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O Trombone

O jornalista e escritor  sulbaiano  Daniel  Thame é um  dos convidados da  Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), que acontece de 17 a 21 de outubro no  Recôncavo Baiano. Este ano, a Flica fará homenagens aos centenários de Nelson Rodrigues e Jorge Amado.

Autor dos livros Vassoura,  A Mulher do Lobisomem  e Jorge100anosAmado- tributo a um eterno Menino Grapiúna, editados pela Via Litterarum, Thame participa,  no dia 20,  de uma mesa redonda com o tema “Jorge Amado e os contextos de Terras do Sem Fim e Gabriela”, ao lado da escritora norte-americana Mary Ann Mahony.

Entre os convidados para a Flica 2012 estão  confirmados escritores do Brasil,  Estados Unidos, Espanha,  Portugal, Angola, Nigéria e Togo. A filha de Nelson  Rodrigues,  Sonia Rodrigues, participa da mesa redonda em  homenagem  ao pai. A  Flica será  realizada no  Convento do Carmo e terá ainda espaços como  Casa da Rede, Varanda do Sesi e Pouso da Palavra.

A Flica tem o patrocínio da Coelba e Governo do Estado da Bahia (através do Fazcultura, Secretaria de Cultura, Secretaria da Fazenda) e Petrobras, e apoio da FIEB/SESI e Bahiatursa, apoio institucional da Prefeitura de Cachoeira, e realização da Putzgrillo! Cultura e Icontent.

Veja a programação completa da Flica 2012 em www.flica.com.br

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Personagem Ramiro Bastos e sanfoneiro lembram Amado e Gonzagão (Foto Pimenta).

O escritor Jorge Amado e o “Rei do Baião”, Luiz Gonzaga, foram os grandes homenageados no desfile cívico do 7 de Setembro em Itabuna, no sul da Bahia, terra do autor de obras como Gabriela cravo e canela, Terras do sem fim, Capitães da areia.

O público foi o maior já visto nos últimos anos, puxado pelo feriadão. Cerca de 20 mil pessoas ocuparam as calçadas da Avenida do Cinquentenário para acompanhar os desfiles de entidades e escolas particulares e das redes estadual e municipal.

Estudantes vestidos como personagens de obras que imortalizaram Jorge Amado ou carregando instrumento musical que tornou Luiz Gonzaga o rei de um estilo marcaram o desfile. Fanfarras de escolas municipais e estaduais de Itabuna e de Ubaitaba agitaram o público.

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Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

A vida há de ser lida no original, pelos nossos olhos, não pelos olhos dos outros. Mesmo assim, o texto interpretado por pessoa mais experiente nos ajuda a entendê-lo. Pensei nisso relendo o poema de Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada(que todo mundo conhece, nem que seja vagamente). É exemplo acabado de “escapismo romântico” – forma de evadir-se da realidade desagradável, o que os poetas fazem usando o devaneio, a imaginação. No caso, Bandeira “muda-se” para Pasárgada (um lugar perdido na Pérsia), onde as coisas acontecem de forma contrária ao seu dia a dia cheio de limitações. O poeta era tuberculoso – e esta informação é indispensável para que a gentil leitora entenda o poema.

Clique aqui e confira a coluna Universo Paralelo na íntegra

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A DOCE VIDA QUE VEM EM ONDAS DE CARINHO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

É doce viver aqui, embalado pelas ondas do carinho de tantas pessoas. É também doce agradecer a todos os que gastaram tempo para abrir e ler esta página do Pimenta e que, como se já não tivessem feito esforço suficiente, ainda postaram comentários que me emocionam – e, hélas!, aumentam  minha responsabilidade. Volto a Jorge Amado para, mesmo a voo de pássaro (adoro esta expressão, do francês à vol d’oiseau), dizer que não pretendi fazer análise literária: em terra de Margarida Fahel, Ruy Póvoas, Tica Simões (foto), Hélio Pólvora, Jorge Araújo e outros, a prudência me recomenda o silêncio nesse campo. Quis destacar em Jorge Amado, tão somente, a luta política. E, ainda assim, disse pouco.

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Escritor que não foi “coelho assustado”

Não conheço na literatura brasileira obra social e vida mais densas, identidade maior com nossa gente do que teve Jorge Amado. Às vezes tangenciando o “romance operário”, de feição panfletária, ele apresentou o povo baiano e regional ao Brasil e ao mundo. Lutou a boa luta, não se omitiu, não tremeu, não foi o “coelho assustado” em que muitos intelectuais se transformaram diante da força. Despertou ódios. Teve livros apreendidos e queimados, foi preso, perseguido, exilado, expulso da França e proibido (ele e seus livros) de entrar nos Estados Unidos. É um passado heroico que não pode ser anulado na base do “esqueçam o que eu escrevi”. Dentre os “perigos” da literatura está a permanência.

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Na corda bamba do ridículo

Dizer que Jorge Amado é melhor do que Victor Hugo (foto) e que Os trabalhadores do mar “não chega aos pés de Mar morto” foi uma tentativa (por certo não muito bem sucedida) de gracejo, pois esta coluna não tem a pretensão de comparar escritores. Sobretudo quando se manifesta pelo texto escrito, o humor vive na corda bamba do ridículo – daí a comunicação eletrônica ter criado símbolos (rsrsrsrsrs! e kkkk!) para “traduzir” as intenções de quem escreve. Eu, como fazia o grande Millôr, me recuso às piadas com bula, mesmo conhecendo o risco de, vez ou outra, depender da boa vontade de quem lê. Portanto, sendo o leitor rei e senhor do que escrevemos, se não fui entendido, mea culpa.

