Tempo de leitura: 8 minutos

ESCREVER É EQUILIBRAR-SE NA CORDA BAMBA

Ousarme Citoaian
Dia desses, grafei torço (verbo torcer), quando queria dizer torso (busto) – ferida em que um leitor diligente logo pôs o dedo. Em outros tempos, tentava-se (com um sorriso amarelo) justificar isso como “erro de imprensa”, uma impropriedade, já se vê: o erro seria, quando muito, de datilografia (usava-se máquina de escrever) e, hoje, de digitação (já não se escreve, digita-se).  Como o Ç está bem longe do S, o meu caso é sem remédio: não foi erro de digitação, mas derrapada das brabas, desatenção, desleixo. Mas, e daí?  – haverão de perguntar os mais pressurosos. É para dizer que as armadilhas, seja teclar a tecla (ops!) errada ou se permitir atos falhos, sempre rondam quem escreve.

RECLAME NÃO É QUEIXA, É PUBLICIDADE

Por exemplo: temos visto um abusivo emprego de reclame, como substantivo: “A PM quer ouvir os reclames da população”, diz um jornal, um blog fala dos reclames quanto ao transporte ao Carefour, outro informa que a UPB registra muitos reclames de prefeitos e um terceiro acusa, de dedo em riste: “O governo de Ilhéus não atende aos reclames da população”. Aqui não se trata de “erro de digitação”, pois veículos diversos não conseguem cometer o mesmo engano, de forma recorrente. Logo, é desinformação, de fato. Reclame, para os casos citados, não serve. O mais indicado é reclamo, que remete a reclamação, queixa; reclame é anúncio (ao lado, um do Leite Leik, no Diário da Tarde de Ilhéus, anos 60).

ORESTES BARBOSA E OS VERSOS LUMINOSOS

Há um abono em Arranha-céu, de Orestes Barbosa, ao descrever (com versos de sete sílabas) uma situação em que o sujeito espera, de coração dilacerado, a mulher que não vem. O cara fica “vendo a cidade a luzir/ nos seus delírios nervosos/ dos anúncios luminosos/ que são a vida a mentir”. Mais adiante, o poeta, na voz de Sílvio Caldas (foto), cai na real e afirma: “Cansei de olhar os reclames/ e disse ao peito ´não ames,/ que teu amor não te quer´”…  Os reclames a que ele se refere são os luminosos (“que são a vida a mentir”, lindo verso!). Faustão sabe o que é reclame, tanto que criou a expressão “Reclames do plim-plim”, em referência aos comerciais da Globo, não às queixas da Globo.

OLAVO BILAC E O SEU PODEROSO RECLAME

Até o começo do século XIX não havia agências de publicidade, sendo os escritores, em especial os poetas, chamados a fazer anúncios. Conta-se que um amigo de Olavo Bilac lhe pediu um reclame para a venda de um sítio. O poeta fez algo assim: “Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo, cortada por cristalinas e marejantes águas de um ribeirão. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes na varanda”.  Dias depois, soube que o amigo desistira da venda. O sujeito, ao ler o reclame, “descobriu” a maravilha que era o sítio, para ele, até então, apenas um terreno, uma casa velha e umas árvores, coisa que só lhe dava prejuízo. Ah, do que é capaz o bom texto!
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COMPLEXO DE CULPA INQUIETA COLUNISTA

Penso em sugerir ao  Pimenta colocar nesta página a tarja “Cuidado! Perigo! Afaste-se!”, ou algo equivalente. É que me sinto na contramão do mundo e, no caso, com a possibilidade de influenciar (o pensamento mais arcaico diria “desencaminhar”) alguns leitores, o que me daria certo complexo de culpa. Conforta saber que as crianças não me leem, daí não sofrerem interferências negativas em seu desenvolvimento sociocultural. Pelo menos é o que espero das mães mais cuidadosas, pois com os pais, todo mundo sabe, é difícil contar. Senão, vejamos em que se baseiam minhas preocupações, de todo fundadas.

