSA-NOVA E NÃO SABIA

O álbum, com dez faixas de BN ainda teve lugar para homenagem à MPB “antiga”, com Pra machucar meu coração (Ari Barroso) e Doralice (Caymmi). Coisas de João Gilberto. João e Stan Getz voltaram a gravar juntos em 1975 (The best of two worlds featuring João Gilberto) quando, segundo João Lins de Albuquerque (Conversações – Editora Cultura/2008), as relações deles ficaram ainda mais azedas. No vídeo, a inesquecível Corcovado, de Tom Jobim, com Astrud (voz), João Gilberto (voz e violão), Tom Jobim (piano), Stan Getz (sax tenor) e Milton Banana (bateria). Momento raro da canção brasileira, ao alcance de um clique.

(O.C.)

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(O.