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PROVÉRBIOS MUITO POUCO SIGNIFICAM

Esta coluna é como uma conversa de bar, cheia de palpites, que, por serem palpites, ficam ao desabrigo de chuvas e trovoadas. “Quem diz o que quer, ouve o que não quer”, sentencia o provérbio, mas provérbios muito pouco significam – e isto já é um palpite. Há pessoas, e não poucas, para quem o provérbio (que também atende pelo nome de adágio, axioma, brocardo, aforismo, anexim, prolóquio, ditado, máxima, parêmia, rifão, sentença) é o suprassumo da sabedoria acumulada. Não eu. Penso, logo opino (às vezes desastradamente), não sei de muitas verdades acabadas. Portanto, que a gentil leitora e o atento leitor relaxem, e não me levem (a mim nem à vida) excessivamente a sério.

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Chineses amam provérbios e exportações

Não é que não empregue provérbios na minha pobre escrita. Acho-os, às vezes, saborosos, e muitos deles até guardam um rastro da malícia e sabedoria ancestral do nosso povo. Li que a língua que mais usa provérbios é a chinesa, o que não deve surpreender a gentil leitora e o gentil leitor, pois a China é inventora de muitas coisas do nosso cotidiano: a tipografia, a seda, a bicicleta, o detetor de mentiras, o papel, o xadrez, o calendário lunar, o sismógrafo, a caneta, os óculos – para citar alguns. Por último, (re) inventaram a venda de bugigangas por atacado, para o mundo inteiro. Acho que os provérbios lhes caem muito bem. Só que eu não sou chinês.

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IMAGINAÇÃO É REMÉDIO CONTRA A REALIDADE

A vida há de ser lida no original, pelos nossos olhos, não pelos olhos dos outros. Mesmo assim, o texto interpretado por pessoa mais experiente nos ajuda a entendê-lo. Pensei nisso relendo o poema de Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada (que todo mundo conhece, nem que seja vagamente). É exemplo acabado de “escapismo romântico” – forma de evadir-se da realidade desagradável, o que os poetas fazem usando o devaneio, a imaginação. No caso, Bandeira “muda-se” para Pasárgada (um lugar perdido na Pérsia), onde as coisas acontecem de forma contrária ao seu dia a dia cheio de limitações. O poeta era tuberculoso – e esta informação é indispensável para que a gentil leitora entenda o poema.

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No romantismo, um quê de esquizofrenia

Vejam como Bandeira fala de Pasárgada, seu refúgio: “Lá sou amigo do rei/ lá tenho a mulher que eu quero/na cama que escolherei”. Outro mundo, irreal, idealizado, quase uma criação esquizofrênica. Depois de confessar o motivo dessa evasão (“Aqui eu não sou feliz”) o poeta delira ao descrever seu Horizonte perdido: “Lá a existência é uma aventura/ de tal modo inconsequente/ que Joana, a Louca de Espanha,/ rainha e falsa demente,/ vem a ser contraparente/ da nora que nunca tive”. Mais adiante ele fala em fazer ginástica, andar de bicicleta, montar burro brabo, subir em pau de sebo – enfim, as coisas que, pelo padrão da época, eram vedadas aos “doentes do peito”.

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Caymmi também criou uma Pasárgada

Quase 30 anos depois, em 1956, Caymmi empregaria este recurso do escapismo em Maracangalha: “Eu vou pra Maracangalha, eu vou/Eu vou de liforme branco, eu vou/ Eu vou de chapéu de palha, eu vou/ Eu vou convidar Anália, eu vou…” Em Maracangalha, que também existe no triste mundo real (fica em São Sebastião do Passé), o sentido de fugir da vida vivida para a imaginada é o mesmo de Pasárgada: lugar remoto, espaço de tranquilidade e paz, fora do mondo cane em que vivemos. Veja que o poeta aspira à companhia feminina, mas deixa claro que a fuga dele é inegociável: se ela não quiser ir, azar: “Eu vou só sem Anália, mas eu vou”. Faltou dizer que o liforme branco (forma popular de uniforme) significa que o poeta vai em paz.

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A poética e o seu inofensivo fingimento

Será que a gentil leitora e o não menos exigente leitor se preocupam com pasárgadas, maracangalhas, horizontes perdidos ou outros refúgios idealizados? Não há direito a prêmio (não sei qual é a resposta certa), mas atestará seu grau de romantismo. Quem enfrenta a vida numa boa 24 horas por dia e sete dias por semana, sem desesperar-se ou querer fugir para um mundo pessoal, por certo tem um coração valente, mas não romântico. Se o desamparo e a desesperança nos assaltam, não parece de todo ruim equipar de asas a imaginação e ganhar o espaço. Pensando bem, que serventia nos oferece este vasto mundo, se renunciarmos ao sonho e desdenharmos o inofensivo fingimento da poesia?

O.C.

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Ricardo Ribeiro | ricardo.ribeiro10@gmail.com

Em “Gabriela”, tudo é negativo; as mulheres vivem como em um campo de concentração e só podem falar de liberdade aos cochichos. 

