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CÍCERO, O SENADOR QUASE SANTIFICADO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1CíceroVoltemos, promessa é dívida, à Roma de César, Pompeu, Brutus, Catilina, Marco Antônio e, sobretudo, de Cícero, que é nosso compromisso. Os que bebem na história “oficial” sabem que Marco Túlio Cícero, além de orador extraordinário, é cidadão romano “compassivo e culto”, “honrado e desprendido”, “dotado de princípios de dever, bondade e espírito público”, “refinado e amável”, “um dos filhos mais diletos de Roma”, “uma das mais preciosas joias do Império”, “que se recusou a viver numa tirania”, pondo-o a poucos passos da santificação. Já os revisionistas (que opõem Cícero a Júlio César) discordam desse festival de louvações.

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O patife mais desprezível da história

Entre americanos e britânicos “os ciceronianos são 95% e os cesarianos são um punhado”, diz o historiador Arthur Khan, integrante do punhado. Esses estudiosos não alinhados atribuem a Cícero uma atividade de caça às bruxas (pessoas que “ameaçavam” a aristocracia). Era “pena alugada”, como se diria mais tarde. Encontro entre os cesarianos o alemão Friedrich Engels (alma gêmea de Marx), que chamou Cícero de “o patife mais desprezível da história”. Vindo de baixo, sem a dita nobreza de origem, o orador pôs sua eloquência a serviço dos poderosos e enriqueceu no combate a qualquer ideia de democracia, pois “só os ricos devem governar”.

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3J CésarCapitalizando o medo da aristocracia

Combateu o voto secreto, por impedir aos ricos saber o que a plebe pensava. Para ele, diz o cientista político Michael Parenti, o povo era “rasteiro e imprestável”, “manada pronta para a revolução”, “bando de criminosos e degenerados”, que “participa de manifestações de massa e suga o tesouro”. Reacionário e oportunista, disputou o consulado com Catilina (lembram das Catilinárias?) e usou este para capitalizar o medo dos ricos, método político ainda vigente hoje entre nós. Cônsul, mandou executar “conspiradores” ligados a Catilina, sem julgamento. Anos depois, foi executado, também sem julgamento, a mando de Marco Antônio.

NÃO HEI DE METER A COLHER EM TAL ANGU

Literatura regional em tempo de festa
Falo da canção Eu te amo (Tom Jobim-Chico Buarque): “Se nós nas travessuras das noites eternas/ já confundimos tanto as nossas pernas/ diz com que pernas eu devo seguir…”, e “Na desordem do armário embutido/ meu paletó enlaça teu vestido/ e o meu sapato ´inda pisa no teu”. Penso ser esta uma das melhores letras românticas da MPB. Muitas vezes analisada, ganhou rasgados elogios, mas um exegeta, pelo menos, tentou azedar o tom (ai!) dos louvores: diz que se trata de um plágio de poema de Gregório de Matos. Nesse angu não hei de meter minha modesta colher de ouvinte, pois meu interesse na letra é outro.
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5CartagoGeneral modelo histórico de crueldade

O trecho “Ah, se ao te conhecer/ dei pra sonhar, /fiz tantos desvarios/ rompi com o mundo,/ queimei meus navios…” me serve de gancho para retomar aquela presença da mitologia em nossa linguagem: queimar os navios, significando uma decisão sem volta, remonta ao século IV a. C., quando um certo general Agátocles (que nome!), tido como modelo histórico de crueldade, mau, feito um pica-pau (mandou degolar os próprios filhos), levou seu exército de navio até Cartago (na foto, ruínas), e lá fez uma fogueira com as embarcações. Sem poder voltar, os soldados sabiam que o preço do fracasso era a morte. Se venceram ou morreram, não sei.

