Tempo de leitura: 2 minutos

 

O Itabuna fez 11 e o adversário apenas 1, o de honra. Se é que um gol honra um time que leva 11 ou uma seleção que toma sete.

 

Marival Guedes | marivalguedes@yahoo.com.br

Em 1969 uma jovem conheceu, numa festa/exposição, integrantes dos Novos Baianos. Gostou e tomou uma decisão tão louca quanto o grupo: abandonou o curso de Comunicação na USP, família que morava num confortável casarão, amigos e estágio. Partiu junto.

Marília Aguiar não tocava nem cantava. Mas, nesta aventura, muito ajudou na administração 1979, quando o grupo se separou. Ela relata a experiência no livro Caí na Estrada com os Novos Baianos (ed. Agir), prefácio de Zélia Duncan e posfácio de Paulinho Boca de Cantor.

Um dos capítulos é sobre um jogo contra o Itabuna. No retorno de Salvador ao Rio, no final do carnaval de 1973, o dinheiro já estava acabando quando passavam na cidade. Então lembraram de um amigo fazendeiro.

Marília não entra em detalhes, mas o fazendeiro era Reinaldo Sepúlveda e quem fez o contato foi o repórter fotográfico Mário Queiroz, produtor do grupo na Bahia e amigo de Reinaldinho.

Na fazenda Amaralina, ela diz “que surgiu uma proposta bizarra”, marcar uma partida contra o Itabuna. Lembra que, “além da música, os Novos Baianos eram apaixonados por futebol. Tinha até time, o NBFC-Novos Baianos Futebol Clube e acreditavam que eram craques”. Doce ilusão.

Mário conversou com o então presidente do Itabuna, o advogado Gervásio José dos Santos, e ficou combinada a realização da partida com a renda dividida, 50% para cada equipe. A divulgação foi ampla e o estádio, a Desportiva Itabunense, lotou.

Livro de Marília Aguiar narra experiência com o grupo Novos Baianos

Segundo Marília, “o NBFC jogava muito mal”. Os torcedores reagiam com vaias, palavrões e chamavam os cabeludos de veados. “Baby não gostou, subiu no banco de reservas e revidou com os mesmos adjetivos. ”

O Itabuna fez 11 e o adversário apenas 1, o de honra. Se é que um gol honra um time que leva 11 ou uma seleção que toma sete.

A autora diz que a torcida ficou revoltadíssima quando percebeu que havia sido enganada e pagou para o seu time jogar contra amadores. Começou a ameaçar. A polícia foi chamada e escoltou o grupo até a fazenda. Receberam a parte combinada e foram despachados cedinho, pra evitar novas confusões.

Na véspera do jogo foi realizado um show no cine Marabá. Assisti ao belo espetáculo, Inesquecível. “Pernas de pau” no futebol, craques na música, os Novos Baianos entram na história da MPB. Há documentários sobre eles, o mais famoso é Filhos de João, referência a João Gilberto, que teve decisiva influência sobre os caminhos musicais do grupo.

Marival Guedes é jornalista.

Moraes Moreira faleceu no Rio de Janeiro, aos 72 anos || Foto Enrico Porro
Tempo de leitura: < 1 minuto

Um dos maiores músicos baianos, o cantor Moraes Moreira faleceu nesta segunda (13), no Rio de Janeiro, aos 72 anos. A causa da morte ainda é desconhecida. Ele morreu enquanto dormia, segundo um dos amigos, Paulinho Boca de Cantor, afirmou ao jornalista Marrom.

Baiano de Ituaçu, Moraes Moreira cantou grandes sucessos como Acabou chorare, Preta pretinha e Sintonia (Escute essa canção). Ganhou o Brasil com os Novos Baianos, em composição com Baby Consuelo, Luiz Galvão, Pepê Gomes e Paulinho Boca de Cantor. Mais informações em instantes. Abaixo, confira Moraes entoando Preta pretinha com os Novos Baianos.

Tempo de leitura: 6 minutos

Leandro Afonso | www.ohomemsemnome.blogspot.com

É comum biografados ou documentados segurarem filmes pelas suas presenças ou pelos seus passados. O melhor expoente brasileiro talvez seja Pelé Eterno (2004), de Anibal Massani Neto, e um exemplo recente é o Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague (2009), de Emmanuel Laurent. Nesses casos, e em alguns outros, o resultado pode vir de uma preguiça do realizador, mas também de uma incontrolável intensidade daquilo tratado na tela. Filhos de João – O Admirável Mundo Novo Baiano (idem – Brasil, 2009), estreia na longa-metragem de Henrique Dantas, se encaixa muito mais no segundo caso.