Sem querer estragar a festa de ninguém, já que o momento é de comemoração e, vale adiantar: Jorge Amado merece cada confete que lhe cai sobre a memória e sua obra única. A intenção aqui não é tirar o mérito, mas abordar o formidável escritor sob outro ângulo, o de sua relação com Ilhéus e as terras do cacau como um todo.

Indo direto ao assunto, há uma nítida diferença entre a abordagem que a obra amadiana faz de Salvador e da região cacaueira, sendo que esta é claramente apresentada como o lugar dominado pelo patriarcalismo, o atraso, a violência das tocaias e um solo que, como é descrito em Terras do Sem Fim, foi “adubado com sangue”.

A história de Gabriela, Cravo e Canela, ora em reprise em forma de novela na Rede Globo, mostra os fazendeiros de cacau como coronéis truculentos, que tratavam as mulheres como bicho, as usavam e, se bobeassem, matavam-nas. Prazer mesmo, só com as teúdas e manteúdas ou as “quengas” do Bataclan. A hipocrisia ditava o ritmo em Ilhéus, uma cidade onde – da forma que é descrita em Gabriela, poucos gostariam de viver. Pelo contrário, o que a narrativa desperta é uma incontida pena de quem tinha a desventura de morar naquele lugar de tanta gente desprezível.

Ainda que justifiquem tratar-se de uma Ilhéus de outro tempo, o cotidiano descrito é perverso e de tintas carregadas em tudo que é deplorável. Por outro lado, Jorge não descreve as belezas de Ilhéus. Em sua obra não aparecem os belos mirantes da cidade, suas praias de areia branca e fina, seus coqueirais, o mar, os rios, as matas. Estas, quando entram na trama, é como esconderijo de jagunços, cenário de batalhas intermináveis e sangrentas pela posse de uma terra onde vicejava, ao mesmo tempo e paradoxalmente, a riqueza do cacau e a miséria de uma região que se teimava em ser primária: na monocultura e nos costumes.

Salvador já aparece bem diferente nos livros de Jorge. Apesar de também descrever a pobreza que já havia na capital, o escritor demonstra que esta era a cidade de seu coração. Da multiplicidade cultural, do ecumenismo religioso, dos pescadores e saveiros, de um mar hipnótico. Não é à toa que seus livros atraíram para Salvador figuras como o francês Pierre Verger e o argentino Caribé, curiosos por tanta beleza que transpirava das páginas de Jorge. Vieram e ficaram.

Ser a cidade quase natal (para lá o escritor, nascido em Itabuna, foi aos quatro anos de idade) é sem dúvida alguma um privilégio para Ilhéus. Foi nela que o autor idealizou suas primeiras obras, está nela a inspiração para tantas histórias e tantos personagens. Mas ser conhecida como “A terra da Gabriela”, com tudo a que a história da morena cor de cravo e canela remete, talvez não seja o melhor marketing para Ilhéus.

A impressão que se tem é de que o sul da Bahia ficou para o escritor como o lugar do passado, do qual ele comemorava a libertação. Em “Gabriela”, tudo é negativo; as mulheres vivem como em um campo de concentração e só podem falar de liberdade aos cochichos. O contraponto positivo está nos personagens que negam Ilhéus e tudo que ela representa na obra. Malvina, com sua coragem e nobreza que destoam de tudo que a cerca; Mundinho Falcão com sua visão liberal e cosmopolita; e Gabriela, que confronta aquele mundo arcaico com um sorriso infantil e a convicção da liberdade, a antítese perfeita da podridão que a cerca.

Loas a Jorge, mas Ilhéus definitivamente tem muito mais a oferecer do que carregar esse ranço de ser a eterna “Terra da Gabriela”.

Ricardo Ribeiro é advogado e editor do Cenabahiana.com.br

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JORGE AMADO E OS REQUINTES DA ESTUPIDEZ

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
Jorge Amado folheia edição em dinamarquês de Tocaia Grande.

Nas muito justas louvações a Jorge Amado (cujo centenário de nascimento ocorre nesta sexta-feira, 10), detenho-me sobre um documento que se agiganta diante de toda a obra vasta do grande romancista. Trata-se de uma surpreendente “Ata de Incineração” produzida pela Sexta Região Militar em 19 de novembro de 1937 – e publicada pelo jornal Estado da Bahia em 17 de dezembro daquele ano. É de estarrecer, ou como gostaria de dizer a própria vítima, “de espantar”. A notícia da queima de 1.694 livros de Jorge Amado é narrada com detalhes (melhor seria chamá-los de requintes de estupidez), começando por nomear os “senhores membros da comissão de buscas e apreensões de livros” (três trogloditas do Exército, Marinha e Polícia do Estado).

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MONUMENTO À BESTIALIDADE

A ordem de incinerar “os livros apreendidos e julgados como simpatizantes do credo comunista” partiu do Cel. Antônio Fernandes Dantas, comandante da 6ª RM, e incluiu pequena quantidade de outras obras. O integralista José Lins do Rego teve queimados 82 volumes de seus romances Doidinho, Pureza, Banguê, Moleque Ricardo e Menino de Engenho – prova de que as ditaduras distribuem “democraticamente” suas patadas sem olhar a quem. Mas o grande perseguido era, de fato, Jorge Amado, visto pelo sistema como “perigoso agitador”: dos seus livros levados à fogueira, o de menor quantidade (Cacau, 89 exemplares) ultrapassa os cinco de Zé Lins. A bestialidade do Estado Novo seria, com ligeiras adaptações, reeditada pela ditadura militar de 1964.

