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A VANTAGEM EM COMPRAR DISTANTE DA LOJA

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
1VendedorNão sou bom com vendedores de livrarias e casas de discos. Muitos deles lá estão sem nenhum treinamento prévio, nada entendem de técnicas de vendas, não conhecem o produto com que trabalham. Em tempos imemoriais, eu resolvia este problema comprando pelo reembolso postal (os avós do amável leitor sabem do que estou falando). Depois veio a internet e me transformei num habitual comprador em lojas online.  Nunca tive problemas sérios (recentemente adquiri uma coleção de 25 CDs da Folha de S. Paulo e faltaram duas unidades: reclamei e foram repostas rapidamente). Pela internet não tenho de lidar com vendedores ignorantes e mal-humorados.

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O  jazz tratado como caso de polícia

“O livro de Billie Holiday (Lady sings the blues, da Brasiliense), lançado nos EUA em 1956, teve sua versão brasileira entre os mais vendidos de 1985, provando que o jazz é viável como negócio de livraria. Para os jazzófilos de qualquer idade, esta leitura é apaixonante e única. Afinal, a bibliografia por aqui é raríssima, discografia não existe e a ignorância dos que se dedicam ao negócio é, simplesmente, assombrosa: dia desses, mencionei a palavra jazz numa casa de discos de Itabuna, a mocinha ficou corada do dedão do pé à raiz dos cabelos e ameaçou chamar a polícia…” (Antônio Lopes – Buerarema falando para o mundo/1999).
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ENTRE PARÊNTESES

3Abel PereiraChova ou faça sol, haja frio enregelante ou calor de derreter o asfalto, qualquer tempo é tempo para se falar (bem) de Abel Pereira. Nesta lembrança, eu, que não sou poeta (“O que sou eu, afinal?” – a interrogação aflitiva ecoa dentro de mim), brinquei de fazer haicai. Nada sério, só saudade daquele bom e simples Abel Pereira que, já com mais de 90 anos quando o conheci, não me permitiu chamá-lo de “seu” Abel. Pedindo clemência à gentil leitora pela pieguice explícita, aqui vai o que parece ser uma eterna lida do homem:
 
Este amor tão puro
 
Tenta noite e dia abrir
Teu coração duro.

EM LITERATURA, É O LEITOR QUEM DECIDE

Em era que longe vai publicava o extinto Jornal do Brasil (bons tempos, aqueles!), semanalmente, uma seção chamada “O que você está lendo?”, com esta pergunta sempre dirigida a pessoas famosas, é claro. Por ali pesquei várias dicas de leitura, às vezes me dei bem, às vezes, não. É que opiniões sobre literatura (e acho que arte, em geral), por mais “técnico” ou “inteligente” seja quem opine, é sempre avaliação pessoal. O que um crítico conceituadíssimo como Wilson Martins, por exemplo, recomenda não vai, necessariamente, me agradar. Só acredito lendo. Voltando ao JB, foi naquela seção que “descobri” José Saramago. O ator José Lewgoy estava lendo A jangada de pedra – e eu fui na onda (ops!).
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5Harold BloomJosé Saramago, antes de ganhar o Nobel

Li A jangada… tão logo me foi possível, e fiquei zonzo: aqueles parágrafos imensos, às vezes tomando toda a página, me dificultaram o entendimento do que o autor queria dizer. Saliente-se que Saramago, naquele fim de 1986, não era o quase best-seller de hoje, Prêmio Nobel lido e aprovado até pelo festejado Harold Bloom: era pouco conhecido por aqui e digo que “estive a consultar” dois intelectuais itabunenses (de quem, compreensivelmente, omito os nomes) que de nada sabiam. No terceiro (aconteceu na fila do Banco Itaú), soube que José Saramago era “grande escritor português, um escritor verdadeiro”. Assim me falou, de passagem, Hélio Pólvora, mas este não conta, porque leu tudo (não de tudo!).
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Atenção ao som e ritmo das palavras
Mais tarde, já consagrado, Saramago ouviu de um escritor um problema idêntico ao meu, a crítica à narrativa de difícil compreensão. O autor de Caim não passou recibo, não se mostrou disposto a alterar o modelo de escritura, dizendo que seu texto devia ser lido uma segunda vez, com atenção ao som e ritmo das palavras, sugerindo até que se leia em voz alta (ou se imagine uma leitura em voz alta). Parece-me que, por aí, ele se equipara a Guimarães Rosa, cuja beleza da escrita costuma “esconder-se” ao primeiro contato, para desabrochar numa segunda (ou terceira!) visão. Fico “a imaginar” (estou hoje, reconheço, um tanto lusitano) se todo autor não merece esta homenagem da segunda leitura.
 

