Os fundadores e Caboclo Alencar nos 40 anos do bar de Ithyel
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Walmir Rosário

Mesmo com o dia cinzento e as chuvas esparsas, na tarde de sábado (30.10), ninguém arredou o pé do Alto Beco do Fuxico, um dos mais respeitáveis redutos da boemia de Itabuna, na comemoração dos 40 anos de fundação do Bar de Ithiel. O evento superou todas as expectativas e durante sete horas seguidas quase duas centenas de antigos clientes confraternizaram, beberam, comeram e dançaram à vontade.

À noite, no finalzinho da festa, os “velhinhos” ainda encontravam ânimo para agendar um novo encontro, este para comemorar o cinquentenário do Bar de Ithiel, com todos os requintes necessários para uma festa de arromba, expressão bastante usada em anos passados. Aos clientes antigos se juntaram esposas, filhos, amigos, não importando a classificação de idade.

Aos que imaginam que invento ou aumento os fatos acontecidos, de pronto vou avisando que deverei omitir acontecimentos tantos, tendo em vista o clima de euforia reinante, o que peço as devidas desculpas. Mas garanto que desde os dias 28 e 29 de outubro de 2011 (sexta-feira e sábado), por conta da comemoração dos 30 anos, o Alto Beco do Fuxico não sediou uma festa de tamanha responsabilidade e animação.

Para os que não conhecem os frequentadores do Beco do Fuxico nas suas três identificações geográficas – Baixo Beco, Médio Beco e Alto Beco –, em poucas palavras narrarei sua importância no contexto etílico, festivo e de camaradagem. E começo perguntando que bar forma uma numerosa família, reunindo amigos que moram em cidades diferentes, mesmo não mais existindo fisicamente?

E para arrematar, que família etílica seria capaz de tirar – na pandemia – do recôndito do seu lar Alencar Pereira da Silveira, o festejado Caboclo Alencar, há 59 anos o todo-poderoso comandante do ABC da Noite – no Baixo Beco – para comemorar as quatro décadas do Bar de Ithiel? Do alto dos seus 90 anos, Caboclo Alencar e sua esposa Neusa compareceram e ganharam lugar de destaque, para delírio dos seus fidelíssimos clientes.

Festa reuniu dezenas de pessoas no Beco do Fuxico

Como era para ser uma grande comemoração, os organizadores José Senna e Paulo Fernando (Polenga) contrataram Dejaci (cordas da Banda Lordão), músico de vasto e variado repertório, que contou com as participações de Hermano, Paulo Maia, Carlos Caroba, Alex, dentre outros. Também foi lançada um CD com a música Beco do Fuxico, de autoria de Paulo Fernando, Gil Bahia e Genobaldo Damasceno.

Emoção não faltou no encontro, e ficou por conta dos mais antigos as histórias e estórias do início da instalação do bar. Lembro-me como se fosse hoje, quando estávamos no bar de Dortas, no Médio Beco, e passou Cambão (Emanuel Aquino) avisando que o jornalista Manuel Leal teria presenteado Ithiel com uma geladeira e que ele levaria a mudança para inaugurar o bar. Foi só esperar a mudança descer do carro para subirmos a ladeira.

Reduto de boêmios inveterados, o Bar do Ithiel era o protótipo do clube do Bolinha, dada a obrigatória frequência masculina. Honestamente, como gostava de dizer Raleu Baracat, nunca foi proibida a presença de mulheres no ambiente, embora nenhuma delas se aventurasse a adentrar o recinto, no melhor linguajar radiofônico. Nenhuma, não, que o diga Vera Oliveira da Cruz, esposa de Paulo Fernando Nunes da Cruz (Polenga), a primeira a quebrar esse tabu.

Amiga de infância de Iram Marques, o grande cupido do amor entre Vera e Polenga, e o casório foi decidido após as noitadas de cerveja e bate-papo. Depois da queda do último bastião machista, o Alto Beco do Fuxico passou a ser frequentado pelas esposas, noivas e namoradas, provocando uma mudança substancial no linguajar, às vezes com a mudança do vocabulário de última hora. Afinal, a presença de senhoras no recinto merecia recato.

Outro frequentador assíduo e da primeira hora, o advogado Pedro Carlos Nunes de Almeida (Pepê), também teve seus momentos em casa por conta da fundação do bar: 28 de outubro, data do seu casamento. Nessas datas, ele somente chegava em casa para comemorar seu casamento por volta da meia-noite, horário em que os convidados tinham se retirado e a esposa estava prestes a dormir.