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Conquistadores não perdoavam: matavam

Próximo a nós (México, século XVI), houve um episódio parecido, quando o espanhol Fernão Cortez queimou os navios. Embora haja versões afirmando que o espanhol foi outro, Pizarro, pesquisadores confiáveis as desmentem. E tampouco Cortez queimou as embarcações, a não ser figuradamente: ele as destruiu, ao sentir que seus soldados tinham medo de embrenhar-se em território estranho. O resultado é o mesmo: sem transporte para casa, eles partiram para a jugular dos nativos. No México, no Peru e em Ilhéus (Francisco Romero), os espanhóis não brincaram de matar nativos, mataram. E a gentil leitora, se mal pergunto, já queimou os navios por alguém?

ARMSTRONG, OU COMO CANTAR SEM LETRA

7RitinhaQuem já ouviu algum vocalista de jazz sabe o que é scat, aquela forma de “cantar” sem a letra da música, o que é feito por muitos deles. Sons são emitidos, na base do dá-bá-dá-bá-dá, que exige fôlego, garganta e noção de ritmo. É o mesmo que cantar, mas sem versos. Diz a lenda, sem obter aval de nenhum pesquisador sério, que o inventor dessa coisa foi Louis Armstrong: durante uma execução, ele deixou cair o papel em que estava a letra e não se deu por achado, tirando tudo no scat (há quem diga que, anos antes, um cantor não famoso já fizera o mesmo). Segundo os críticos, o Brasil tem uma especialista em dá-bá-dá-bá-dá: a grande Leny Andrade, que, todo mundo sabe, é a cara da também grande Ritinha Dantas (foto), de sorriso aberto e franco.
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Para alguns, o scat é “indispensável”

Nem todo os intérpretes utilizam esse recurso, que certo público identifica como “indispensável”. É bom lembrar a “opinião” de duas cantoras do topo da tabela do jazz: Sarah Vaughan muito pouco se valeu do scat; Billie Holiday, simplesmente, não o usava. Ella Fizgerald (a outra das três grandes cantoras negras) e a branquela Anita O´Day foram cultoras fiéis do dá-bá-dá-bá-dá. Por mera curiosidade (tenho dúvidas se não seria preferível o canto, sem firulas, valorizando a letra), mostramos aqui a soberba Ella (Festival de Montreux, 1977), num longo scat singing de Samba de uma nota só – clara e merecida homenagem a Tom Jobim e Newton Mendonça.

O.C.

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PESADELO: OS BÁRBAROS ESTÃO CHEGANDO?

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

1La FontaineTive um sonho (melhor: pesadelo) em que os Estados Unidos se preparavam para invadir o Brasil. Um amigo, a quem consultei sobre a estranha premonição, analisou o quadro e me diagnosticou com uma só palavra, pronunciada entre dentes e com olhar de pena: “Paranoia”. Sem me dar por vencido, argumento que eles consideram os três últimos governos brasileiros (Lula-Lula-Dilma) como “anti-americanos”; digo que aqueles gringos se acham os xerifes do mundo, com direito a invadir qualquer espaço, em nome da “democracia” ou mesmo em nome de coisa nenhuma. Lembram da fábula “O lobo e o cordeiro”, de La Fontaine? O lobo buscava razões para comer o cordeiro…

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Sob as justificativas de fome e força

Não encontrou motivos, mas o borrego foi almoçado assim mesmo, sob as suficientes justificativas de fome e força. Os americanos queriam invadir o Iraque, criaram o manto (ou o mito) das armas químicas e lá foram. Não encontraram tais armas, mas quem estava interessado nisso? Meu amigo me aconselha a abandonar a ficção e cair na real: “Tá certo que os americanos não são flores que se cheire, mas eles têm maiores preocupações do que o Brasil, pois vão invadir o Irã”. Não desisto. Eles já invadiram Cuba (bem menos importante do que o Brasil) e aqui, em 1964, derrubaram um presidente eleito e treinaram torturadores para o regime militar. E depois do Irã?