JOÃO, NOEL E SAMUEL, TODOS SÃO ROSA

Como (e aí me refiro aos adultos, obviamente) ler alguém que não vê a novela das oito (que na verdade é das nove!), não tem discos do Chiclete, de Claudinha, nem de Ivete? Minha preferência é Rosa, Guimarães ou Samuel (foto), sem esquecer de Noel, ou Rosa de Pixinguinha, e Rosa minha madrinha, ou ainda Rosa Passos  e  também Rosa Maria, de Lupicínio um achado, em boa e velha canção: “Seu nome é Maria Rosa, seu sobrenome, Paixão”. Quero Caetano, Caymmi – fiz uma aliteração? – e também Luiz Gonzaga, eterno rei do baião, eu quero Cauby Peixoto, quero mais Elis Regina, chega do forró maroto, que me agride em cada esquina.

CARLOS CACHAÇA, CANDEIA E BADEN

Eu quero o som da Portela, Sarah Vaughan, Billie, Ella, jazz e samba de Cartola, quero Jackson do Pandeiro, Gil, Paulinho da Viola. De Alcione o vozeirão, de Jacó o bandolim, pelo não e pelo sim, para botá-los nos trilhos sugeridos por meu estro, eu chamaria o maestro Antônio Carlos Jobim. Eu quero xote e baião, Carlos Cachaça e Candeia, Baden Powell ao violão (foto), Clementina (“Não vadeia”!), show de Zeca Pagodinho, Marcelo Ganem, Toquinho, as rimas de Ari Barroso, quero Elizete Cardoso, boa poesia e prosa, canção de Orestes Barbosa, samba-enredo da Mangueira, versos de Manuel Bandeira, contos de Guimarães Rosa.

POESIA, CONTA E NOVELA (NÃO DE TEVÊ!)

Quero Nelson Cavaquinho, com o sorriso no caminho, para eu passar com a minha dor, lembrando ainda outro Nelson, o que canta “Normalista”, e quase encerrei a lista, mas vou deixá-la em aberto, pois só agora desperto: eu não citei o maior, e o maior é João Gilberto. Permaneço nesta trilha, invoco Telmo Padilha, o breque de Morengueira, haicais de Abel Pereira, Cyro de Mattos em festa, com Canto a nossa senhora, prece em favor da floresta, da nossa fauna e da flora. Quero a Piaf de outrora, novela (não de tevê!!!) mas Os galos da aurora (de rimar o autor eu fujo – só se fosse Hélio Polvóra!), me tragam Jorge Araujo e nada lhes peço mais, com uma só exceção: é Vinícius de Moraes, que eu chamo de… “poetão”.

A MENINICE EM FIRMINO ROCHA

Rua da meninice
em noite de maio
desperta em mim
velhas canções,
antigas sagas,
amoríssimas baladas
de quando os luares faziam cirandas,
histórias de moças perdidas nos bosques,
sonhares em mim de doces afagos.

Rua da meninice
em noite de maio
me faz parecer
que nunca pequei,
que  nunca chorei,
que nunca sofri.

O POETA E SEU RITUAL DE SOLIDÃO

O autor de “Rua da meninice em noite de maio”, Firmino Rocha (Itabuna, 1919-Ilhéus, 1971), é, na visão crítica de Cyro de Mattos (na antologia Itabuna, chão de minhas raízes), poeta “místico e romântico”, com “voz essencialmente lírica”, tendo “vários poemas endereçados mais aos ouvidos do que aos olhos”. Assis Brasil, em A poesia baiana no século XX, deplora a ausência de fontes sobre Firmino (foto), dizendo tê-lo encontrado apenas na referida antologia de Cyro e numa nota publicada no extinto suplemento A Tarde Cultural. É ainda Cyro de Mattos quem anota: “Comove o ritual de solidão que cumpria esse poeta de espírito manso nas madrugadas de sua cidade natal”.
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O ESTADO ESPUMA E RANGE OS DENTES

Se fosse possível escolher uma canção-símbolo para o blues, esta seria Strange fruit, de Lewis Allan (foto), feita em 1940 e imortalizada por Billie Holiday. Diz a lenda que Allan (também conhecido pelo  nome judeu de Abel Meeropol) ficou impressionado com uma foto dos anos 30, com negros assassinados e pendurados pelo pescoço, numa árvore. “Estranhos frutos”,  pensou o poeta. Billie Holiday, negra, comprometida com seu povo, encerrava seus shows com esta música. Ao cantar Strange fruit, ela chorava, enquanto o poder espumava e rangia os dentes: é uma canção política, e por isso a cantora teve que se explicar às autoridades americanas.