UM NAMORADO DE ROSTO “INFOTOGRAFÁVEL”

7BroadwayJá virou lugar-comum neste espaço coluna: as canções mostradas aqui tiveram gravação de “todo mundo”. Por não ser especialista, nem a coluna ser lugar de experimentações, trato apenas de temas consagrados do jazz (os ditos standards), que os leitores já conhecem. É o caso de My funny valentine, da dupla de midas Rodgers-Hart (o que eles tocam vira sucesso), que já teve mais de 1.200 gravações. No original (uma peça da Broadway, de 1937), Valentine é o rapaz – ridicularizado pela namorada. Ela fala da cara risível (laughable) dele, que é “infotografável” (unphotographable) etc. Mas ele a faz rir e, portanto, não precisa mudar nem um fio de cabelo (don’t change a hair for me). Letrinha boba.
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Chet Baker, aos 58 anos, parecia ter 80
Tóquio, 1987. No palco, um Chet Baker devastado pela heroína. Ao seu lado, músicos de alta qualidade, embora os críticos não lhes reconheçam a excelência que o trompetista merecera outrora: Harold Danko (piano), Hein van de Gein (baixo) e John Engels (bateria), no show que resultou num CD duplo, com 11 faixas. Destacamos a quinta do CD 1, My funny valentine. A voz pequena e frágil de Baker teria inspirado um certo João Gilberto a fazer uma revolução no Brasil. Para mim, simples ouvinte, este solo de Chet é um emocionante momento do jazz: definhando a olhos vistos, o trompetista encontra pulmões para uma surpreendente cascata de notas. Morreu no ano seguinte, aos 58 anos. Parecia ter 80.
(O.C.)
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O autor da coluna UNIVERSO PARALELO (publicado no Pimenta aos sábados) fez uma citação velada do poeta, professor, tradutor, editor e militante comunista capixaba Geir Campos (1924-1999). O verso “Quero ter meus braços compridos para os abraços” (no original: “temos braços longos para os adeuses”) veio na “conversa” que Ousarme Citoaian mantém às terças-feiras com os leitores da coluna.

O. C. respondeu a todos os comentários postados, com seu estilo que combina ironia, gentileza e um respeito muito grande por quem o lê. Sobre o poeta, ele disse que não planejou a referência, o verso lhe veio espontaneamente. “É bom pra pôr na mídia um grande poeta que ninguém mais lê”, brincou o culto e gentil Ousarme.

Para ver os comentários – e a coluna desta semana – clique aqui.

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Corpo e Alma, primeiro livro da delegada de polícia civil e poeta Sione Porto, será lançado na próxima sexta, 21, às 19, no Hotel Tarik, em Itabuna.

Membro da Academia de Letras  de Itabuna (Alita), Sione traz em Corpo e Alma 60 poemas que são “fruto de emoção, sentimento, paixão pelas pessoas e celebração do amor à vida”, como a própria define.

O livro tem prefácio do juiz de Direito e presidente da Alita, Marcos Bandeira, para quem “Sione escreve  com  as  tintas da sensibilidade e da paixão”.

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A DOCE VIDA QUE VEM EM ONDAS DE CARINHO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

É doce viver aqui, embalado pelas ondas do carinho de tantas pessoas. É também doce agradecer a todos os que gastaram tempo para abrir e ler esta página do Pimenta e que, como se já não tivessem feito esforço suficiente, ainda postaram comentários que me emocionam – e, hélas!, aumentam  minha responsabilidade. Volto a Jorge Amado para, mesmo a voo de pássaro (adoro esta expressão, do francês à vol d’oiseau), dizer que não pretendi fazer análise literária: em terra de Margarida Fahel, Ruy Póvoas, Tica Simões (foto), Hélio Pólvora, Jorge Araújo e outros, a prudência me recomenda o silêncio nesse campo. Quis destacar em Jorge Amado, tão somente, a luta política. E, ainda assim, disse pouco.