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O CAVALEIRO DA ESPERANÇA

Jorge Amado não foi só o escritor picaresco, de humor tipicamente brasileiro (em oposição ao humour britânico de Machado de Assis) vulgarizado pela tevê. Foi, sim, um lutador pelo seu povo, defensor da miscigenação, antirracista. Denunciou o trabalho semi-escravo na região cacaueira, defendeu a liberdade de culto e todas as liberdades. Várias vezes preso no Brasil, exilado na Argentina, no Uruguai, em Paris e na Tchecoslováquia, ele manteve a militância também fora de sua terra: em 1950, foi expulso da França, devido à atividade política com Camus, Sartre, Picasso e outros. Em 1941, durante o exílio na Argentina escreveu O cavaleiro da esperança: a vida de Luís Carlos Prestes, pungente defesa do líder comunista preso desde 1936.

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LIVRO CONTRABANDEADO

É um livro notável, pelo conteúdo explosivo (a denúncia candente da tortura, da perseguição aos comunistas, da violação dos direitos humanos no Estado Novo) e pelas circunstâncias especiais que o cercaram: proibido no Brasil, O cavaleiro… (em espanhol) era vendido clandestinamente, às vezes por preços absurdos. Também apareciam cópias datilografadas e em fac-símile, que passavam de mão em mão, sem dono certo. O livro ganhou nomes carinhosos, como Vida de são Luís, Vida do rei Luís e Travessuras de Luisinho. No governo Perón, O cavaleiro… foi proibido também na Argentina e queimados os exemplares encontrados, valorizando ainda mais os que circulavam no Brasil. “Houve quem vivesse do aluguel de exemplares”, contou Jorge Amado.

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O SORRISO AMARELO DA SOCIEDADE

A pena de Jorge Amado nunca esteve a serviço da literatura dita “o sorriso da sociedade” (expressão cunhada por Afrânio Peixoto) e que Graciliano Ramos bem definiu como “uma literatura antipática e insincera que só usa expressões corretas, só se ocupa de coisas agradáveis, não se molha em dias de inverno e por isso ignora que há pessoas que não podem comprar capas de borracha”. É a literatura dos saraus, da poesia tatibitate e bem comportada, que não incomoda. “Foi ela que, em horas de amargura, receitou o sorriso como excelente remédio para a crise”, resume o mestre de Quebrangulo. Jorge Amado trouxe para o romance brasileiro os negros, os pobres, os trabalhadores do cacau, as prostitutas e, avant la lettre, os meninos de rua.

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PREMONIÇÃO SOBRE MENORES INFRATORES

Capitães da areia (808 exemplares queimados), uma premonição sobre os menores infratores de hoje, saiu do prélio em 1937 e logo foi para o fogo. Não valeu esse “sacrifício” do governo: quando veio a anistia, em 1945, Capitães… vendeu feito pão quente, sendo até hoje uma das obras mais lidas do autor. Os demais romances levados à fogueira são Jubiabá (267 exemplares), O país do carnaval (214), Suor (93) e Cacau (89). Jorge Amado retomaria as questões sociais, dentre outros títulos, em Terras do sem fim (1943), São Jorge dos Ilhéus (1944), Os subterrâneos da liberdade (1954) e, principalmente, em Seara vermelha (1946), que, por óbvios motivos, não viraram cinza. Faltou dizer que 223 exemplares de Mar morto também foram queimados.

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SÓFOCLES ESCAPOU DO PAU-DE-ARARA

Mar morto? – perguntaria a atônita leitora; Mar morto? – ecoaria o atônito leitor (desde que cultuem este objeto em extinção chamado livro), e concluiriam que este velho O. C. perdeu de vez o juízo ou bebeu em má fonte. Mar morto, sim, insisto, lembrando-lhes que nas ditaduras a burrice é uma segunda natureza. E afianço ainda que esse mal é contagioso e longevo: em1965, esbirros da ditadura militar (“herdeiros” da fogueira de 1937) invadiram um teatro no Rio de Janeiro, para prender o autor da peça em cartaz, um certo Sófocles, e submetê-lo ao pau-de-arara, choque elétrico nas partes baixas e outros mimos. Pois saibam todos que destas linhas tomarem conhecimento que Sófocles escapou – tinha-se dado ao luxo de morrer há 565 anos.

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JORGE AMADO É MELHOR DO QUE VICTOR HUGO

Faltou dizer que Mar morto, leitura de infância em Buerarema, a história de Lívia e Guma, é um dos mais belos textos de Jorge Amado. Para mim, foi o contato com o que se chamava de “poesia em prosa”: o cotidiano dos trabalhadores do mar em permanente risco, a vida árdua, mas narrada com surpreendente lirismo. Penso que só alguém doente da cabeça ou do pé (talvez dos dois) seria capaz de ver ali obra de ameaça ao regime, livro “simpatizante do credo comunista”. A quem não percebeu a citação, informo que “trabalhadores do mar” é o título de festejado livro de Victor Hugo (traduzido por Machado de Assis), que não chega aos pés de Mar morto.

O lirismo de Jorge Amado chegou também à MPB, numa parceria de Jorge Amado e Dorival Caymmi. 

O.C.