Para que o casal não passasse pelos dissabores de uma ruptura na vida de casado, o único recurso foi conjugar os interesses comemorativos e ambos passaram a festejar a data da união matrimonial no Alto Beco do Fuxico. Atual Arquiduque do Alto Beco do Fuxico, Pedro Carlos (Pepê) e sua Ana Carolina, mais uma vez passaram os 49 anos de casados – juntinhos – na badalada festa dos 40 anos do Bar de Ithiel.

É certo que faltaram alguns dos chamados clientes raiz, alguns deles ainda receosos de aglomerações, apesar de vacinados com a terceira dose, mesmo assim, nomearam filhos como representantes. E nesse encontro, realizado no Bar Artigos para Beber, de José Eduardo, e a ex-Confraria do Alto Beco do Fuxico, a nata da boemia itabunense se esbaldou por justo motivo.

Uma das recomendações da organização é que ficou terminantemente proibido que fosse realizado um recenseamento dos eternos clientes, para que o clima continuasse festivo per omnia saecula. E para passar a régua, os confrades recorreram a José Gomes (Castelo), que pedisse a saideira nos antigos moldes:

– Ithiel, me dê uma dose Natu Nobilis e a conta. Se eu pedir outra por favor não me sirva!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Como não estava acostumado a ser retrucado com veemência, Manuel continuou a viagem até Medeiros Neto sem dar uma palavra com seu amigo “Cambão”.

Walmir Rosário

Manuel Leal de Oliveira foi uma figura ímpar do Sul da Bahia. Eclético e desinibido, sempre esteve presente nas mais diversas ocasiões relevantes da política e da economia regional. Morou um tempo na Guanabara e São Paulo. Na capital carioca, trabalhou nos jornais Última Hora e Jornal do Commércio. Após tirar a “sorte grande” na Loteria Federal, volta a Itabuna.

Já em terras grapiúna, Manuel Leal adquire, com os recursos da premiação, uma fazenda em Firmino Alves (ex-Itamirim), onde por muito tempo ocupou cargos e a presidência do Sindicato Rural. Como sindicalista patronal rural, demonstrou prestígio e fez parte da diretoria do outrora Conselho Consultivo dos Produtores de Cacau-CCPC, chegando a ocupar cargos importantes, como a Secretaria.

Foi sócio de alguns empreendimentos, entre eles uma fábrica de balas e uma indústria de química que fabricava água sanitária e alvejante: a Alvex. Usando sua experiência adquirida na área de marketing dos jornais do Rio de Janeiro, promoveu uma revolução na comunicação de Itabuna, junto com o jornalista Cristóvão Colombo Crispim de Carvalho, ao promover o lançamento do produto utilizando o teaser.

Manuel Leal possuía verve afiada e uma facilidade incrível de fazer amigos – desafetos também –, tornando uma pessoa importante na sociedade regional. Foi fiscal da Prefeitura de Itabuna e, em seguida, nomeado fiscal do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC), que mais tarde se tornou o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), após a unificação do sistema.

Vida estabilizada – cacauicultor, empresário, funcionário público –, Manuel Leal sempre teve uma grande paixão: o jornalismo. Ainda estudante do Colégio Divina Providência, fundou o polêmico jornal A Terra, que lhe tornou ainda mais conhecido. Logo depois criou o Tribunal Regional, que fizeram história ao falar abertamente do cotidiano, da economia e da política, sempre com uma linguagem afiada, o que não agradava os poderosos.

Desde estudante que era considerado comunista, embora se relacionasse perfeitamente e com destaque com pessoas das mais diversas classes sociais e ideologias, seus amigos e de sua família. De vez em quando um comunista famoso procurado pela polícia era abrigado em sua casa ou fazenda, com todas as honras e mesuras que merecia, a pedido dos tantos amigos.

Em 1987, junto com o escritor e jornalista Hélio Pólvora, Manuel Leal funda os jornais Cacau LetrasA Região, dois jornais elaborados com esmero e que – de cara – ocuparam o merecido lugar na comunicação estadual. E A Região conseguiu chegar ao clímax, influenciando o pensamento e a política regional. E o jornal passou a ser aguardado aos sábados pelo conteúdo altamente polêmico.

Além de Hélio Pólvora, passaram pelo A Região editores e repórteres da mais alta linhagem do jornalismo sulbaiano, mantendo, sempre, o tom “manuelino” que fez história na comunicação regional. Algumas semanas a tiragem de 5 mil exemplares era insuficiente para atender aos ávidos leitores e a gráfica tinha que se desdobrar para aumentar o número de exemplares.