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Ele queria dobrar Lula e não conseguiu

Noto que, com essas lembranças, ele se mostra de semblante ensombrado. Aproveito o ferro quente, e malho, com esta pergunta: Qual foi o primeiro país latino-americano que Obama visitou? E ele responde, orgulhosão: “Brasil!” Pois é, digo, à  moda de Ataulpho Alves. Ele queria dobrar Lula e não conseguiu; depois, quis dobrar Dilma (quem é ele, tão fraquinho, pra enfrentar Dilmona!), não conseguiu… Quis dar uma de araponga, se ferrou, pois a velha Dilma descobriu a safadeza e até cancelou a visita… “Nada disso tem peso diplomático…”, disse ele, pouco convicto. Aí, fui-lhe à garganta: E o petróleo do pré-sal? Ele pôs as mãos na cabeça: “Meu Deus!”

ENTRE PARÊNTESES, OU

4convite2Literatura regional em tempo de festa
A Editus, editora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) promove de 21 a 24 deste mês a I Feira Universitária do Livro, uma espécie de festa da literatura regional. Nomes como Aleílton Fonseca, Ruy Póvoas, Cyro de Mattos e Antônio Lopes terão o lançamento coletivo de escritos seus publicados pela Editus.  Aleílton e Ruy, além de autografarem suas produções recentes, terão um “papo literário” com a plateia, quando discorrerão sobre o tema “Novas leituras, novos leitores” – isto tudo no dia 21, às 19 horas, no Auditório Paulo Souto.  No dia 23, teremos Daniela Galdino, Aquilino Paiva e Gustavo Felicíssimo discutindo a literatura grapiúna de hoje (sala de treinamento da CDRH às 9 horas).

“O MUNDO EVOLUIU. É UMA PENA DANADA”

5PattonO general Patton, saudosista incorrigível (interpretação magistral de George C. Scott), diz a Dick, seu ajudante de ordens, que gostaria de decidir, pessoalmente, a II Guerra: “Rommel no tanque dele, eu no meu. Pararíamos a uns 20 passos, apertaríamos as mãos, depois combateríamos, só nós dois. O combate decidiria a guerra”. Responde o subordinado: “É uma pena que os duelos tenham saído de moda. É como sua poesia, general, não faz parte do século XX”. E o general, com ar tristonho: “Tem razão, Dick. O mundo evoluiu. É uma pena danada”. As frases estão no magnífico Patton – rebelde ou herói?, de Frank J. Schaffner.
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Sem bom texto, não existe bom cinema

A publicitária carioca Mariza Gualano, fã de cinema, selecionou cerca de 840 frases de mais de 600 filmes, para o livro Ouvir estrelas. Aqui, aproveitando o tema, algumas frases sobre guerra: “Acusar um homem de assassinato por aqui é como multar alguém por excesso de velocidade na Formula Indy” (Martin Sheen, em Apocalipse); “Eu não sirvo para a guerra, pois dormi com a luz acesa até os 30 anos” (Wood Allen, em A última noite de Boris Grushenko); “Sobreviver é a única glória da guerra” (David Carradine, em Agonia e glória); “Eu gosto do cheiro de napalm de manhã. Cheiro de… vitória” (Robert Duvall, em Apocalipse).

A BOA MÚSICA BRASILEIRA “IMPORTADA”

7Leny AndradeA baiana Rosa Passos é um desses acontecimentos comuns à MPB: cantora que, a exemplo de Virgínia Rodrigues, Bebel Gilberto e Leny Andrade (foto), para citar apenas três) é mais conhecida no exterior do que no Brasil (observe-se que Leny Andrade é a cara da simpática professora itabunense Ritinha Dantas!). CDs dessas artistas são pouco encontrados nas lojas, dando a eles características de “importados”. Voltemos a Rosa, para dizer que ela é fã ardorosa de João Gilberto, segue-lhe os passos (ai!), toca violão ao estilo dele. Chegou a gravar um disco chamado Amorosa, que repete o Amoroso de JG, acrescido de umas poucas faixas. Mas Rosa Passos não pretende ser nenhum “João Gilberto de saias”.
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Presença de duas feras  internacionais

A expressão desrespeitosa foi empregada por um repórter, que ouviu o que não queria. Rosa Passos é Rosa Passos, cantora e compositora de recursos próprios – e diz do seu ídolo aquilo que muitos colegas seus sentem, mas nem sempre expressam claramente: “João Gilberto amigo/ eu só queria/ lhe agradecer pela lição”, canta a artista, em “Essa é pro João”, faixa nove do CD “importado” Amorosa. Prova do prestígio de Rosa Passos “lá fora” é a presença nesse disco de duas feras internacionais: o clarinetista cubano Paquito D´Rivera e um grande nome do jazz na França (falecido em 2008, aos 90 anos), Henri Salvador.