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Escritor que não foi “coelho assustado”

Não conheço na literatura brasileira obra social e vida mais densas, identidade maior com nossa gente do que teve Jorge Amado. Às vezes tangenciando o “romance operário”, de feição panfletária, ele apresentou o povo baiano e regional ao Brasil e ao mundo. Lutou a boa luta, não se omitiu, não tremeu, não foi o “coelho assustado” em que muitos intelectuais se transformaram diante da força. Despertou ódios. Teve livros apreendidos e queimados, foi preso, perseguido, exilado, expulso da França e proibido (ele e seus livros) de entrar nos Estados Unidos. É um passado heroico que não pode ser anulado na base do “esqueçam o que eu escrevi”. Dentre os “perigos” da literatura está a permanência.

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Na corda bamba do ridículo

Dizer que Jorge Amado é melhor do que Victor Hugo (foto) e que Os trabalhadores do mar “não chega aos pés de Mar morto” foi uma tentativa (por certo não muito bem sucedida) de gracejo, pois esta coluna não tem a pretensão de comparar escritores. Sobretudo quando se manifesta pelo texto escrito, o humor vive na corda bamba do ridículo – daí a comunicação eletrônica ter criado símbolos (rsrsrsrsrs! e kkkk!) para “traduzir” as intenções de quem escreve. Eu, como fazia o grande Millôr, me recuso às piadas com bula, mesmo conhecendo o risco de, vez ou outra, depender da boa vontade de quem lê. Portanto, sendo o leitor rei e senhor do que escrevemos, se não fui entendido, mea culpa.

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PROVÉRBIOS MUITO POUCO SIGNIFICAM

Esta coluna é como uma conversa de bar, cheia de palpites, que, por serem palpites, ficam ao desabrigo de chuvas e trovoadas. “Quem diz o que quer, ouve o que não quer”, sentencia o provérbio, mas provérbios muito pouco significam – e isto já é um palpite. Há pessoas, e não poucas, para quem o provérbio (que também atende pelo nome de adágio, axioma, brocardo, aforismo, anexim, prolóquio, ditado, máxima, parêmia, rifão, sentença) é o suprassumo da sabedoria acumulada. Não eu. Penso, logo opino (às vezes desastradamente), não sei de muitas verdades acabadas. Portanto, que a gentil leitora e o atento leitor relaxem, e não me levem (a mim nem à vida) excessivamente a sério.

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Chineses amam provérbios e exportações

Não é que não empregue provérbios na minha pobre escrita. Acho-os, às vezes, saborosos, e muitos deles até guardam um rastro da malícia e sabedoria ancestral do nosso povo. Li que a língua que mais usa provérbios é a chinesa, o que não deve surpreender a gentil leitora e o gentil leitor, pois a China é inventora de muitas coisas do nosso cotidiano: a tipografia, a seda, a bicicleta, o detetor de mentiras, o papel, o xadrez, o calendário lunar, o sismógrafo, a caneta, os óculos – para citar alguns. Por último, (re) inventaram a venda de bugigangas por atacado, para o mundo inteiro. Acho que os provérbios lhes caem muito bem. Só que eu não sou chinês.

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IMAGINAÇÃO É REMÉDIO CONTRA A REALIDADE

A vida há de ser lida no original, pelos nossos olhos, não pelos olhos dos outros. Mesmo assim, o texto interpretado por pessoa mais experiente nos ajuda a entendê-lo. Pensei nisso relendo o poema de Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada (que todo mundo conhece, nem que seja vagamente). É exemplo acabado de “escapismo romântico” – forma de evadir-se da realidade desagradável, o que os poetas fazem usando o devaneio, a imaginação. No caso, Bandeira “muda-se” para Pasárgada (um lugar perdido na Pérsia), onde as coisas acontecem de forma contrária ao seu dia a dia cheio de limitações. O poeta era tuberculoso – e esta informação é indispensável para que a gentil leitora entenda o poema.

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No romantismo, um quê de esquizofrenia

Vejam como Bandeira fala de Pasárgada, seu refúgio: “Lá sou amigo do rei/ lá tenho a mulher que eu quero/na cama que escolherei”. Outro mundo, irreal, idealizado, quase uma criação esquizofrênica. Depois de confessar o motivo dessa evasão (“Aqui eu não sou feliz”) o poeta delira ao descrever seu Horizonte perdido: “Lá a existência é uma aventura/ de tal modo inconsequente/ que Joana, a Louca de Espanha,/ rainha e falsa demente,/ vem a ser contraparente/ da nora que nunca tive”. Mais adiante ele fala em fazer ginástica, andar de bicicleta, montar burro brabo, subir em pau de sebo – enfim, as coisas que, pelo padrão da época, eram vedadas aos “doentes do peito”.