UM TOM SANGUÍNEO DE CRUELDADE

O mais curioso é que Strange fruit, a rigor, não é blues, ao menos na forma em que o gênero é mais comumente definido – aquilo que os músicos chamam de 12 compassos, num esquema de pergunta e resposta. Sem possuir bagagem técnica, eu fiquei com essa dúvida, até ver The Blues – uma jornada musical (a série de sete filmes coordenada por Martin Scorsese). Um músico, já não me lembra quem, deu a resposta: tudo que Billie Holiday canta é blues, pelo patos que ela imprime à canção, que “contamina” com seu sofrimento pessoal. Vista assim, Strange fruit é essencialmente blues, pela letra carregada na cor vermelha da crueldade e da injustiça e pela interpretação insuperável de Lady Day (foto).
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as
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O FRUTO ESTRANHO E PODRE DO RACISMO

O Sul dos Estados Unidos era o local das plantations de algodão, com negros submetidos a odiosas formas de vida. É difícil imaginar a degradação em que essas pessoas sobreviviam – sob pressão de grande parte da população branca. O grupo racista Klu Klux Klan (KKK), com atuação ao longo dos tempos, registra um rosário de agressões a negros, hispanos e judeus, com linchamentos, incêndios e assassinatos (também de brancos simpatizantes). A filosofia da KKK resiste: em 1963, um seu ex-membro jogou uma bomba numa igreja batista do Alabama, matando quatro meninas negras; em 2001, um plebiscito decidiu manter na bandeira do Mississipi um símbolo associado à defesa da escravidão (a cruz de treze estrelas)

“SANGUE NAS FOLHAS E NA RAIZ”

Antes de ouvir, saiba que a letra fala de árvores que “têm um estranho fruto”, corpos negros balançando ao sopro da brisa sulina, “sangue nas folhas e sangue na raiz e, no último verso, a conclusão de que se trata de “uma estranha e amarga colheita” (a strange and bitter crop”). Clique, se for capaz.


(O.C.)
Tempo de leitura: 4 minutos

Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

Um casal, interpretado pelos mais comediantes que atores Steve Carell e Tina Fey, quer uma noite diferente, e consegue uma bem ao estilo “sessão da tarde” – para não entrar em spoilers já mostrados pelo trailer, “cheia de aventuras de tirar o fôlego”. Essa é a premissa de Uma Noite Fora de Série (Date Night – EUA, 2010), de Shawn Levy, filme cujo recheio traz encadeamentos tão absurdos que criam expectativa e ambiente curiosos – embora não vá muito além disso.

Por mais que o assunto aqui seja um casal, e não um indivíduo a perambular à noite por Nova Iorque, essa sinopse (e o que carrega o filme) leva à inevitável lembrança de Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese. Não se trata, obviamente, de pedir a Levy um filme tão autoral quanto aquele – ainda que um dos menos inspirados de Scorsese. Mas o que mais incomoda aqui é o fato de ele (que soa como o maior responsável pelo que existe de menos brilhante ali) não conseguir ir além de um irritante grifo televisivo em um filme-novela com potencial como este.

A direção aqui, ao invés de suavizar as mudanças de atmosfera (o que, me parece, seria mais interessante), potencializa o efeito bipolar do roteiro. É impressionante como são incluídas sequências que vão da tristeza a mais completa euforia – sempre frisados. Sobram boas intenções para se fazer uma maluquice híbrida de gêneros, mas falta delicadeza para trabalhar com elementos que se mostram a princípio desarmônicos não só em um único filme, mas às vezes em uma única cena.

É instalada então uma crise de identidade. Uma Noite Fora de Série é uma comédia conservadora à base de estrelas, rostos e corpos atraentes e carismáticos, mas todo blockbuster da mesma família o é. Com isso, o que mais salta aos olhos é o potencial nunca explorado, mas sim geralmente atropelado – às vezes literalmente. Dos personagens ao resultado, presenciamos uma confusa correria sem fim que parece mais uma pressa gratuita (que resulta em mais se$$ões por dia) que o ritmo do filme de fato.