O documentário, que o diretor disse ter levado 11 anos para ficar pronto, fala sobre Os Novos Baianos, grupo que, para encurtar a conversa, viu a versão brasileira da Revista Rolling Stone, em 2007, eleger seu álbum Acabou Chorare (1972) como o maior disco brasileiro da história. No entanto, o filme investe menos numa mitificação do quão bom era o grupo e mais em questões pontuais sobre ele: o porquê do nome, a relação com João Gilberto, a mudança do som, o ápice, as relações, o porquê do fim e muitos, muitos casos e causos.

Se nos primeiros questionamentos, e em todo o filme, ficamos com a ideia de alguém que sabia exatamente o que mostrar, felizmente isso não resulta em uma já pré-concebida e obsessiva mensagem a ser passada. Dantas passa a sensação de que sabia o que perguntar e soube exatamente como editar. Ele se mostra humilde ao reconhecer a importância dos entrevistados e deixá-los levar o filme, e demonstra controle do meio para dar ritmo – mesmo que ele próprio faça ressalvas o filme.

“Nós sabíamos que a maior presença do filme seria a ausência de João Gilberto”, disse após a sessão. Ele tentou contactar o compositor, mas os oito dias de insucesso se aliaram ao baixo orçamento do filme e o fizeram desistir da ideia. Baby Consuelo, outra ausência no corte final, decidiu não liberar mais suas imagens. O que se por um lado é um contra do filme, por outro não é por demérito dele, e Dantas se vira bem com o que sobra. Desde depoimentos dos outros membros até imagens de arquivo, passando por momentos brilhantes – seja para ajudar na construção do grupo com a visão de alguém de fora, seja por divagações homéricas – de Tom Zé (foto acima).

Os muitos aplausos do final, em sala super-lotada (do meu lado vi quatro pessoas sentadas no chão, em espaço que comportava três em pé), soaram como uma espécie de suspiro de um cinema que se basta por ser bem executado e ter algo a dizer. Isso porque, semana passada, o crítico André Setaro causou polêmica ao dizer (não vi o programa, apenas ouvi os comentários) que o cinema na Bahia se resumia basicamente a Edgard Navarro – que, inclusive, tem imagens de seu Superoutro (1989) aqui.

Sem entrar na controvérsia (aqui não é o espaço), enquanto não estreia O Homem que não Dormia, novo filme de Navarro, e O Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro, Henrique Dantas (homem das artes plásticas e que já trabalhou até com Manoel de Oliveira) chega com força. Sem a aparente pretensão de salvar ou revolucionar nada, mas com honestidade e qualidade sempre bem-vindas – e poucas vezes encontradas nas bandas de cá num tempo recente. Triste vê-lo sair sem nenhum prêmio do evento.

Visto no Espaço Unibanco (Panorama Internacional Coisa de Cinema) – junho de 2010.

8mm

Recife Frio

O ponto mais alto do Panorama Internacional Coisa de Cinema, e que para mim levaria todos os prêmios possíveis, foi Recife Frio (idem – Brasil, 2009), de Kleber Mendonça Filho. Após o documentário Crítico (2008), seu primeiro longa, KMF volta ao curta-metragem com aquele que talvez seja seu melhor filme. Falso documentário, ficção-científica, crítica social, histórica, política e religiosa. Quando descrito, Recife Frio tem inimaginável megalomania; quando visto, a sutileza de um poema para um diário.

Uma emissora argentina faz um documentário sobre Recife, que misteriosamente vê suas temperaturas caírem depois de atingida por um objeto, aparente motivo da mudança climática. Entre outras coisas, o documentário fala sobre a cidade e seus defeitos, e fala sobre as diferentes reações e diferentes justificativas que cada um busca para encarar o fenômeno.

