Tempo de leitura: 3 minutos

Jurema Barreto | juremacintra@hotmail.com

Uma bolsa de sangue não era o bastante, pedi a mobilização da Comissão de Direitos Humanos da OAB Itabuna. Precisamos acompanhar este caso de forma emblemática e espero que a família aceite a intenção de diversos advogados criminalistas.

Estava indo para meu escritório de advocacia, como faço todos os dias, ouvindo rádio AM para me inteirar das questões grapiúnas, acho mais interessante. O jornalista convocou as pessoas para doar sangue à jovem Ingrid Katiuschia, vítima de um ato bárbaro de violência contra mulher ocorrido há pouco.

Ingrid está em estado muito grave. Fiquei desolada, e, naquele momento de choque, em que a vida daquela mulher encontrava-se por um fio, me vi numa situação de extrema reflexão e dor, pois como mulher sinto que eu, nós, milhares de outras mulheres também estamos por um fio. Que a qualquer momento nós podemos entrar nessa terrível estatística de homicídios.

Fomos condenadas e até ridicularizadas quando percorremos a Cinquentenário, na Marcha das Vadias, mas um cartaz maravilhoso dizia: “Isto não é sobre sexo, isto é sobre violência.” Assim, com todo o estresse da notícia, comecei minha jornada pelo Sangue e Suor de Ingrid. Liguei para rádio e convoquei as mulheres de Itabuna a irem ao Banco de Sangue. Não é só de sangue que ela precisa, é de apoio, é de mobilização, de um grito de “Basta”, “Chega”.

Ingrid precisa viver, para que vivo seja nosso sonho de estar em mundo sem violência, um mundo em que possamos gozar plenamente da liberdade e desfrutar dela sem o câncer do machismo. Rogério não atropelou somente Ingrid. Ele esmagou com seu carro a mulher que está dentro dela, que está tem dentro de mim; ele esmagou e tentou destruir a coisa mais importante que conquistamos a duras penas: nossa liberdade. Ele queria esmagar tudo de feminino que tinha nela, ele queria estraçalhar com sua arma mortal de uma tonelada o seu objeto de desejo: o corpo e a vida de Ingrid.

Homens mandam na política, na economia, nas contas públicas, nos tribunais, homens são maioria nos postos de poder e Rogério está nessa maioria de homens que querem mandar no mundo inteiro, querem ser deuses e decidirem sobre a vida e a morte de suas mulheres. E, pior, querem dominar seus corpos e desejos. Mandar em nossos corações, em nossos destinos.

Estou cansada desse discurso falso moralista e hostil de que as mulheres vítimas de agressão seriam culpadas, pois teriam condutas reprováveis. Precisamos desconstruir esta ideia, este mito, pois, além de lutar contra violência física, ainda lutamos diariamente contra a violência simbólica. Ingrid, e nenhuma mulher, pediria para ser atropelada, esmagada, arrastada por um carro. Nenhuma mulher merece ter seus ossos quebrados, sua carne exposta, seus órgãos amassados – e seu sangue lavou as ruas desta cidade violenta.

Viver de forma autônoma e independente é algo reprovável? Ser feliz afeta tanto assim os homens? Nossas vontades e escolhas precisam ser respeitadas. Fiz pouco! Uma bolsa de sangue não era o bastante, pedi a mobilização da Comissão de Direitos Humanos da OAB Itabuna, precisamos acompanhar este caso de forma emblemática e espero que a família aceite a intenção de diversos advogados criminalistas que já se prontificaram a serem assistentes de acusação no Inquérito e no futuro processo.

A condenação da Justiça é necessária e essencial, mas acredito que somente uma mudança de mentalidades poderá nos salvar. Esse sangue de Ingrid rasgou meu coração, invadiu minha alma e à Ingrid darei todo meu sangue e todo meu suor!!!

Jurema Barreto é advogada e ativista em Direitos Humanos.