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6 de agosto de 2001. Caetano Veloso se apresentava na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, quando recebe a notícia da morte do escritor Jorge Amado. O músico, que faz aniversário no dia 7 de agosto, ouvia “parabéns” entoados pelo público. Caetano planejava cantar três outras músicas, mas, em homenagem ao menino grapiúna, retorna e canta Milagres do povo. “Essa é a festa do meu aniversário e é a festa da vida de Jorge Amado”, disse para o público. Confira:

Caetano se apresenta hoje, em Ilhéus, no dia do centenário de nascimento de Jorge Amado. O show gratuito será na praça da Catedral de São Sebastião, no centro histórico, às 22h.

Confira a programação de hoje do Festival Amar Amado. Clique no “leia mais”, abaixo.

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A raridade colhida por DT: a ficha de inscrição de Jorge Amado na ABI

O jornalista e escritor Daniel Thame publicou uma raridade em seu blog: a ficha de inscrição de Jorge Amado na Associação Bahiana de Imprensa. Sim, direto do túnel do tempo. Ano de 1944. A ficha traz o endereço do escritor e por lá a informação que já rendeu muita polêmica: onde Jorge Amado nasceu? Na ficha está Ilhéus. Como lembra Thame, esse é mero detalhe de quem se identificava como um menino/homem grapiúna.

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O jornalista Daniel Thame tomou gostou pela literatura. Após Vassouras e A mulher do lobisomem, Thame lançará no próximo domingo, 5, Jorge100anosAmado – Tributo a um terno menino grapiúna. Será durante a abertura da Feira Literária Amar Amado, às 18h, no Centro de Convenções de Ilhéus.

O jornalista e escritor diz que o livro é, como expressa o título, uma homenagem a Jorge Amado, lançado exatamente nas comemorações dos 100 anos de nascimento de um dos maiores nomes da literatura brasileira. Jorge100anosAmado traz série de contos que têm como fonte inspiradora a obra do escritor itabunense.

A obra de Thame aborda o universo onde nasceu Jorge Amado, sua gente e, claro, traz uma crônica sobre a (eterna) disputa de Itabuna e Ilhéus pelo escritor.

Thame: nova obra.

O escritor  Aurélio Schommer, que já presidiu a Câmara Baiana do Livro e prefacia a obra, diz que Thame “trilha seus próprios caminhos”. Schommer também destaca a “clareza e concisão nas crônicas e contos” de Thame, que tempera “com lirismo e emoção a pena correta, crítica, do jornalista”.

– Jorge Amado está bem representado no livro, pela qualidade do texto, pela temática, pelas paisagens, pelos personagens. Daniel Thame não é uma sombra do grande escritor. É um novo e emergente talento, incomparável a seu modo, uma grata revelação a um número cada vez maior de encantados leitores.

Jorge100anosAmado, lançado pela Editora Via Literarum, tem o apoio cultural da Amazon Bahia, Liba Logística, Uniube/Polo Itabuna e Viação São Miguel. Thame não revela quais, mas apresentará algumas surpresas no lançamento da sua terceira obra.

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Centenário de nascimento de Jorge terá homenagens Brasil afora.

O centenário de nascimento de Jorge Amado está sendo alvo de muitas homenagens no Brasil e na Europa. Neste domingo, 29, reportagens e textos no caderno 2 d´O Globo tratam da vida e obra do escritor itabunense, traduzido em 55 países e cujo legado é destacado pelas adaptações para TV, cinema e teatro. Se vivo estivesse, Jorge completaria 100 anos no próximo dia 10 de agosto.

Jorge Amado faleceu há 11 anos, vítima de parada cardiorrespiratória, aos 88 anos de idade.  “Sua popularidade é tamanha que, apenas desde 2008, quando a Companhia das Letras começou a relançar seus livros, Capitães da areia vendeu 556 mil exemplares — fora as 142 mil da edição de bolso. Sua obra já foi traduzida para 49 idiomas, em 55 países. Ele era o melhor exemplo de como ser universal falando de sua própria aldeia”, publicou o jornal carioca.

“AMAR AMADO”

Nesta semana, Ilhéus também vai homenagear o escritor Jorge Amado, promovendo o Festival Amar Amado. O evento do município, em parceria com a Maná Produções, consta de mostra de cinema, feiras de gastronomia e de arte, exposições, apresentações teatrais, musicais, de dança e fotográfica.

Os locais escolhidos são o Teatro Municipal, o Centro de Convenções Luís Eduardo Magalhães, que abrigará a feira literária, e a Praça Dom Eduardo, situada no centro histórico de Ilhéus.  O Festival Amar Amado será aberto no dia 4, a partir das 19 horas, no Teatro Municipal, com a apresentação da Orquestra Afro Sinfônica da Bahia.

Já os shows musicais, serão apresentados em um palco ao lado da catedral de São Sebastião. Embora anunciadas atrações como Caetano Veloso, as atrações musicais serão apenas do sul da Bahia.

Na Avenida Soares Lopes, 24 barracas funcionarão como praça de alimentação. O festival gastronômico acontecerá em oito restaurantes. A área externa do Centro de Convenções abrigará a feira literária. O encerramento dos eventos será sempre à meia-noite.