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Caymmi também criou uma Pasárgada

Quase 30 anos depois, em 1956, Caymmi empregaria este recurso do escapismo em Maracangalha: “Eu vou pra Maracangalha, eu vou/Eu vou de liforme branco, eu vou/ Eu vou de chapéu de palha, eu vou/ Eu vou convidar Anália, eu vou…” Em Maracangalha, que também existe no triste mundo real (fica em São Sebastião do Passé), o sentido de fugir da vida vivida para a imaginada é o mesmo de Pasárgada: lugar remoto, espaço de tranquilidade e paz, fora do mondo cane em que vivemos. Veja que o poeta aspira à companhia feminina, mas deixa claro que a fuga dele é inegociável: se ela não quiser ir, azar: “Eu vou só sem Anália, mas eu vou”. Faltou dizer que o liforme branco (forma popular de uniforme) significa que o poeta vai em paz.

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A poética e o seu inofensivo fingimento

Será que a gentil leitora e o não menos exigente leitor se preocupam com pasárgadas, maracangalhas, horizontes perdidos ou outros refúgios idealizados? Não há direito a prêmio (não sei qual é a resposta certa), mas atestará seu grau de romantismo. Quem enfrenta a vida numa boa 24 horas por dia e sete dias por semana, sem desesperar-se ou querer fugir para um mundo pessoal, por certo tem um coração valente, mas não romântico. Se o desamparo e a desesperança nos assaltam, não parece de todo ruim equipar de asas a imaginação e ganhar o espaço. Pensando bem, que serventia nos oferece este vasto mundo, se renunciarmos ao sonho e desdenharmos o inofensivo fingimento da poesia?

O.C.

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Equipe que produz o documentário

A turma responsável pelo projeto “Memórias do Rio Cachoeira” conclui nesta segunda-feira, 29, a produção do vídeo-documentário que contará a história do rio que se identifica com a cultura grapiúna. Areeiros, lavadeiras, aguadeiros, pescadores, ambientalistas, sociólogos e historiadores estão entre os que foram escolhidos para falar sobre o Cachoeira.
O projeto, que tem o objetivo de contribuir com o registro e preservação da história da região, inclui também um CD com 12 poemas de autores itabunenses. Os poemas estão sendo musicados pela banda Manzuá.

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“POETA” AGRIDE A LITERATURA NORDESTINA

Ousarme Citoaian
Várias mídias festejaram que um delegado de Brasília “lançou mão dos seus dotes poéticos cordelistas” (sic) para relatar o inquérito sobre a prisão do receptador de uma moto roubada. É lamentável que os veículos, por ignorância de quem os produz, deem abrigo a coisas desse tipo. O delegado, longe de poetar, agride a poesia: na sua versalhada (mais de 60 linhas) não há um só verso razoável. Piligra e Gustavo Felicíssimo, que cultivam o gênero, não encontrarão aqui nada que se salve. “Já era quase madrugada/Neste querido Riacho Fundo/Cidade muito amada/Que arranca elogios de todo mundo” – é a primeira quadra, anunciando o atentado à métrica. Deus, oh Deus, onde estás que não respondes? Sextilhas piores virão.

TERNO AÇOITE DE CORDAS LEVES E SONORAS

“Logo surge a viatura/Desce um policial fardado/Que sem nenhuma frescura/Traz preso um sujeito folgado”. Fiquemos por aqui, para não propagar artigo tão pífio, nem aumentar o calor da indignação. Sentenças e petições em versos não são novidade. Era 1955, em Campina Grande, quando o advogado Ronaldo Cunha Lima (foto) foi chamado a “soltar” um violão tomado de um grupo de boêmios. O “cliente” é “qualificado” em decassílabos: “Seu viver como o nosso é transitório,/mas seu destino, não, se perpetua./Ele nasceu para cantar na rua/e não pra ser arquivo de cartório”. Conclusão: “Mande soltá-lo pelo amor da noite/que se sente vazia em suas horas,/pra que volte a sentir o terno açoite/de suas cordas leves e sonoras”.

