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Aldicemiro Duarte | mirinho_estivador@hotmail.com

Aqui, a nossa fome é de verdade, o desemprego é de verdade, a favelização é de verdade, a pobreza é de verdade.

O ator encarna personagens, vestindo-os em uma roupagem bem próxima da realidade.
O cantor canta a paz, canta o amor, canta a dor, o encanto, o desencanto, a flora, a fauna e por aí afora.

Quando o ator faz um papel de pobre, ele passa fome de mentirinha, torna-se um desempregado de mentirinha, mora em uma favela de mentirinha, tudo é de mentirinha.
Quando o cantor canta qualquer um dos seus temas, através da maviosidade da sua voz, pode passar sentimentos nunca por ele vividos.

A arte como arte deve ficar no mundo do intangível, porque é soberana e move inexplicável e indefinidamente os sentimentos que elevam e alimentam a alma e o espírito, e nos servem de estímulo para continuarmos caminhando e enfrentando as dificuldades que a dura realidade do dia-a-dia nos oferece. A arte nos vitamina as forças para superar e transpor obstáculos reais, vivos, duros, que nos massacram, que nos fazem cambalear, que nos embriagam de dor e desesperança. Ah, se não fosse arte que nos empurra com o seu braço forte, como quem diz: vai, covarde, que a vida é luta e a gente respira, levanta, sacode a poeira e vai embora.

A arte nos fortalece quando aquele ator que passa fome de mentirinha, desempregado de mentirinha, residente em uma favela de mentirinha, tudo de mentirinha, consegue, no seu papel bem desempenhado, vencer todas as suas dificuldades e lá, no final da novela, torna-se vitorioso. Aí, a gente, cá no mundo real, passando fome de verdade, desempregado de verdade, morando em uma comunidade carente de verdade, mira-se no espelho daquele ator, adota a sua forma de luta como meio de sobrevivência e segue em frente.

Ou quando aquele cantor diz: “Vem, vamos embora, que esperar não é fazer”….. Isso é a arte imitando a realidade, concedendo-nos o direito de sonhar para ocupar o nosso espaço pretendido.

Quando entrevistados, a quase unanimidade dos artistas afirma que “ralou” para vencer, ou seja, para sair do mundo real do sofrimento, para o mundo da imitação da realidade.
Uma coisa é imitar a realidade. A outra é viver a realidade.

Há trinta anos, a mesorregião sul-baiana, constituída por 70 municípios, de repente entrou em decadência. A juventude, desacostumada com a miséria, viu-se obrigada a deixar a família e buscar a sobrevivência em outros Estados. Muitos dos que aqui ficaram passaram a sobreviver de biscates, outros se transformaram em alcoólatras, outros em drogados e outros enlouqueceram.

Nesses trinta anos de decadência, nunca ouvimos sequer uma palavra de conforto de Caetano Veloso, nem de Lázaro Ramos, nem de Paula Lavigne, nem de nenhum artista, com relação à miséria que assola a região do cacau. Desconhecemos um show beneficente realizado por qualquer um deles, que são Defensores das Causas Desconhecidas, em favor de qualquer dos 70 municípios da mesorregião sul-baiana.

Caetano, Paula, Lázaro Ramos, vocês são excelentes artistas quando imitam a realidade. Portanto, não tentem inverter as coisas, porque vocês são péssimos tentando fazer da realidade uma mentirosa imitação da vida. Aqui, a nossa fome é de verdade, o desemprego é de verdade, a favelização é de verdade, a pobreza é de verdade. Sim, uma verdade que contrasta com a nababesca realidade de vocês.

Aqui, a miséria não precisa ser imitada. Ela é real.

O Porto Sul é uma realidade trazida para acabar com os sonhos de especuladores insensíveis, que sobrevivem há 30 anos à custa da miséria de uma região, se escondendo por detrás de um falso manto e um igualmente falacioso argumento de defesa do meio ambiente.

Talvez, vocês estejam sendo bois de “expia”. Com certeza, não sabem nem o que é Porto Sul.
Antes de propagandear o que não conhecem, por que vocês não vêm discutir o assunto com a população? O desafio está feito.

“Xô, xuá, cada macaco em seu galho…”

Aldicemiro Duarte é estivador e coordenador do Comitê de Entidades Sociais em Defesa de Ilhéus e Região (Coeso)

Do blog Guarda Embaixo