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A peça “O Inspetor Geral – sai o prefeito, entra o vice” será encenada no Teatro Municipal de Ilhéus nos próximos dias 24 e 25, a partir das 21 horas, e dia 26, a partir das 20 horas.
Na cidade, será a estreia do espetáculo do Teatro Popular de Ilhéus, mas fora de casa os “santos” já fizeram “milagre”. O Inspetor estreou em maio do ano passado em São Paulo, com patrocínio do Sesi (Serviço Social da Indústria) e foi indicado ao Prêmio Shell de Teatro. Neste primeiro semestre de 2012, a peça já tem agenda em Salvador e Curitiba.
Inspirado na obra de Nikolai Gogol, O Inspetor tem elementos de poesia e literatura de cordel, que servem para contar a história de Gilton Munheca, prefeito da fictícia cidade de Ilha Bela. Trata-se de uma sátira política, que dá sequência a outro sucesso do Teatro Popular de Ilhéus, a peça Teodorico Majestade – as últimas horas de um prefeito.

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O poeta e escritor grapiúna Ulisses Góes acaba de lançar virtualmente seu primeiro romance de ficção. O livro, intitulado “Efeito Cacaos” (foto), tem página no Facebook (clique aqui), onde todos podem ler a obra na íntegra, além de trocar ideias e opiniões com o autor.
“Efeito Cacaos” é um romance de ficção com uma linha de realismo fantástico. Primeiramente, por iniciativa do próprio autor, o livro foi lançado em ambiente virtual, tendo, além da página no Facebook, um blog na internet onde os leitores podem baixar uma versão em PDF.
Para quem curte bons livros, é uma ótima dica de leitura. Ulisses Góes atualmente está escrevendo uma saga chamada “As Crônicas de Nevareth”, uma história totalmente baseada no universo do jogo Cabal Online, hoje um dos mais populares no Brasil.

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“POETA” AGRIDE A LITERATURA NORDESTINA

Ousarme Citoaian
Várias mídias festejaram que um delegado de Brasília “lançou mão dos seus dotes poéticos cordelistas” (sic) para relatar o inquérito sobre a prisão do receptador de uma moto roubada. É lamentável que os veículos, por ignorância de quem os produz, deem abrigo a coisas desse tipo. O delegado, longe de poetar, agride a poesia: na sua versalhada (mais de 60 linhas) não há um só verso razoável. Piligra e Gustavo Felicíssimo, que cultivam o gênero, não encontrarão aqui nada que se salve. “Já era quase madrugada/Neste querido Riacho Fundo/Cidade muito amada/Que arranca elogios de todo mundo” – é a primeira quadra, anunciando o atentado à métrica. Deus, oh Deus, onde estás que não respondes? Sextilhas piores virão.

TERNO AÇOITE DE CORDAS LEVES E SONORAS

“Logo surge a viatura/Desce um policial fardado/Que sem nenhuma frescura/Traz preso um sujeito folgado”. Fiquemos por aqui, para não propagar artigo tão pífio, nem aumentar o calor da indignação. Sentenças e petições em versos não são novidade. Era 1955, em Campina Grande, quando o advogado Ronaldo Cunha Lima (foto) foi chamado a “soltar” um violão tomado de um grupo de boêmios. O “cliente” é “qualificado” em decassílabos: “Seu viver como o nosso é transitório,/mas seu destino, não, se perpetua./Ele nasceu para cantar na rua/e não pra ser arquivo de cartório”. Conclusão: “Mande soltá-lo pelo amor da noite/que se sente vazia em suas horas,/pra que volte a sentir o terno açoite/de suas cordas leves e sonoras”.

VERSEJANDO, CARLOS MARIGHELA TIROU DEZ

Se os 40 versos do futuro político Cunha Lima são bons, os 14 do juiz Arthur Moura, sobretudo os últimos, atingem a alma: “Recebo a petição escrita em verso/e, despachando-a sem autuação,/verbero o ato vil, rude e perverso,/que prende, no cartório, um violão./Emudecer a prima e o bordão,/nos confins de um arquivo em sombra imerso/é desumana e vil destruição/de tudo que há de belo no universo./Que seja solto, ainda que a desoras,/e volte à rua, em vida transviada,/num esbanjar de lágrimas sonoras./Se grato for, acaso ao que lhe fiz,/noite de lua, plena madrugada,/venha tocar à porta do Juiz”. Carlos Marighela (foto) tirou dez numa prova de Física, em versos(no Colégio da Bahia,1929). O delegado, a meu juízo, zero.

AS AGÊNCIAS DEVERIAM ASSINAR SUAS PEÇAS

Quem tiver a grandeza de perdoar à publicidade alguns excessos, como tirar o acento circunflexo de Banco Econômico (marca já extinta) e colocar acento agudo em pitu, da Aguardente Pitu, terá bons momentos a apreciar. Gosto tanto do tema que sugeri às agências divulgarem seus nomes nas peças que produzem. Seria, pareceu-me, boa forma de separar os bons dos medíocres. Ziraldo disse que divulgar uma obra de arte sem nome do autor (ele falava de música, mas eu incluo aí a propaganda) equivale a passar um cheque sem fundos. Minha ideia mereceu somente o desdém de um publicitário.

ANÚNCIO TRANSFORMADO EM OBRA DE ARTE

Entre clientes e publicitários há divergências. Os primeiros, por natural pragmatismo dos negócios, acham “bom” o anúncio que leva o cliente potencial ao ponto de venda – e, conforme diz o merceeiro da minha rua, “o resto é poesia”. As agências às vezes têm outra visão: ao invés de um simples anúncio para vender sabão, aspiram a obra de arte. É como bater pênalti: há quem dê uma cacetada entre o goleiro e um dos postes (o que é praticamente indefensável, devido à velocidade da bola); outros preferem um toque “artístico”, com risco de levar sua torcida a lagrimejar frustração e raiva.