VERSEJANDO, CARLOS MARIGHELA TIROU DEZ

Se os 40 versos do futuro político Cunha Lima são bons, os 14 do juiz Arthur Moura, sobretudo os últimos, atingem a alma: “Recebo a petição escrita em verso/e, despachando-a sem autuação,/verbero o ato vil, rude e perverso,/que prende, no cartório, um violão./Emudecer a prima e o bordão,/nos confins de um arquivo em sombra imerso/é desumana e vil destruição/de tudo que há de belo no universo./Que seja solto, ainda que a desoras,/e volte à rua, em vida transviada,/num esbanjar de lágrimas sonoras./Se grato for, acaso ao que lhe fiz,/noite de lua, plena madrugada,/venha tocar à porta do Juiz”. Carlos Marighela (foto) tirou dez numa prova de Física, em versos(no Colégio da Bahia,1929). O delegado, a meu juízo, zero.

AS AGÊNCIAS DEVERIAM ASSINAR SUAS PEÇAS

Quem tiver a grandeza de perdoar à publicidade alguns excessos, como tirar o acento circunflexo de Banco Econômico (marca já extinta) e colocar acento agudo em pitu, da Aguardente Pitu, terá bons momentos a apreciar. Gosto tanto do tema que sugeri às agências divulgarem seus nomes nas peças que produzem. Seria, pareceu-me, boa forma de separar os bons dos medíocres. Ziraldo disse que divulgar uma obra de arte sem nome do autor (ele falava de música, mas eu incluo aí a propaganda) equivale a passar um cheque sem fundos. Minha ideia mereceu somente o desdém de um publicitário.

ANÚNCIO TRANSFORMADO EM OBRA DE ARTE

Entre clientes e publicitários há divergências. Os primeiros, por natural pragmatismo dos negócios, acham “bom” o anúncio que leva o cliente potencial ao ponto de venda – e, conforme diz o merceeiro da minha rua, “o resto é poesia”. As agências às vezes têm outra visão: ao invés de um simples anúncio para vender sabão, aspiram a obra de arte. É como bater pênalti: há quem dê uma cacetada entre o goleiro e um dos postes (o que é praticamente indefensável, devido à velocidade da bola); outros preferem um toque “artístico”, com risco de levar sua torcida a lagrimejar frustração e raiva.

DO SUTIÃ E DA BRASTEMP NINGUÉM ESQUECE

Grandes momentos da propaganda brasileira estão no imaginário de várias gerações:  Brastemp (“não é nenhuma brastemp, mas…”), Coca-Cola (“não é essa coca-cola toda”), Bayer (“se é Bayer, é bom”), Valisère ( ”o primeiro sutiã ninguém esquece”), A Tarde (“se deu n´A Tarde é verdade”) são clientes que ficaram famosos graças a suas contas publicitárias. Melhoral é um caso à parte: mesmo de baixa qualidade (“é melhor e não faz mal”) seu slogan pegou feito chiclete. Junto à lista um que vi há pouco na tevê, sobre um restaurante que trabalha com pescado: ”Dos mares, o melhor”. Perfeito.

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UMA CANÇÃO ME PERSEGUE HÁ MEIO SÉCULO

Defendo a tese de que nossa sensibilidade tem variações palpáveis, de acordo com o tempo e o espaço. E isto me parece tão óbvio, acaciano, primário e rasteiro que provavelmente alguém já defendeu tal ponto de vista. Estou querendo dizer que uma obra de arte (ou qualquer acontecimento) nos atinge de maneira diferente, a depender da circunstância em que com ela temos contato. Não somos máquinas. Pegamos um livro num dia e não lhe toleramos nem a leitura das primeiras frases; mais tarde, descobrimos que o mal não estava no livro, mas em nós. Não sei com que estado de espírito vi o filme O mágico de Oz para que a canção-título (Somewhere over the rainbow) jamais me saísse da memória.

NÃO HÁ LUGAR MELHOR DO QUE NOSSA CASA

O tempo passou, passou a grande atriz-cantora Judy Garland (1922-1969), chegamos à era da insensatez, quando a tela foi transformada em geradora de sangue e secreções sexuais. Mas a história da menina Dorothy e sua estranha trupe (o leão covarde, o espantalho e o homem de lata) permanece. Dorothy Gale (com seu cãozinho Totó) embarca num ciclone, viaja pela Estrada de Tijolos Amarelos, é assediada por bruxas más do Leste e do Oeste, chega à Cidade das Esmeraldas, entra em contato com o Mágico de Oz – e logo vai descobrir esta verdade universal que muitas vezes nos escapa: “Não existe lugar como a nossa casa”. De passagem: a terra de Oz tem menções literárias que remontam a 1910 (o filme é de 1939).