Recife Frio flui com a naturalidade de um filme de gênero bem comportado e calculado, só que com a inventividade de um híbrido poucas vezes visto – e com o parêntese de que, diferente de alguns casos do filme de gênero bem comportado e calculado, aqui temos alma. Alma de alguém que, como em alguns de seus outros curtas (Menina do Algodão, Eletrodoméstica), se mostra afetado – às vezes mais, às vezes menos – por sua cidade, conhecedor de suas imperfeições, e próximo da perfeição ao se expressar sobre ela e (por que não?) o cinema, através do cinema. KMF disse que pensou em fazer arquitetura (desistiu ao pensar em matemática), mas que hoje em dia ela o interessa mais quando dá errado. Seria lindo se todo erro, uma vez irreversível, resultasse em tamanho acerto.

Pouco antes do festival de Cannes, após 12 anos, KMF abandonou a crítica. Disse que a deixava, também, para se dedicar ao seu primeiro longa. Recife Frio, mais que isso, dá a impressão de que KMF deixa parte da vida (do cinema) para fazer histórias.

Panorama

Com o VI Panorama Internacional Coisa de Cinema, que aconteceu em Salvador, decidi mudar o esquema de filmes da semana. Já que vi, no mesmo período, fora do evento, apenas Tudo Pode Dar Certo (2009), de Woody Allen, e O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski, eles entram na lista dos filmes do mês. O resto entra em lista específica do Panorama.

A maior falha, além de não ter visto a todos os filmes e ter ocupações que me impedem de ser onipresente e exclusivo, foi não assistir aos da Sala Walter da Silveira – não vi, entre outras coisas, nada de Kurosawa. Por questões de diversidade, terminei acampando no Espaço Unibanco.

Ps: Recife Frio ganhou o prêmio do júri jovem. Fantasmas e Pacific simplesmente não bateram. Não assisti aos outros premiados.

Ps2: Ponto alto também, e presenciado depois de texto escrito, foi Redenção (1959), primeiro longa baiano, dirigido por Roberto Pires, restaurado (com o que restou) e com a presença de dois dos protagonistas na sala. Bom citar também Terra Estrangeira (1996) em 35mm. Por mais que a cópia tivesse lá suas falhas, filme cresceu ao ser revisto – muito bom.

Filmes do mês

10. Vidas que se Cruzam (2008), de Guillermo Arriaga (Cinema do Museu) (**1/2)

9. O Leopardo (1963), de Luchino Visconti (DVD) (**1/2)

8. De Punhos Cerrados (1965), de Marco Bellocchio (DVDRip) (***)

7. O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962), de Robert Aldrich (DVDRip) (***)

6. O Primeiro a Chegar (2008), de Jacques Dillon (sala Walter da Silveira) (***)

5. O Espírito da Colméia (1973), de Victor Erice (DVDRip) (***)

4. Traição em Hong Kong (2007), de Olivier Assayas (DVD) (***1/2)

3. Tudo Pode Dar Certo (2009), de Woody Allen (Cinema do Museu) (***1/2)

2. A Bela Junie (2008), de Christophe Honoré (DVDRip) (***1/2)

1. O Escritor Fantasma (2009), de Roman Polanski (UCI Multiplex Iguatemi) (****)

VI Panorama Internacional Coisa de Cinema:

  1. Um Lugar ao Sol (2009-PE), de Gabriel Mascaro (***)
  2. O Joelho de Claire (1970), de Eric Rohmer (***)
  3. A Fuga da Mulher Gorila (2009-RJ), de Felipe Bragança e Marina Meliande (***)
  4. Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague (2009), de Emmanuel Laurent (***)
  5. Pacific (2009-PE), de Marcelo Pedroso (***)
  6. Redenção (1959-BA), de Roberto Pires (***)
  7. Filhos de João (2009-BA), de Henrique Dantas (***1/2)
  8. Terra Estrangeira (1995), de Walter Salles (***1/2)

Curtas:

9. Zigurate (2009-SP), de Carlos Eduardo Nogueira (***)

10. Recife Frio (2009-PE), de Kleber Mendonça Filho (****1/2)

11. Silent Star (2009-BA), de Alexandre Guena (**)

12. Fantasmas (2009-MG), de André Novais (**1/2)

13. Supermemórias (2010-CE), de Danilo Carvalho (**)

14. Avós (2009-SP), de Michael Warmann (***1/2)

15. Querida Mãe (2009-SP), de Patrícia Cornils (**)

16. Faço de mim o que quero (2010-PE), de Sérgio Oliveira e Petrônio Lorena (***)

17. Bailão (2009-SP), de Marcelo Caetano (**1/2)

18. Bike Ride (2009), de Bernard Attal (***)

______________

Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”.