Lembro-me quando editor de A Região – junto com Daniel Thame – inovar na diagramação do jornal, modificando, inclusive, a primeira página para aproveitar uma grande notícia de última hora. Não raro, jornal na gráfica, nos livrávamos das chamadas da primeira página, substituindo-a por um tijolão de três laudas e uma foto de um fato que não poderia deixar de ser publicado.

Com todas essas atividades, Manuel Leal nunca deixou de ser o fiscal do INSS, fiscalizando empresas das cidades baianas. Numa dessas viagens tinha como motorista o seu fiel escudeiro José Emanoel Aquino, o conhecido “Cambão”. Ao se aproximar do posto da Polícia Rodoviária Federal, em Itamaraju, o policial fez o sinal para o veículo em que viajavam parar para fiscalização.

Assim que o policial se aproximava do carro, Manuel Leal sacou do bolso da camisa uma carteira de couro com as armas da República contendo sua carteira funcional do INSS, e brandiu:

– Fiscal federal do INSS. Estou a serviço! – exclamou.

Tranquilo, o policial rodoviário não se intimidou com a carteirada e retrucou em quente:

– E o senhor quer dizer que eu estou aqui brincando, não é…Favor passar os documentos do veículo e do condutor – pediu.

Como não estava acostumado a ser retrucado com veemência, Manuel continuou a viagem até Medeiros Neto sem dar uma palavra com seu amigo “Cambão”.

Manuel Leal foi assassinado após uma denúncia feita pelo jornal A Região. Hoje o jornal é mantido na forma digital pelo seu filho, o jornalista Marcel Leal.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado. Com artigos e crônicas, ele também edita o Blog Walmir Rosário.

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Marcone Sarmento será levado a júri em Salvador
Leal foi morto a tiros há 21 anos

Vinte e um ano depois e sem que nenhum mandante do crime tenha sido descoberto ou preso, Marcone Sarmento será novamente julgado pelo assassinato do jornalista e dono do Jornal A Região, Manuel Leal. O crime foi praticado na noite do dia 14 de janeiro de 1998 e ganhou repercussão nacional.

Sarmento foi denunciado pelo Ministério Público Estadual (MP-BA) como um dos executores. Os atiradores fizeram a emboscada no portão do sítio onde Leal morava, no Bairro Jardim Primavera, entre o Batalhão da PM e o Complexo Policial de Itabuna. O jornalista e servidor público federal foi atacado ao descer do veículo para abrir o portão.

Sarmento e mais dois homens foram julgados como os pistoleiros que estavam em uma caminhonete na noite da emboscada. O julgamento será no próximo dia 22, no Fórum Ruy Barbosa, em Salvador.

Em 2005, Marcone foi levado a júri, mas acabou absolvido. O novo julgamento ocorre por evidências de que parte do júri tenha sido manipulada, tendo em vista as provas contundentes contra Marcone, segundo o MP ao recorrer da decisão do júri. Um outro acusado acabou sendo absolvido e um terceiro condenado, Monzart da Costa Brasil, a 18 anos de prisão.

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Jornal manterá edição impressa.
Jornal manterá edição impressa.

O Jornal A Região decidiu manter a sua versão impressa, porém com foco na edição online, segundo anúncio feito nesta semana. A edição impressa terá algumas mudanças.

Dentre as mudanças, a redução de 20 para 16 páginas e da cobrança por anúncio. O Balaio passará a cobrar R$ 2,00 por classificado publicado. “A gente sentiu a obrigação de resistir por mais tempo”, informa a publicação.

A Região foi fundado em abril de 1987 por Manuel Leal e Hélio Pólvora e circulava com 5 mil exemplares a cada edição até o final da década de 90. A tiragem começou a cair por causa dos altos custos da operação impressa e o impacto da internet, que passa a ser o foco maior da própria publicação.

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Há exatos 15 anos, em uma noite lamentável para os que lutam pela liberdade de imprensa, seis tiros covardes mataram numa emboscada o fundador do semanário A Região, Manuel Leal. Ele foi vítima de um típico crime de mando, como lembra o jornalista Daniel Thame, que durante mais de uma década trabalhou com o dono do jornal que fez fama de combativo e polêmico.
Thame observa que, dos acusados de participar do homicídio, apenas o ex-policial Mozart Brasil foi condenado. E aponta que “as investigações, propositalmente capengas, nunca chegaram nem perto dos mandantes”.
“Enquanto a impunidade permanecer e não houver justiça, Manuel Leal será uma amarga lembrança para os que, como este blogueiro, tiveram a oportunidade de conviver com alguém demasiadamente humano, nas virtudes e nos defeitos”, escreveu o jornalista (confira aqui).