O FILME É ETERNO PORQUE FALA DE SONHO

Penso que O mágico de Oz é eterno porque fala de um dos mais universais dos nossos sentimentos – o sonho: “Em algum lugar além do arco-íris/os pássaros azuis voam/e os sonhos se tornam realidade”. A música ganhou registro de artistas do nível de Ray Charles, Ella Fitzgerald, Eric Clapton e Sarah Vaughan. Na excepcional trilha sonora de Uma babá perfeita (a que nos referimos recentemente) lá está Over the rainbow, cantada por uma visceral Jevetta Steele, em gravação especialmente para o filme. Há de se notar o sax tenor de Rickey Woodard (foto), com entradas precisas. Sabendo-se coadjuvante, Woodard se mantém nos limites. Mesmo quando tem preciosos 35 segundos para improvisar, evita que seu sax roube a cena.

(O.C.)

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JÁ MUITO ALÉM DO CABO DA BOA ESPERANÇA

Ousarme Citoaian
Foi com Emílio de Menezes que aprendi a beber uísque com água de coco. “Como?” – gritariam horrorizados puristas, para os quais uísque não se mistura – e, no seu espanto, me levantariam a bola para um mau trocadilho: eu não como, bebo. Mais: se o poeta morreu em 1918, este humilde e hebdomático colunista, para gabar-se de com ele ter bebericado, precisaria carregar no costado, pelo menos, 100 anos – e ter começado a beber ainda usando fraldas. Convenhamos que já estou meio para a idade provecta, mais pra lá do que pra cá, dobrado o Cabo da Boa Esperança e ofensas semelhantes, mas não tanto que ultrapasse uma centena de verões ardentes.  Meu convívio com o poeta não se deu em boteco, mas em livro.

EMÍLIO, QUEM DIRIA, NÃO É MAIS AQUELE


Trata-se de Emílio de Menezes, o último boêmio, de Raimundo de Menezes, bebido (ops!) na adolescência, e que agora recuperei num sebo. Réu, confesso: precoce, lia, bebia uísque e fumava (de fumar, logo me cansei, pois odeio vícios pequenos). Pois saibam todos que o velho e bom Emílio (a voz poética mais destrutiva que já se ouviu neste País) está também num livro psicografado por Chico Xavier (Parnaso de além túmulo) e, crenças à parte, não gostei de vê-lo “recuperado”, como ali se mostra em dois sonetos. Num deles, confessa: “Sou o Emílio, distante da garrafa,/ mas que não se entristece nem se abafa,/ longe das anedotas indecentes”. Não é Emílio, é anti-Emílio. 

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OPINIÃO DE LINGUISTA “PESA” EM DECISÃO

A variedade de entendimentos é um dos muitos encantos do Direito e, por extensão, da democracia e da vida. Um juiz de Niterói (poderia ser qualquer outro cidadão) recorreu à Justiça, exigindo ser tratado por “senhor”, pois se sentira ofendido ao ser chamado de “vocêpelo síndico do edifício onde mora. Pleiteava que também suas visitas recebessem do mesmo síndico o tratamento de “senhor”, “senhora”, “doutor”, “doutora” e por aí vai – e ainda pedia que, em caso contrário, fosse o “infrator” levado a pagar multa não inferior a 100 salários mínimos, por danos morais. No tribunal, o julgador negou-lhe a pretensão, com base em parecer da linguista Eliana Pitombo Teixeira.

DOUTOR É TÍTULO, NÃO FORMA TRATAMENTO

Segundo a professora, “você” é tratamento formal – por ser variante (contração) da alocução respeitosa “Vossa Mercê”. Para o magistrado sentenciante, “´Doutor´ não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento”. Estou perfeitamente de acordo quanto à segunda justificativa. Da primeira, data vênia, discordo frontalmente: “você”, embora vindo de uma expressão formal, é, na linguagem de todos os quadrantes do Brasil (exceto, talvez, alguns locais da região Sul), tratamento íntimo. Nenhuma pessoa medianamente educada usa “você” com pessoa idosa, autoridade ou desconhecido.