O.C.

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JORNALISMO NO TEMPO EM QUE SE SONHAVA

Ousarme Citoaian

Em outros tempos e costumes, o jornalismo era praticado como uma espécie de sacerdócio (o termo foi mais comumente usado para os professores e vai aqui empregado por falta de outro mais adequado). Habitadas por poetas e boêmios, as redações muito diferiam de hoje, pois tinham poucos “profissionais” e muitos sonhadores. Era a época do revisor (que escoimava o texto de eventuais solecismos) e do copidesque (garantia de que o texto saisse da oficina sem um defeito). Mas o meu preferido nessa fauna sempre foi o mancheteiro, o cara que fazia as manchetes.

RAPIDEZ, CRIATIVIDADE, PODER DE SÍNTESE

Fazer boas manchetes não é fácil: exige do redator poder de síntese, rapidez e criatividade, dizer o que precisa num espaço limitado (a quantidade de toques)  – e fazer isto tudo sob pressão do tempo, pois a gráfica está gritando que é hora de fechar. O jornalista Wilson Ibiapina reuniu algumas jóias de craques na complicada arte das manchetes. Uma de Felizardo Montalverne (chefe de redação do Correio do Ceará): “Todo fumante morre de câncer, se outra doença não o matar primeiro”. No Rio, O Dia teve um dos mais famosos mancheteiros de nossa imprensa: Santa Cruz. Vejamos alguns casos, a seguir.

JÂNIO EM CAMPANHA: DA FARSA À COMÉDIA

Sobre a mulher traída que castrou o marido: “Cortou o mal pela raiz”; ao padre prefeito que autorizou o aumento do preço da carne: “Padre não resiste à tentação da carne”. É comum que suicidas se joguem da ponte Rio-Niterói, mas o delegado Almir Pereira preferiu dar um tiro na cabeça, e A Notícia viu assim o tresloucado gesto: “Atirou em vez de se atirar”. Jânio (foto) volta do exterior em 1962 e desfila num bonde de Vila Maria, em São Paulo, com boné de motorneiro. A manchete da Última Hora foi “Jânio Quadros: da farsa da renúncia à comédia da volta”. É a minha preferida.

MORRO DESMORONA SOBRE CANDIDATA DO PT

Os grandes jornais, perdida a antiga verve, se nivelam em falta de graça. Os regionais tratam o leitor como se criatividade fosse artigo proibido nas redações. Duas manchetes ilustram bem os dois casos: o JB (recentemente falecido), em 10/2/2010, ao anunciar a vitória da Beija-Flor, exaltou a segunda colocada: “Tijuca, inovadora intrusa no reino da Beija-Flor”; o Agora (de Itabuna), em 27/10/2010: “Serra esmaga Dilma em debate da Record”. Da primeira, nada se entende. A segunda nos faz pensar que uma serra (ou um morro) deslizou sobre o estúdio da tevê, levando a presidenta desta para melhor.

TROCADILHO: UMA “FEBRE” RECIDIVANTE

No começo do século XX, o trocadilho (do francês jeu de mots = jogo de palavras) era quase uma febre. Depois, como toda moda, perdeu o encanto e passou até a ser considerado coisa de mau gosto, subliteratura. Pois eu o acho estimulante, desde que feito com inteligência e oportunidade. A política, bom campo para esse exercício, me traz à memória três casos: 1) Getúlio Vargas, dito “Pai dos pobres”, foi chamado por um opositor de “Mãe dos ricos”; 2) à divisa integralista “Deus, Pátria e Família”, o Barão de Itararé (foto) respondeu no seu A Manha com “Adeus, Pátria e Família”; 3) em final de campanha, Dilma surpreendeu, ao dizer: “a oposição está de serra abaixo”.

