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marivalguedesMarival Guedes | marivalguedes@gmail.com

Waldick pegou o microfone e, em vez de cantar, discursou acusando a rádio de ter lhe boicotado. Para comprovar afirmava que até o cantor que ele levou, anunciaram como se fosse violonista. Detalhe, os shows eram transmitidos pela emissora.

Ele gravou mais de 80 discos, gostava de cachaça e assumia que era briguento. Waldick Soriano, baiano de Caetité, curso primário, foi motorista de caminhão, garimpeiro e peão. Casou com uma mulher que antes era prostituta. Ficou viúvo. Reagia quando falavam que suas músicas são bregas: “Brega é cabaré, minhas músicas são românticas.”

Assistiu Durango Kid e, quando saiu do cinema, encomendou roupa igual à do cowboy. Pra completar, comprou óculos escuros, chapéu preto, um cavalo e foi desfilar na praça de Caetité. Vaiado por estudantes, reagiu “jogando” o cavalo em cima deles. Porém, nunca mais abandonou o traje preto.

Reação mais assustadora teve durante Quem tem medo da verdade (TV Record), programa sensacionalista onde artistas eram interrogados e julgados. Quando participou, estavam também Agnaldo Rayol e Ângela Maria. Um padre o acusou de ter “deflorado várias meninas”. Waldick sacou o revólver e “deu um tiro” pra cima. Foi uma correria. As luzes foram apagadas e, quando acenderam, ele foi embora

Uma das suas apresentações em Itabuna foi no Cine Catalunha, no prédio onde funcionava a Rádio Difusora, da mesma família. Dias depois quis retornar. Mas o diretor da emissora, Hercílio Nunes, avaliou que não haveria público por causa do curto período entre o último e o próximo evento.
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O artista não se conformou e propôs pagar o espaço. Já a Difusora, bancaria a publicidade. Negócio fechado. Na hora do show, casa vazia. Revoltado, Waldick pegou o microfone e, em vez de cantar, discursou acusando a rádio de ter lhe boicotado. Para comprovar afirmava que até o cantor que ele levou, anunciaram como se fosse violonista. Detalhe, os shows eram transmitidos pela emissora.

Um vexame. O coordenador da área técnica, Lourival Ferreira, correu desesperado ao estúdio e colocou o som da fanfarra, abertura dos noticiários. Mas o estrago já estava feito. Um grupo, liderado por Hercílio, foi ao cinema e expulsou o artista, que tentou cantar em cima da própria Rural estacionada em frente. Foi novamente impedido e empurrado pra dentro do carro.

Não se deu por vencido. Retornou ao Lord Hotel, onde estava hospedado, e cantou da janela do prédio.

Waldick morreu em setembro de 2008, aos 75 anos, vítima de câncer na próstata.

Encerro solicitando, na humildade, ao diretor deste blog, Davidson Samuel, postagem da belíssima Tortura de Amor. Lembrando que a música foi censurada pela ditadura militar em 1974 por causa da palavra tortura, apesar da composição ser de 1962, dois anos antes do golpe. Parece piada, mas é verdade.

 

— Marival Guedes é jornalista e escreve crônicas semanais no Pimenta.