COMO REGRA, “VOCÊ” É TRATAMENTO ÍNTIMO

Não opino se há direito ou apenas pose na “exigência” do cidadão em não querer ser tratado por “você”. Apenas digo que “você”, em não sendo, por si só, forma ofensiva de abordagem, não é formal, como diz a ilustre professora, opinando a distância do falar brasileiro. Mas ela tem seguidores, obviamente: o ótimo apresentador Jô Soares costuma tratar todos seus convidados por “você” – e há quem ache isto normal (ele, por exemplo, acha). Assustou-me ver, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso e D. Evaristo Arns (para citar apenas duas figuras que devem receber trato formal) serem chamados de “você”. No meu entender, cometeu-se, nestes dois casos, uma descortesia. Ou mais.

“JUSTIÇA, PARA SER BOA, COMEÇA EM CASA”

Não resisto a esticar o assunto e fazer um comentário em torno da palavra “doutor”, de sentido hoje já desvirtuado (para não dizer desmoralizado) entre nós. Aqui, a tese aprovada por banca especializada não está entre as formas mais comuns de chegar ao título: mais fácil é obter uma licenciatura qualquer ou, na falta desta, vestir-se de branco. Bem fez famoso bacharel em Direito, de Itabuna, que, tão logo recebeu o diploma, reuniu a família e fez seu primeiro grande discurso: “A justiça, para ser boa, começa em casa; portanto, a partir de hoje, quero ser chamado de doutor”. Assim foi feito e assim é até hoje, “doutor pra lá, doutor pra cá”, com (quase) todos felizes.

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NOEL, UMA IMENSA PRODUÇÃO EM OITO ANOS

Vinícius de Morais, que praticamente abandonou a carreira de poeta “sério” para se dedicar a um gênero então considerado menor, a MPB, foi letrista dos mais profícuos. Penso que, em termos de produtividade, ele só tem rival em Noel Rosa, que fez mais de 200 composições – sem contar muitas que vendeu e foram assinadas por outros compositores. Vinícius ultrapassou a marca de 300. Não faltará fã de Noel a fazer as contas e concluir que o Poeta da Vila, que viveu 27 anos (1910-1937) realizou toda sua carreira musical em curtíssimo período (de 1929 a 1937). Já Vinícius (1913-1980) produziu durante 22 anos, a partir de 1958.

VINÍCIUS FOI BARROCO, NOEL FOI CAIPIRA

Visto assim, Noel foi mais produtivo. Porém a ideia não é comparar os dois autores e levantar polêmica, mas mostrar alguns pontos curiosos. Além desse da alta produção, os dois começaram com gêneros que logo abandonaram: Noel estreou com a embolada Minha viola, cuja letra hoje parece fora do padrão noelino: “Minha viola tá chorando com razão,/com saudade da marvada que roubou meu coração”. Vinícius começou em tom barroco, com Serenata do adeus. Refere-se à mulher como “estrela a refulgir” e cria estes versos: “Crava as garras em peito em dor/ e esvai em sangue todo o amor,/ toda desilusão”. Cândido das Neves assinaria.

EM VINÍCIUS, ATÉ CÂNCER ERA INSPIRAÇÃO

Noel subiu o nível dos seus versos, assumindo-se como poeta urbano “culto”, Vinícius abandonou a escola antiga, integrou-se à Bossa Nova, popularizou-se, sem fazer concessões à vulgaridade. Como costuma acontecer, o espaço se finda, e tanto ainda resta a dizer. Há tempo para citar Chico Buarque (foto), para quem Vinícius fazia letra de música com “qualquer coisa”. Certa noite, numa clínica para se tratar do excesso de uísque, o Poetinha ouviu que no quarto vizinho um homem com câncer estava em estado terminal – e alguém, logicamente, chorava seu desenlace iminente: Vinícius fez e mandou pra Baden pôr a melodia em Pra que chorar (aqui, com Zeca Pagodinho).
 

 O.C.

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Está sendo velado no Velório Santa Fé o corpo da poetisa itabunense Urânia Azeredo Bitencourt. Ela morreu na noite deste sábado, 29, após ficar alguns dias internada no Hospital São Lucas. Urânia, que tinha 48 anos, enfrentava complicações decorrentes de uma hepatite.

O corpo da poetisa será sepultado às 16 horas, no Cemitério do Campo Santo.