ANTÔNIO VIEIRA (O PADRE) ERA DO RAMO

Trocadilhos, versos mordazes, críticas candentes aos costumes da época (sobretudo aos políticos) fizeram a fama do mais perverso dos trocadilhistas brasileiros, Emílio de Menezes. Tal gênero também foi cultivado, pasmem, pelo circunspecto padre Antônio Vieira. É de sua lavra a frase “Com tais premissas ele sem dúvida leva-nos às primícias”. De Emílio (que atirou seu veneno sobre Ruy Barbosa, a Academia Brasileira de Letras e quem mais estivesse próximo) todos sabem pelo menos um dito espirituoso, pois eles existem à mancheia no livro clássico Emílio de Menezes, o último boêmio (Raimundo de Menezes/1949, Coleção Saraiva, só disponível nos melhores sebos).

ALBERTO HOISEL, O SATÍRICO DA REGIÃO

Deixando de lado os nacionalmente famosos, não resisto a citar alguns calembures da lavra do satírico ilheense Alberto Hoisel, do livro Solo de Trombone (Antônio Lopes/2001, disponível na Editus/Uesc). Sobre o advogado Tandick Rezende, baixinho (pouco mais de 1,50 m), parceiro de cerveja, Hoisel deu a sentença: “Ele bebe para ficar alto”; quando o ascensorista o avisou de que o elevador do Banco Econômico estava “quebrado”, ele se deu por feliz: “Ainda bem que não foi o banco”; o atraso no noticiário do Diário da Tarde ele analisou assim: “Com vocação vitalícia/ Para a imprensa sem alarde/ Até a própria notícia/ Nosso diário dá…tarde!”.

TROCADILHISTA QUE NÃO TROCA DE LISTA

A quadrinha satírica tem no trocadilho uma ajuda decisiva para sua força, graça e maldade, como mostra o satírico ilheense. Certo Nacib definiu Alberto como “um dos maiores trocadilhistas do país” e ele fez sua profissão de fé integralista ao responder ao elogio: “Se a exceção foge à regra,/ Nacib que tenha em vista:/ Este é um que a lista integra/ E nunca troca de lista”. Ou, escrita num guardanapo na boate Night and Day (Rio de Janeiro), homenagem ao jornalista Fernando Leite Mendes (na foto, ao microfone), seu companheiro de mesa: “Lei! Tu sempre foste errada,/Por isso ninguém te entende…/E sem que faça piada/Eu te digo: ´Lei, te emendes!´”.

ELIS SE ACHAVA A PRÓPRIA LIZA MINELLI

Procuro no Google e não encontro (prova de que nada é perfeito) este causo envolvendo Elis Regina e o (dentre outras coisas) produtor musical Luiz Carlos Miéle. Então, vamos à memória: a cantora, recém-chegada de Porto Alegre, novinha em folha, discutia com o produtor o cachê para um show no Beco das Garrafas, reduto da Bossa-Nova nos anos sessenta, no Rio de Janeiro. Quando disse o preço, Miéle estrilou: “Você acha que é alguma Liza Minelli?” – e a desconhecida e ousada Elis Regina respondeu, na tampa: “Acho”.  Elis era assim: corajosa, atrevida, competitiva, sabendo onde ficava o próprio nariz (um pouco arrebitado, é verdade).

A IMPRESSIONANTE MUDANÇA DAS COISAS

Miéle (foto), hoje com mais de 70 anos, está envolvido em muitas dessas histórias engraçadas, algumas como personagem central. Como esta, que o mostra um tanto desligado do mundo. Ele conta que, há alguns anos, entrou numa loja de música e pediu para ver uns discos de Frank Sinatra. O vendedor fez cara de compaixão, como se achasse que o cliente estava esclerosado. Ofendido com o aparente desdém do cara, Miéle reclamou: “Vai me dizer que nesta loja não existe disco de Frank Sinatra?”, ao que o vendedor, como se falasse a uma criança, explicou: “Não, Miéle, é que não existe mais disco”. O produtor saiu, dizendo-se “triste, com a impressionante mudança das coisas”.

