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Eduardo Estevam

 

Enquanto Nabuco preconizava mudanças dentro da ordem, dentro do espaço jurídico e político formal, Luiz Gama, apresentava uma postura mais radical.

 

Vários intelectuais desenvolveram um projeto político para o Brasil no século XIX, em meio às lutas e disputas políticas pela afirmação e estabilização do Estado-nação, cada um alinhando suas práticas sociais as suas concepções políticas e ideológicas. Dois intelectuais entrecruzaram-se em virtude do processo abolicionista. São eles: Joaquim Nabuco (1849-1910) e Luiz Gama (1830-1882).

O primeiro, branco, pernambucano, filho de uma família letrada e escravocrata, historiador, jurista, fez carreira política nacional (deputado) e internacional (diplomata), abolicionista, republicano e defensor de um projeto de Brasil democrático. O segundo, negro, baiano, filho de escrava e escravizado até os 17 anos, advogado, jornalista, editor (fundou em 1864 o primeiro jornal caricaturado, o Diabo Coxo), poeta, orador, abolicionista, republicano e defensor de um projeto de Brasil democrático e pluriétnico.

Nabuco desenvolveu um pensamento crítico com bastante rigor político sobre o problema da escravidão. Conjecturava uma sociedade democrática republicana que “integrasse” o negro ao universo da diversidade existente, ou seja, no mundo dos brancos. Seu projeto de modernização do sistema político e social consistia numa integração étnica hierarquizada e subalterna, onde os valores da cultura branca estariam a preponderar. Nabuco, teorizou a escravidão, jamais sobre o sujeito negro.

A escravidão foi seu objeto de análise e a base para construção de todo o seu edifício teórico-crítico. Em sua campanha abolicionista, discursou veementemente sobre os malefícios e os problemas (vícios) morais e sociais oriundos da escravidão, mas sem jamais ter discursado para negros ou diante de um público negro. Para Nabuco, arregimentar negros e insulfra-los diretamente para uma campanha anti-escravidão era perigoso, pois poderia provocar uma haitinização, ou seja, uma revolução negra.

Luiz Gama desenvolveu seu pensamento por meio da poesia satírica, textos jornalísticos e discursos político (oratória). A produção cultural de Gama situa-se num espaço construído pela diáspora e na contracultura da modernidade. Gama pretendia afirmar a contribuição africana no Brasil, justamente no momento da consolidação da identidade da nação brasileira. Sua posição era de que existia uma africanidade dentro do modelo de brasilidade construído socialmente.

Enquanto Nabuco preconizava mudanças dentro da ordem, dentro do espaço jurídico e político formal, Luiz Gama, apresentava uma postura mais radical: “o escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. O projeto de Gama para o Brasil era a construção de uma nação heterogênea em que os grupos étnicos estivessem numa condição relacional e sem privilégios.

A historiografia notabilizou e cristalizou Joaquim Nabuco, canonizando-o e ao mesmo tempo silenciando e subalternizando a produção social de Luiz Gama. Com a emergência dos estudos culturais com foco numa história vista de baixo, nas margens da cultura ou nas histórias diaspóricas jamais documentadas, redimensiona-se o lugar social da produção de Luiz Gama, consequentemente desestabiliza-se os vultos da intelectualidade brasileira.

Eduardo Estevam faz Pós-Graduação (doutorado) em História Social pela PUC-SP.

Artigo publicado originalmente no blog Tempo Presente