Uma Noite Fora de Série não funciona tão bem como o que se espera de uma comédia comandada por Levy, Carell e Fey (isto é, pouco além do puro riso), e chega próximo de ser um ótimo passatempo – uma das sessões mais rápidas nos últimos tempos. Mas seu caráter domesticamente tresloucado não nos prende tanto pela atenção e pela criatividade de fato, embora elas estejam presentes ali.

A impressão maior é a de um roteirista que, ao invés de fazer um bom roteiro que falasse por si só, preferiu dizer “olha como posso escrever uma trama cheia de artimanhas”. A tentativa de ser diferente soou maior que o talento – e nem Levy, Carell e Fey conseguiram ir além disso.

Visto, em cabine de imprensa, no Multiplex Iguatemi – abril de 2010.

Uma Noite Fora de Série (Date Night – EUA, 2010)

Direção: Shawn Levy

Elenco: Steve Carell, Tina Fey, Mark Wahlberg, James Franco, Mila Kunis, Ray Liotta

Duração: 88 minutos

Projeção: 2.35:1

8mm

Chuva sem água. Graças ao fantástico sistema viário de Salvador (de ônibus, gastei 35 minutos de casa ao Iguatemi – o mesmo que gastaria a pé), cheguei à cabine de Caso 39 (Case 39 – EUA, 2009), de Christian Alvart, com dez minutos de atraso, o que não me deixa falar do filme. E não, o pior é que, na quarta-feira (7), não havia caído uma gota de água em Salvador – engarrafamento era só pra agradar mesmo.

BBB da morte. Baseado em livro fenômeno japonês, a premissa de Batalha Real (2000), de Kinji Fukasaku, é fantástica. Em mundo apocalíptico, o país sofre com desemprego e violência juvenil, e 41 alunos (maioria conhecidos entre si) são enviados a uma ilha para disputar um jogo cujo objetivo é simples e irreversível: depois de três dias, entre os 41 colegas, ser o único sobrevivente.

Batalha… é uma espécie de reality show militar, um tipo de BBB da morte. Cada “eliminação”, e o que leva cada a um matar (ou morrer), é geralmente bem marcante, mostrando do que o ser humano é capaz quando acuado e atordoado – com o filme indo (mesmo sem nunca parecer colocar a política à frente) de um manifesto direitista a um absurdo otimista (didático e irritante).

Por outro lado, a trilha soa presente em demasia, e exceção feita aos momentos informativos (e agonizantes), que nos ajudam a contabilizar as mortes, os letreiros parecem redundantes; assim como os diálogos, em sua maioria uma coleção de lugares comuns – o que contrasta ainda quando pensamos em raros momentos de pura inspiração. Mesmo assim, ainda que outro porém sejam os dez minutos finais, Batalha Real é qualquer coisa menos ordinário. E já precisa ser revisto.

Filmes da semana

1. Batalha Real (2000), de Kinji Fukasaku (DVDRip) (***)

2. Os Viciados (1971), de Jerry Schatzberg (DVDRip) (**1/2)

3. Boleiros 2: Vencedores e Vencidos (2006), de Ugo Giorgetti (DVDRip) (***)

4. O Fantástico Sr. Raposo (2009), de Wes Anderson (Cinemark) (**1/2)

5. Crimes e Pecados (1989), de Woody Allen (DVDRip) (***)

6. Beijo na Boca, Não (2003), de Alain Resnais (DVDRip) (**1/2)

7. Caso 39 (2009), de Christian Alvart (Multiplex Iguatemi – Cabine de imprensa) (**)

8. Uma Noite Fora de Série (2010), de Shwan Levy (Multiplex Iguatemi – Cabine de Imprensa) (**1/2)

9. Clube da Lua (2004), de Juan José Campanella (DVDRip) (**1/2)

10. Permanent Vacation (1980), de Jim Jarmusch (DVDRip) (**1/2)

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Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”.

Tempo de leitura: 3 minutos

Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

Desde a apresentação do logo da Paramount em Ilha do Medo (Shutter Island – EUA, 2010), embora flerte com o clichê, a soturna trilha sonora se distancia o suficiente do óbvio para trazer uma convincente agonia que parece não ter fim. E apesar do roteiro ser tão pouco crível (a ponto de nem se encaixar com a certa dose de exagero proposta), Ilha do Medo é também, enquanto combinação de som e imagem, um dos resultados mais potentes obtidos por Scorsese nos últimos anos – ainda que essa mesma potência termine por escancarar os contras do filme.