NO BRASIL SÓ DUAS CANTORAS: “GAL E EU”

Voltemos a Elis Regina. Muitos anos e declarações polêmicas mais tarde, ela – falando de cantoras brasileiras – disse: “No Brasil, só há duas que cantam, Gal e eu”. Se aceitássemos como verdadeira esta apaixonada avaliação, só nos restaria uma grande cantora (Elis morreu em 1982, aos 37 anos). Sem critérios técnicos, mas apenas por preferência, acho que as duas são nossas maiores intérpretes. Prefiro Elis, pois vejo certa frieza técnica em Gal, mesmo assim “a cantora” baiana. Minha lista tem Alcione, sem esquecer que Ângela Maria é referência nacional, até para Elis Regina. E ela estava em dia de modéstia: disse “Gal e eu”, não “Eu e Gal”.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

UMA CANÇÃO QUE “TODO MUNDO” GRAVOU

Wave, um dos temas mais famosos de Tom Jobim, teve a versão cantada lançada por João Gilberto, no disco Amoroso, de 1977. Depois, ganhou o vasto mundo nas gravações de artistas diversos, dentre os quais Gal Costa, o próprio Tom, Ella Fitzgerald, Rosa Passos, Elis Regina, Sarah Vaughan, Leny Andrade (foto), Stan Getz, Joe Henderson, Wilson Simonal, Frank Sinatra e Anita O´Day (que abria e encerrava seus shows com esta música). No vídeo, Gal, impecável como sempre.

(O.C)

(O.C.)

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QUEM AINDA LÊ GILBERTO AMADO?

Ousarme Citoaian

Dia desses falamos aqui, incidentalmente, em Gilberto Amado – por extenso, Gilberto de Lima Azevedo Souza Ferreira Amado de Faria (foto). Ensaísta, cronista, romancista, memorialista político, diplomata, GA, da Academia Brasileira de Letras (ABL), é um desses escritores que ninguém mais lê. Igual a Afrânio Peixoto e Graça Aranha. Nascido em Estância/SE, Gilberto foi o primeiro de uma prole de 14 filhos do casal  Melchisedech Amado de Faria e Ana Amado, a Donana (quem neste mundo ainda se chama Melchisedech?). A família teve outros intelectuais: os irmãos Genolino (também da ABL), Gildásio e Gílson, além dos primos James e um certo Jorge  Amado. Pois é: Gilberto é sobrinho de João Amado de Faria, pai de Jorge.

SEU MELCHISEDECH E O “G”

Pôr na filhara nomes com a inicial G era direito de que seu Melchisedech (foto) não abdicava. Conta-se que, ao nascer mais um rebento, o velho esfregou as mãos, de contente. “É mais um com G”, comemorou. Aí, a surpresa: a mulher lhe disse que, devido a uma dificuldade na gravidez, fizera a promessa de que dariam ao filho o nome de José. Seu Melk ficou inconsolável, mas não desistiu do intento. Pensativo, mediu a sala do casarão em passos largos durante toda aquela manhã e no começo da tarde entrou no quarto de Donana, já com a solução em punho. “Ana, vamos botar nele o nome de José, sim, mas em italiano!”. Batizado e registrado como Giusepe Amado, o novo sergipano passou a reforçar o time do G.

JUSSARI QUASE VIRA “GILENÓPOLIS”

Antes que perguntem, não sei os nomes dos 14 filhos (há quem diga que são 15) de seu Melk e Donana. Só Gilberto, Genolino, Gentil, Gildásio, Gildo, Gennyson (o caçula), Giusepe, Genoline (que morreu aos sete anos), Gillete e Genne.  Deixei por último, de propósito, um que se fez político famoso no Sul da Bahia, a partir de Itabuna: Gileno Amado, que por pouco não ligou seu nome ao município de Jussari (foto) – que passaria a se chamar… Gilenópolis! A frase que citei de Gilberto foi “não escrevo sem dicionário” (por algum tempo, pensei que fosse minha!). Mas há outra, ótima, a propósito de chatice: “chato é aquele sujeito que nos rouba a solidão sem nos fazer companhia”. Gilberto Amado definiu, soi-disant, Jararaca Ensaboada.