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Marival Guedes | marivalguedes@yahoo.com.br

Leal deu o troco: “não entendo porque um médico sério e competente como Adib Jatene tem a coragem de sacrificar um bezerro para salvar a vida de Antônio Carlos.”

Nas eleições de 86 os principais candidatos ao governo do estado eram Josaphat Marinho e Waldir Pires. O primeiro apoiado pelo governador João Durval e pelo ministro das comunicações Antônio Carlos Magalhães. Manuel, leal a Antonio Carlos, era superintendente da Companhia Viação Sul Baiana, “vaca leiteira” dos candidatos governistas.

O esquema funcionava com transferências de recursos para o ICB (Instituto de Cacau da Bahia), principal acionista. Quando o dinheiro era depositado na conta da empresa no Baneb, um assessor da Sulba sacava e entregava aos candidatos. Às vezes também os políticos vinham buscar o dinheiro da arrecadação na “boca do caixa”.

Numa dessas operações Manuel Leal, temendo problemas, ligou para o deputado Luís Eduardo Magalhães reclamando contra a sangria, e ouviu: “meu pai lhe colocou aí pra você fazer política.” Waldir Pires venceu a histórica eleição. Com a derrota do grupo, Leal foi procurar um dos beneficiados, eleito deputado federal, para saber como ficaria a contabilidade da Sulba. Mas este estava de partida para os Estados Unidos e mandou o superintendente “se virar”.

O rompimento

Manuel procurou Antonio Carlos e quando fez o relato ouviu a frase que marcaria o rompimento: “você deveria ter me avisado. Estou me sentindo traído. E abandonou o fiel escudeiro que passou a responder na justiça pelos desvios de recursos.

Troca de farpas

A partir daí começaram as trocas de farpas. Antônio Carlos retornou ao governo da Bahia nas eleições de 90 e visitou Itabuna. Magoado, Leal, proprietário do jornal A Região, publicou foto de ACM passando pela porta da casa de dona Sarinha, viúva do prefeito José de Almeida Alcântara, que muito ajudou o governador. Na legenda escreveu que ACM sequer cumprimentou a viúva, numa clara prova de ingratidão. O chefão ficou furioso.

Veio novamente a Itabuna inaugurar o colégio Amélia Amado e “destilou” a maior parte do discurso contra Manuel Leal, que há algum tempo havia se submetido a uma cirurgia cardíaca, sendo atendido pelo famoso Adib Jatene a pedido do governador. Sarcástico, pediu desculpa a Itabuna por ter salvado a vida de Manuel Leal. Aproveitou e “aconselhou” os empresários a não anunciar no jornal do ex-aliado.

Mas Antônio Carlos também tinha se submetido a uma cirurgia cardíaca  e recebeu enxerto extraído do coração de um bezerro. Manuel Leal deu o troco numa auto-entrevista ao jornal de sua propriedade: “não entendo porque um médico sério e competente como Adib Jatene tem a coragem de sacrificar um bezerro para salvar a vida de Antônio Carlos.”

Marival Guedes é jornalista e escreve às sextas no Pimenta.

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Marival Guedes | marivalguedes@yahoo.com.br

O antigo Diário de Pernambuco já pertenceu ao poderoso grupo Diários Associados, comandado por Assis Chateaubriand. Um filho do velho Chatô assumiu a direção do jornal que tinha muitos funcionários antigos. Para não demiti-los, por causa das altas indenizações, arranjou funções mais leves pra eles.

Para o gráfico Anísio, um negro alto e forte, colocaram uma mesa e uma cadeira na porta da sala do diretor Albuquerque  (que contou este caso ao jornalista Ramiro Aquino) para fazer triagem entre as pessoas que pretendiam falar com o administrador.

Um dia Chateaubriand foi à sala de Albuquerque e flagrou Anísio debruçado sobre a mesa, dormindo. Entrou enfurecido na sala e determinou ao diretor: “dê-lhe uma advertência verbal, na reincidência uma reprimenda por escrito e, na terceira, ponha-o no olho da rua.”

Albuquerque, experiente administrador e velho amigo de Anísio, argumentou: “veja, bem chefe, o homem tem 46 anos de casa e a indenização não vai ser pouca coisa…”. Chatô refletiu: “É, neste caso, vamos pisar macio pra não acordá-lo.”