A paranoia – e praticamente tudo ligado a ela, o que não é pouca coisa – é sentida por Teddy Daniels (Di Caprio soberbo), detetive cujo passado tem o hábito de atormentá-lo, desde a passagem pela guerra a problemas familiares. Essas sequências são mostradas em cenas com expressividade e (em alguns casos) estilização que se juntam a uma leveza para a criação de uma violenta empatia com o atormentado Daniels. Obcecado por questões obscuras não só no seu passado como na inóspita, hostil e aterrorizante ilha-manicômio onde se encontra, ele mergulha cada vez mais em um mundo cheio de perguntas sem resposta.

O porém é quando essas perguntas, e outras que não eram feitas, ganham resposta – não li o livro e não sabia da reviravolta. É inevitável lembrar de detalhes e momentos marcantes do filme que, quando colocados juntos à sua mudança de rumo, fazem essa virada tão surpreendente quanto tola. Assim como boa parte da penúltima cena, que investe um bom tempo em uma explicação – quase tão irritante quanto detalhada – do que aconteceu. O fim da tensão aflitiva é a queda de um precipício de qualidade, é o término do que o filme tem de excelente.

É natural pensar que muito do que incomoda em Ilha do Medo vem justamente do poder de Scorsese em potencializar esse contraste. O brilhantismo na construção da atmosfera ressalta o esquematismo e a confusão do (mesmo assim interessante) roteiro. O que se nos deixa a sensação de ainda estarmos diante de um mestre (há algum tempo) no apogeu de seus domínios, também nos deixa a certeza de que ele já escolheu – ou escreveu – filmes mais bem resolvidos.

Visto em cabine de imprensa no Multiplex Iguatemi– Salvador, março de 2010.

Ilha do Medo (Shutter Island – EUA, 2010)

Direção: Martin Scorsese

Elenco: Leonardo Di Caprio,Mark Ruffalo, Bem Kingsley, Max Von Sydow, Michelle Williams, Emilly Mortimer

Duração: 1388min

Projeção: 2.35:1

8mm

Mãe – A busca pela verdade

Em Mãe – A busca pela verdade (Madeo – Coréia do Sul, 2009), de Joon-ho Bong, tudo é bem calculado, o mistério é cuidadosamente mantido, e o final é algo surpreendente. Sua mecânica, contudo, varia entre o completo domínio do meio e do público (é provável que em mais de uma vez você acredite estar certo quando não está), e uma necessidade – que me incomodou – de justificar a inserção de cada mínimo detalhe, de se assumir milimetricamente dominador e excessivo, pela potencialização da reviravolta. O que ele já tinha sido em O Hospedeiro (2006), é verdade, mas (talvez pelo fato de se tratar de um filme de gênero), o “deixar claro que tenho o controle”, pelo menos ali, parecia fluir mais naturalmente. Ainda assim, também como em O Hospedeiro, estamos diante de um entretenimento de altíssimo nível. Agora com um filme cujo gênero é menor que a mensagem. Aqui, ele faz uma defesa da cegueira do amor – e do viver bem isso. Bonito.

Filmes da semana:

1. O Medo do Goleiro diante do Pênalti (1972), de Wim Wenders (VHSRip) (**1/2)

2. Separações (2002), de Domingos de Oliveira (DVDRip) (***)

3. Mãe – A Busca Pela Verdade (2009), de Joon-ho Bong (Cinema da Ufba) (***1/2)

4. A Faca na Água (1962), de Roman Polanski (DVDRip) (***)

5. Intriga Internacional (1959), de Alfred Hitchcock (DVDRip) (****)

6. Ilha do Medo (2010), de Martin Scorsese (Cabine de imprensa – Multiplex Iguatemi) (****)

7. A Câmara da Morte (2007), de Alfred Lot (DVDRip) (**1/2)

8. Onde Vivem os Monstros (2009), de Spike Jonze (Cinema do Museu) (***)

9. Quanto Dura o Amor (2009), de Roberto Moreira (Cinemark) (***1/2)

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Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”