Universidade aprovou título a Mano Brown nesta quarta-feira (16)
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Mano Brown carrega uma aliteração em seu nome, Pedro Paulo Soares Pereira. É sonoro, como se Dona Ana tivesse batizado o filho predestinando-o a buscar sentido pra vida no som das palavras, feito um envio de destino. Nascido na cidade de São Paulo, em 1973, ele se tornou o líder dos Racionais MC’s, maior expressão da cultura popular, negra e periférica do Brasil nos últimos trinta anos. Hoje (16), teve a obra musical e a trajetória reconhecidas com a aprovação do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

A proposta do título foi iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura. A reitora Joana Angélica Guimarães falou sobre o significado da homenagem. “A titulação aprovada, por unanimidade, pelo Conselho Universitário da UFSB, reflete a importância dada pela nossa comunidade ao trabalho desenvolvido pelo Mano Brown, na arte, na cultura e especialmente na interlocução com jovens negros e negras de periferia, que veem na sua música uma forma de expressão que lhes dá voz, quando a sociedade lhes nega”.

“A POSSIBILIDADE DO SONHO DIANTE DA MISÉRIA”

Os Racionais MC’s lançaram suas primeiras músicas, Pânico na Zona Sul e Tempos Difíceis, em 1988, na coletânea Consciência Black, do selo Zimbabwe Records. A primeira fase da banda foi marcada por letras diretas, em tom de denúncia, retratando a dureza e os perigos da vida nas margens da capital paulista. A repetição dessa realidade nas periferias de todo o País foi o elemento de identificação nacional das músicas do grupo, que lançaria seu segundo álbum, Raio X Brasil, em 1993. É dele a música Homem na Estrada, com sample de Ela Partiu, do disco Tim Maia Racional, Vol. 1, de onde veio a inspiração para o nome da banda de rap.

Segundo o pró-reitor de Extensão e Cultura da UFSB, Richard Santos, a justificativa do título ultrapassa a grandeza do artista e de sua liderança. “É algo que aponta para a importância do que o Hip Hop nos tem legado ao longo dos anos, a identidade das periferias e a possibilidade do sonho diante de tanta miséria e sufocamento”, resume.

VIRADA

Mano Browm tem ao seu lado os mesmos companheiros de 35 anos atrás, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock. É casado há três décadas com a advogada Eliane Dias, com quem teve os filhos Domênica e Jorge – nomes escolhidos em homenagem a Jorge Ben, ídolo de Brown. Eliane gerencia a carreira dos Racionais, que venderam mais de 1,5 milhão de cópias de Sobrevivendo no Inferno, de 1997. O disco foi o auge do adensamento da obra da banda, como na música Diário de Um Detento, retrato do Massacre do Carandiru.

O sexto álbum de estúdio só viria ao mundo em 27 de outubro de 2002, o domingo em que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito para seu primeiro mandato presidencial. Coincidência ou não, Brown nunca escondeu a simpatia nutrida pelo petista.  Nada Como Um Dia Após O Outro Dia marcou uma virada estética e discursiva na música dos Racionais. O tom combativo ainda está ali, mas embalado e diversificado por novos ritmos e temas, no esforço da arte para capturar e moldar o espírito do tempo.

O movimento de abertura criativa de Mano Brown alcançou novo patamar com seu primeiro disco solo, Boogie Naipe, de 2016. Com o balanço e as referências dos bailes negros dos anos 1980, é um acerto de contas do artista com sua persona romântica e um prato cheio para quem gosta de ritmos dançantes. A primeira faixa convida: Sinta-se Bem Com Boogie Naipe.

A aprovação do título faz parte das comemorações dos 10 anos de fundação da Universidade Federal do Sul da Bahia. Caso Brown aceite a homenagem, a sessão solene deverá ocorrer em novembro, o mês da Consciência Negra.