O CHATÔ DA REGIÃO

Quando li Chatô,o rei do Brasil, o também controvertido Manuel Leal dono do jornal A Região, assassinado em 14 de janeiro de 1998, estava vivo. Na legislatura 1997/2000, os vereadores Hamilton Gomes e Carlito do Sarinha se desentenderam. O primeiro era agressivo e treinava boxe em sacos de areia. Já o segundo, magro igual um faquir. Hamilton decidiu terminar a discussão desferindo um soco em Carlito.

Na edição seguinte, o jornal A Região publicou que Carlito havia aplicado uma surra em Hamilton. Teve até charge.

Hamilton foi “tirar satisfações” com Manuel Leal. A resposta de Leal foi bem ao estilo Chatô: “Hamilton, no meu jornal amigo meu não apanha, só bate.”

ENTREVISTA

Certa vez fui entrevistar Leal. Quando entrei na sala, o cumprimentei: “bom dia, Mau-nuel”. E ele, no ato: “bom dia, Mau-rival”. Transcrevo um trecho da entrevista:

Leal você faz imprensa marron?

– Não, meu jornal é vermelho magenta.

Mas você costuma atacar as pessoas…

– Quem não quiser ser denunciado, ande direito.

São vários os comentários que você faz jornalismo apenas por dinheiro.

– O jornal tem custos.

Mas jornal não é armazém de secos e molhados.

– Mas no final do mês os jornalistas querem dinheiro. Principalmente os comunistas, estes são os mais exigentes.

Marival Guedes é jornalista e escreve no PIMENTA às sextas-feiras.

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– Assassinos e mandantes tiveram proteção do aparato policial

Valéria, Denise, Wagner e Marcel: reparação à morte de Manuel Leal (Foto Manu Dias).

A família do jornalista e proprietário do jornal A Região, Manuel Leal, assassinado em 14 de janeiro de 1998 em Itabuna, recebeu das mãos do governador Jaques Wagner a indenização de R$ 100 mil recomendada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), num ato ocorrido há pouco, no CAB.

Participaram do ato na governadoria os filhos Marcel e Valéria Leal e a superintendente da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Denise Tourinho. O governador baiano disse que “a indenização não devolve a vida do jornalista, mas é um passo a mais contra a impunidade no estado”.

A indenização é paga no Dia do Jornalista, 7 de abril. Também é um reconhecimento do estado de sua inoperância (ou negligência) no caso. Todas as investigações, sejam policiais ou conduzidas pela própria família, apontavam para uso do próprio aparato policial do estado para proteger mandantes e assassinos.

Leal morreu quando denunciava irregularidades na prefeitura de Itabuna (Foto Arquivo).

Manuel Leal foi assassinado quando chegava à sua residência, no bairro Jardim Primavera, em Itabuna, há 12 anos. Três homens desceram de uma caminhonete GM Silverado e executaram o jornalista com seis tiros. Apesar da residência de Leal estar situada entre o complexo policial de Itabuna e o 15º Batalhão da Polícia Militar, e a menos de 400 metros de um e de outro aparelho policial, ninguém foi preso.

A investigação se arrastou por muito tempo e registrou vários “equívocos” de delegados do caso, dentre eles Jacques Valois Coutinho, Gilberto Mouzinho e Raimundo Freitas, e o promotor público Ulisses Campos Araújo. Apenas um dos apontados como executores do jornalista chegou a ser preso, o ex-agente da polícia civil Monzar Brasil, que foi demitido da Secretaria de Segurança Pública da Bahia em 4 de dezembro do ano passado.

O inquérito do  caso deverá ser reaberto. Dos apontados como envolvidos na execução, também foi a júri o ex-presidiário Marcone Sarmento, que acabou sendo absolvido por um conselho de sentença formado por parentes do ex-prefeito e ex-deputado Fernando Gomes e funcionários da prefeitura de Itabuna à época. Dias antes do assassinato, Leal recebeu ameaças de assessores diretos do prefeito, o que fez aumentar as suspeitas da autoria do atentado à liberdade de imprensa.

Fernando era sempre citado no rol de mandantes do crime contra Leal, assim como a ex-secretária de Governo Maria Alice Pereira Araújo e o delegado da polícia civil, Gilson Prata. Marcone tinha ligações com Maria Alice e Fernando Gomes. Hoje ele é funcionário do diretório itabunense do DEM e nega relação com o crime.

Leal foi um dos dez jornalistas e radialistas assassinados na Bahia nos anos 1990. Nenhum dos mandantes de crimes estão na cadeia. Em 1998, momentos depois da morte de Leal, o ex-governador Paulo Souto visitava Itabuna e afirmava que esclarecer o crime era “uma questão de honra” para o estado. Não esclareceu.