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DE SONHOS E PESADELOS

Noite dessas, após jantar exageradamente, recolhi-me ao leito, na expectativa de sonhos impublicáveis. Imaginava que Morfeu me presentearia com a vizinha do 6º andar, ou, na hipótese menos otimista, com Anamara Brito (foto). Antevendo um mar de bandalheiras noite adentro, adormeci, tendo nos lábios um sorrizinho prenunciador de safadezas mil. Vã esperança, traumatizante experiência. Ia alta a madrugada, quando fui surpreendido por estranhíssimo sonho: visitou-me a vizinha, mas, antes que algo relevante entre nós ocorresse, ela – tão rapidamente quanto surgiu – esfumou-se, desapareceu no ar, escafedeu-se, dando lugar a uma figura a princípio indefinida, mas que logo se materializou: era a ex-PM Anamara Brito, inteiramente desfardada, se é que vocês sabem do que estou falando…

JOTAÉ ATACA EM ALTA MADRUGADA

“Maravilha!” – pensei com os botões do pijama – calculando que, mesmo sem a vizinha difícil, eu ainda estava em alto lucro. Mas o inesperado me fez uma surpresa, mudando o sonho em pesadelo: em meio a meus planos maquiavélicos envolvendo a ex-policial, eis que ela, por artes e manhas que nem o velho Freud explicaria, se transformou em… Jararaca Ensaboada! E esta, multiplicada por dois em altura, largura, peso e más intenções, danou-se a me abraçar, beijar, apertar e lamber, com tamanho estoque de descarações que me fez despertar transido de pavor, já a cama em feitio de lagoa, tantos eram os suores. Quando abri estes olhos cansados, estava em desabalada carreira em direção à janela, acho que na busca de socorro urgente. Com a luz do sol nascente, dissipou-se o delírio e ficou-me uma decisão radical: doravante, à noite, só comida leve.

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BIZARRO: GENTIL, NOBRE, GARBOSO

“Como vai essa bizarria?” – perguntava Olavo Bilac a Emílio de Menezes (foto), na rua do Ouvidor, em 1920. Bizarria é qualidade de quem é bizarro, sabemos, mas o poeta parnasiano, ao se dirigir ao colega nestes termos, não queria ofendê-lo. Ao contrário: bizarro (está nos dicionários) é “gentil, nobre, generoso, bem-apessoado, bem-parecido, garboso, vestido com elegância, alto e esbelto, elegante e loução, generoso e liberal”. E também “fanfarrão, jactancioso, extravagante, esquisito e excêntrico”. Curioso é como bizarro perdeu todo o seu poder de agradar, restando-lhe somente a raspa dos dicionários, a face pior do termo. Os jovens, se vêem um sujeito com uma melancia pendurada no pescoço, umas roupas estranhas, cabelo idem e sapatos de duas cores logo o rotulam: bizarro.

SUPRASSUMO DO MAU GOSTO

As palavras têm vida própria. Nascem, se desenvolvem, envelhecem e morrem no descaso das novas gerações. É o caso de bizarro, que não tem, em nossos dias turbulentos, o mesmo sentido que se lhe davam poetas, prosadores e o povo em geral no início do século XX. O termo se transformou, de sorte que a imensa maioria dos falantes do português (no Brasil, ao menos) associa bizarro a ofensa. Na acepção hipoteticamente usada por Bilac (foto) ele hoje é um arcaísmo, uma velharia. Há muitos outros que a turma passada dos 40 aninhos ainda se lembra. Por exemplo, teteia (mocinha atraente, delicada, mimosa – segundo a média dos dicionários). Se eu dissesse à vizinha do 6º andar que ela é uma teteia, aí sim, teria a certeza de ser  ignorado até o fim dos tempos. Antes, teteia era o suprassumo do elogio; hoje, do mau gosto.