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O projeto Rock & Poesia II trará neste sábado, 27, à Casa dos Artistas de Ilhéus, o poeta Heitor Brasileiro e o músico Ricardo Maciel. A partir das 20 horas, eles se apresentam no espaço cultural, tendo como convidados o guitarrista Cassiano Gatto, o baixista Alexandre Bastos, além de Ricardo Matos (bateria).
O objetivo é promover uma fusão de poesia visceral, blues, jazz e funk. Após a apresentação,  rola um bate-papo entre os artistas e o público.
Ingressos para a atração podem ser adquiridos no local, a R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia).

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A bela Ilhéus nas lentes de José Nazal.

Gustavo Felicíssimo

Hoje a minha querida cidade de Ilhéus, onde nasceram e residiram tantos escritores, tantos poetas, comemora 476 anos de história, posto que foi uma das capitanias hereditárias do Brasil, e 129 de emancipação política. Bela, histórica e hospitaleira, está imortalizada nos romances de Jorge Amado e Adonias Filho, nas adaptações das suas obras para teatro e cinema, bem como em poemas de Sosígenes Costa, o poeta grego da Bahia, segundo Gerana Damulakis. Ainda Gil Nunesmaia, um dos primeiros haikaístas brasileiros é natural de Ilhéus, assim como Abel Pereira.

Em Ilhéus tenho grandes amigos, trabalho e estudo. E pela cidade, há muito tempo, sou completamente apaixonado. Por isso mesmo venho preparando um livro com poemas em sua homenagem, cujo título ainda não está definido, mas que pretendo publicar no próximo ano. A obra é composta por um poema longo, dividido em dez partes, e outros que versam sobre personagens e lugares da cidade.

Publico abaixo dois trechos de Saudação a Ilhéus, o poema longo ao qual me referi anteriormente, e outro, sobre um local e personagem bem conhecido do povo da cidade, o bom e velho Conde Badaró e sua barraca de praia.

SAUDAÇÃO A ILHÉUS

I

Ilhéus, de onde estou agora
abriga aurora e poente
encontro de rios que rasgam a terra
e o fragor do mar
o silêncio que se expande
a sinestesia de todas as cores
o segredo do ócio
o rumor de todas as águas
o cantar de todos os pássaros
a força do vento na vela
a tarde e a primeira manhã
montanha por montanha ao seu redor
onde paira a noite morna
as luas alvas, madrugadas
voando alto
a convergir todas as coisas
enquanto consagro horas à inutilidade
e escrevo versos para te saudar.

V

Sobre a tua superfície
uma imagem de água e de poder
em voltas que descrevem a história
que irrompe da lembrança mais longínqua
por onde navegam barcos ancestrais
com seus remos inquietos
a girarem no mesmo compasso
enquanto as ondas se afastam
e se aproximam, descompassadas
em rumores cada vez mais altos
cada vez mais exatos
por que na memória estão as águas recurvadas
o silêncio da alvorada
o nascer do sol à hora exata
à hora que mais esplende a vida
com todas as suas arcadas
enquanto afiro o peso da lucidez
e escrevo versos para te saudar.

Gustavo Felicíssimo é poeta e diretor de projetos da Fundação Cultural de Ilheus (Fundaci).

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O mês de fevereiro vai quebrar paradigmas na Casa dos Artistas, de Ilhéus. Juntos, no mesmo palco, todas as quartas-feiras, ícones do rock e da poesia regionais vão mostrar o quanto essa história de “estilos inconciliáveis” rende ótimos casamentos.

O show será comandado pelos poetas Gustavo Felicíssimo, Daniela Galdino, Ulisses Prudente e Heitor Brasileiro, de um lado. Do outro, representando os espinhos das rosas poéticas dos primeiros, as bandas O Quadro, Infect Mind, Dr. Imbira e Rebocados.

A mistura ficou assim: dia 03/02 – Gustavo Felicíssimo e O Quadro; dia 10, Daniela Galdino e Rebocados; 17, Ulisses Prudente e Infect Mind; e no dia 24, Heitor Brasileiro e Dr. Imbira. A entrada custará R$ 10,00 (R$ 5,00 meia) e os espetáculos começam às 20 horas.

O Rock & Poesia ainda contará com a participação especial do artista plástico Cícero Matos pintando telas durante as ‘pelejas’. Após as apresentações o público ainda poderá participar de um bate-papo com os artistas e do leilão das telas. O apoio é da Fundação Cultural de Ilhéus.