DO SUTIÃ E DA BRASTEMP NINGUÉM ESQUECE

Grandes momentos da propaganda brasileira estão no imaginário de várias gerações:  Brastemp (“não é nenhuma brastemp, mas…”), Coca-Cola (“não é essa coca-cola toda”), Bayer (“se é Bayer, é bom”), Valisère ( ”o primeiro sutiã ninguém esquece”), A Tarde (“se deu n´A Tarde é verdade”) são clientes que ficaram famosos graças a suas contas publicitárias. Melhoral é um caso à parte: mesmo de baixa qualidade (“é melhor e não faz mal”) seu slogan pegou feito chiclete. Junto à lista um que vi há pouco na tevê, sobre um restaurante que trabalha com pescado: ”Dos mares, o melhor”. Perfeito.

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UMA CANÇÃO ME PERSEGUE HÁ MEIO SÉCULO

Defendo a tese de que nossa sensibilidade tem variações palpáveis, de acordo com o tempo e o espaço. E isto me parece tão óbvio, acaciano, primário e rasteiro que provavelmente alguém já defendeu tal ponto de vista. Estou querendo dizer que uma obra de arte (ou qualquer acontecimento) nos atinge de maneira diferente, a depender da circunstância em que com ela temos contato. Não somos máquinas. Pegamos um livro num dia e não lhe toleramos nem a leitura das primeiras frases; mais tarde, descobrimos que o mal não estava no livro, mas em nós. Não sei com que estado de espírito vi o filme O mágico de Oz para que a canção-título (Somewhere over the rainbow) jamais me saísse da memória.

NÃO HÁ LUGAR MELHOR DO QUE NOSSA CASA

O tempo passou, passou a grande atriz-cantora Judy Garland (1922-1969), chegamos à era da insensatez, quando a tela foi transformada em geradora de sangue e secreções sexuais. Mas a história da menina Dorothy e sua estranha trupe (o leão covarde, o espantalho e o homem de lata) permanece. Dorothy Gale (com seu cãozinho Totó) embarca num ciclone, viaja pela Estrada de Tijolos Amarelos, é assediada por bruxas más do Leste e do Oeste, chega à Cidade das Esmeraldas, entra em contato com o Mágico de Oz – e logo vai descobrir esta verdade universal que muitas vezes nos escapa: “Não existe lugar como a nossa casa”. De passagem: a terra de Oz tem menções literárias que remontam a 1910 (o filme é de 1939).

O FILME É ETERNO PORQUE FALA DE SONHO

Penso que O mágico de Oz é eterno porque fala de um dos mais universais dos nossos sentimentos – o sonho: “Em algum lugar além do arco-íris/os pássaros azuis voam/e os sonhos se tornam realidade”. A música ganhou registro de artistas do nível de Ray Charles, Ella Fitzgerald, Eric Clapton e Sarah Vaughan. Na excepcional trilha sonora de Uma babá perfeita (a que nos referimos recentemente) lá está Over the rainbow, cantada por uma visceral Jevetta Steele, em gravação especialmente para o filme. Há de se notar o sax tenor de Rickey Woodard (foto), com entradas precisas. Sabendo-se coadjuvante, Woodard se mantém nos limites. Mesmo quando tem preciosos 35 segundos para improvisar, evita que seu sax roube a cena.

(O.C.)

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Tempo de leitura: 5 minutos

É PRECISO PACIÊNCIA COM MAUS REDATORES

Ousarme Citoaian
Falamos aqui da condenação do artigo indefinido, do qual os plumitivos (dicionário, urgente?) abusam tanto quanto os políticos da nossa paciência. Exemplos dados, não serão repetidos, por desnecessários. Mas ficamos devendo uma referência a abusos com os artigos definidos, que, igualmente àqueles, não melhoram a linguagem.  Ao contrário, conspurcam-na. E aqui estão alguns “abonos” que, para evitar que a coluna seja acusada de injuriosa, maledicente e difamatória, foram colhidos na mídia impressa regional. Antes (quem avisa, amigo é) uma advertência: se houver pronome possessivo por perto, redobre seus cuidados com os artigos definidos, porque, juntos, eles são uma mistura indigesta. Dito o que, vamos à colheita.

FRASE NÃO QUER CORREÇÃO, QUER ESPONJA

Um articulista ensina que “todo mundo tem a sua própria opinião”; numa coluna sobre política partidária descubro que “Alcides Kruschewsky reassumiu o seu posto na Câmara”; perspicaz, um analista conclui que “é necessário ter coragem de exibir a sua opinião”; outro, na mesma linha doutoral e perdulária, disserta sobre a conveniência de  “compartilhar a sua ideia”. Não entendo a razão de não se escrever (com notável economia, e sem prejuízo da clareza) ”exibir sua opinião”, “compartilhar sua ideia” e que o vereador “assumiu seu posto na Câmara”, com varrição radical dos artigos inúteis. Sobre a primeira frase, digo como aquele ministro da ditadura: “Nada a declarar”. É passar-lhe a esponja e construir outra.
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CINCO LIVROS E A REVELAÇÃO DE UMA VIDA

O crítico Hélio Pólvora foi submetido a uma prova que não me dá inveja: ditar, para Gabriel Kuak (presidente da União Brasileira de Escritores) a lista dos cinco livros que mais pesaram em sua formação. Apenas cinco, e é isto que faz espinhosa a tarefa. Creio que os leitores (para quem esta notícia seja nova) tenham curiosidade em saber a preferência do autor de O grito da perdiz, por isso antecipo os escolhidos, na ordem em que foram citados (Hélio se ateve apenas aos brasileiros): O Guarani (José de Alencar), Dom Casmurro (Machado de Assis), Angústia (Graciliano Ramos), Fogo Morto (José Lins do Rego) e O Continente (parte de O Tempo e o Vento, Érico Veríssimo). Lista inesperada, à exceção de Machado de Assis.