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UM CHUTE EM JOÃO MANGABEIRA

O PSB demorou a se pronunciar sobre o assassinato de professores em Porto Seguro, e quando o fez mostrou ter perdido a oportunidade de permanecer calado. Em nota “manifesta, de público, sua recusa em qualquer conivência com qualquer tipo de crime contra a vida e contra o patrimônio público”. Apesar da frase mal construída, percebe-se que o partido nega cumplicidade (”conivência”) com os crimes contra a vida e o patrimônio. É pouco.  O cidadão medianamente informado conhece, até porque muito os vê praticados, vários tipos de crime: contra a vida e o patrimônio público, sim, mas também contra a honra, a dignidade sexual, o meio ambiente, o patrimônio histórico, a administração da justiça, a economia popular… Como foi escrita a nota (“quem não sabe rezar…”), fica a impressão de que, tirando o patrimônio público e a vida, outro tipo de crime… pode!  O aguerrido João Mangabeira (foto) está subindo pelas paredes da tumba.

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A “VINGANÇA” DE LENY ANDRADE

Leny Andrade (foto) não gosta de ser chamada de jazz singer. “Sou uma cantora de música brasileira”, reagiu certa vez ao comentário de um jornalista americano. Mas não se pode negar em seu fraseado a influência (benéfica) das grandes vocalistas do jazz. No fim dos anos noventa, esteve em nossa região, para um show no Teatro de Ilhéus, quando, com seus maravilhosos scat singings, não conseguiu encher mais de um quarto do recinto. Vingou-se. Subiu num avião e, quatro dias depois, apresentou-se no Carnegie Hall, em Nova Iorque, tendo na primeira fila, a bater palmas para ela, um senhor chamado Tony Benett. Nada mau para uma cantora branca.

JOHNNY ALF, UM MESTRE DA MPB

O pianista, cantor, compositor e mestre da MPB Johnny Alf (foto), nome artístico do carioca Alfredo José da Silva, morreu na quinta-feira, dia 4, em Santo André-SP, aos 80 anos. Ele estava submetido a quimioterapia contra um câncer de próstata, há seis meses. Rotulado como “precursor da bossa-nova”, Alf foi bem mais do que isso, atuando durante mais de meio século e influenciando a MPB contemporânea. Sua Ilusão à toa, composta nos anos cinquenta, é um clássico que já inspirou Ronaldo Bastos e Lulu Santos (Um certo alguém) e Caetano Veloso (Amor mais que discreto).

“SEU NOME EU NÃO DIGO”

“Ilusão à toa” teve gravações de Elis Regina, Gal Costa, Alcione, Leila Maria (foto), Eliseth Cardoso, Caetano, Gilberto Gil e outros. Na letra codificada, uma situação é sugerida, mas não esclarecida. Por deixar no ar o sentimento de que “o seu nome eu não digo” – o tema é muito festejado pelo universo homossexual. Tanto que foi incluída no CD Canções de amor de iguais, de Leila Maria (compositora, em 1997, de Bom é beijar, que tem versos como bom é beijar, não importa se é cavalheiro ou dama.

MINHA CANÇÃO PREFERIDA

Voltando às preferências sexuais consideradas “ortodoxas” (ou “caretas”?), devo dizer que dentre as canções que sei de Johnny Alf (Duas contas, Eu e a brisa, Rapaz de bem…) Ilusão à toa é a minha preferida. Sozinho, entre quatro paredes, faço dela minha trilha sonora com a vizinha do 6º andar, aquela que passa e não me olha, sem saber que, apesar de tudo, a mim me apraz essa ilusão à toa… E antes que mergulhemos na lamentável subliteratura sem volta, vamos à arte, propriamente dita: Leny Andrade e Ilusão à toa (o show foi em NI, naturalmente). Depois, Gilberto Gil (foto) com participação de Johnny Alf, numa leitura mais jazzística de Eu e a brisa.

(O.C.)