SEM CLARICE LISPECTOR E GUIMARÃES ROSA

Hélio parece temer que a originalidade lhe custe caro. “Corro o risco de bordoadas dos fãs de Clarice Lispector e João Guimarães Rosa”, reconhece, mas defende sua escolha de cinco livros que não vão para a ilha deserta nem ficam à cabeceira, ao alcance da mão. “Preferem o leito da memória, onde ardem ou palpitam sob cinzas”. De minha parte, tentei antecipar alguns votos e errei feio. Mas acertei com Dom Casmurro, sabendo que Hélio Pólvora é um dos especialistas no mais célebre triângulo amoroso da literatura brasileira – até escreveu um ensaio “provando” que a traição de Capitu a Bentinho, discutida há mais de um século, ocorreu de fato. Minha “previsão” incluiu Guimarães Rosa e Graciliano Ramos. Passei longe de um, raspei o outro.

EM ANGÚSTIA, O NASCIMENTO DO ESCRITOR

Imaginava que Hélio incluiria São Bernardo ou Vidas Secas, quando ele preferiu Angústia. Imagino que não me equivoquei de todo. O ensaísta explica que Angústia lhe deu “um estalo”, com a arte de escrever a roçar-lhe o rosto, “qual leve asa de pássaro”, e afirma que o livro “talvez perca, em estrutura, para São Bernardo e Vidas Secas, mas revela uma intimidade cúmplice que acentua a comoção”. Mais adiante, na hipótese de uma relação de dez livros, ele lembra Os Sertões (Euclides da Cunha), Minha Formação (Joaquim Nabuco), Capítulos de História Colonial (Capistrano de Abreu), Jubiabá (Jorge Amado, na rede) e Dora, Doralina (Rachel de Queiroz). E encerra com extrema elegância: “Perdão Pompeia, Lygia, Adonias e Autran Dourado”.

ENTRE ERRO E LICENÇA POÉTICA, O ABISMO

Dentre os truques com que tentamos justificar erros de linguagem está um, chamado licença poética. É preciso atenção do leitor para não confundir as duas categorias. Apenas tangenciando o assunto (não sou professor, nem isto aqui é aula de português), é bom lembrar que licença poética é a permissão para se fugir da chamada norma culta da língua, não um salvo-conduto para a ignorância, conforme alguns autores parecem entender. É uma forma de libertar o escritor de amarras gramaticais que o impeçam de tornar sua mensagem clara a esse animal em extinção chamado leitor. Portanto, a licença poética tem tempo e lugar adequados à sua prática.

A PRINCESA, O REVOLUCIONÁRIO E O BODE

Muito citado para identificar algo confuso, O samba do crioulo doido, de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), me parece um atípico caso de licença poética – em que a manipulação não é da gramática, mas da história: a abertura (“Foi em Diamantina/onde nasceu JK”) guarda fidelidade histórica – o sorridente Juscelino (foto) nasceu naquela cidade mineira, em 1902 – mas em seguida o letrista parece “endoidar de vez” e não fala mais coisa com coisa: a princesa Leopoldina “arresolveu” se casar, mas Chica da Silva entra pelo meio e mistura a princesa com Tiradentes! E o refrão? “Lá iá, lá, iá, lá, iá/o bode que deu vou te contar”. Só podia dar bode.

CAOS TOTAL: “PROCLAMARAM A ESCRAVIDÃO”

 
Está implantado o caos irremediável: “Joaquim José/que também é (breque!)/da Silva Xavier/queria ser dono do mundo/e se elegeu Pedro II”.  Depois, mancomunados, Dom Pedro e Anchieta proclamam a escravidão, “Dona Leopoldina virou trem/ e Dom Pedro é uma estação também”. Fechando esse pacote tão insano quanto saboroso, um refrão anárquico: “Ô, ô, ô, ô, ô, ô/o trem tá atrasado ou já passou”. Além de nada bater com o que ouvimos na escola, a falta de lógica é absoluta: dizer que Tiradentes “se elegeu Pedro II” é de uma desordem inconcebível, um “desrespeito” com a história que deixou muita “otoridade” em pé de guerra naquele plúmbeo 1968.

BOM HUMOR CONTRA A BURRICE VERDE-OLIVA

Sucesso imediato, o samba se fez clássico. Mas Martinho da Vila o detesta, achando-o “preconceituoso”. Eu discordo. Sérgio Porto nunca deu sinais de discriminar quem quer que fosse: conhecedor de jazz, ele se referia ao gênero como “jazz tocado por negros”. E “crioulo” não tinha o ar pejorativo de hoje. A propósito, João Saldanha frequentemente  chamava Pelé de “o crioulo” – e  nunca ninguém o enquadrou na Lei Afonso Arinos. Samba…  é uma canção política: insurge-se, com bom humor, contra a ditadura, que exigia louvações a vultos históricos no Carnaval. O “crioulo” era a vítima. Aqui, a gravação original (Quarteto em Cy, com abertura do autor).

(O.C.)

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