MC Jef Rodriguez comenta músicas de Spiritual, seu 1º disco solo || Foto Alice Magalhães
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O MC Jef Rodriguez, da banda OQuadro, lançou Spiritual, seu primeiro disco solo, que está disponível em todas as plataformas da internet. Nesta entrevista ao PIMENTA, o músico nascido em Banco Central, distrito de Ilhéus, no sul da Bahia, fala sobre processo criativo, infância na zona rural, origem familiar, racismo, política e parcerias na produção do álbum. Leia.

PIMENTAComo surgiu a ideia de fazer o trabalho solo?

JEF RODRIGUEZ – As pessoas já me falavam há um tempo: “Quando é que você vai lançar uma parada sua?”; “Fico curioso de ver”; “Gosto das coisas que você escreve”; “Você escreve de uma maneira diferente”. Não me via nesse lugar. Não escrevia em quantidade. Sempre escrevia com OQuadro, chamando um parceiro pra fazer a parte dele e vice e versa. Meus parceiros Rans, Freeza e Rico me traziam coisas nesse jogo de construção coletiva. Pintou essa oportunidade com a Lei Aldir Blanc na Bahia.  Minha amiga Márcia falou: “A hora de gravar e produzir uma coisa é agora!”. Marcia Espíndola, da Mochi Filmes, que é uma amiga há muito tempo. Eu falei: “Como assim, Marcia?”; e ela disse: “Rapaz, me dê só seus documentos e eu vou achar alguém para escrever [o projeto] pra você, não quero que você perca essa oportunidade, sei que você já tem um monte de coisa aí sobrando. Inscreve na categoria EP. Você tem que ter um produto seu. Eu falei: “Então tá bom!” Mandei os documentos, e ela articulou pra alguém escrever e fluiu. Eu me vi maluquíssimo, porque eu fui pro estúdio com OQuadro pra escrever e saía para produzir o meu. Foi assim num intervalo de dias. Não foi uma coisa que eu planejei a minha vida inteira. As pessoas chegaram até mim e construíram essa ideia na minha cabeça. São sinais da caminhada.

Você falou ao PIMENTA de como o cuidado com a escrita é uma característica d’OQuadro que, inevitavelmente, influenciou o disco solo – e isso é algo que podemos atestar. Como percebe a evolução do seu processo criativo ao longo desses 20 anos?

Tenho praticado cada vez mais e estou me permitindo escrever de outras formas. De repente, chegar com papel e caneta aqui e deixar fluir o que a própria caneta e o papel querem dizer, como um processo terapêutico, um exercício, até para perder o controle e vê o resultado. Depois, naturalmente, você olha, faz um processo seletivo e organiza de outra forma no papel. Mas, veja, eu tenho uma oficina de escrita toda quarta-feira à tarde. Tem um grupo de WhatsApp, organizado por mim e por um amigo, Telto. A gente tem uma oficina de rima e poesia. É uma oficina de escrita livre, com intenção poética, mas a própria concepção de poesia é tão aberta que não pode ser engessada num lugar. Toda prática vai te levar a aprimorar um pouco mais. O que eu mais quero é ter grande quantidade de coisas escritas. Essa é uma busca, porque é uma coisa que eu não tinha muito. Eu sempre demorei muito pra escrever, no primeiro e no segundo discos d’Oquadro.  Sobre a qualidade, eu prefiro que a avaliação seja das pessoas. Não sei o quanto é bom, o quanto não é. Eu sei o que fala comigo, o quanto é honesto na entrega. De repente, se você mostrar isso para Kendrick Lamar, ele vai dizer assim: “Ah, mais ou menos”. É sobre isso. Quero fazer cada vez melhor e poder explorar novas estéticas. A palavra, o som e o posicionamento político não divergem tanto. A estética e a política não são coisas tão separadas. Essa é uma perspectiva muito aristotélica, de colocar as coisas em gavetas, mas as coisas estão conectadas. Quando você escolhe as cores para um bloco-afro, por exemplo, isso já um posicionamento político. Se eu não percebo o significado daquela marca na minha roupa, isso mostra o quanto estou alheio ao processo, enfim, é complexo.

Aproveitando que você entrou na discussão política, vamos falar de Aboio. Quem fez a música com você e quais foram os dados da realidade atual que inspiraram o tema?

O Brasil funciona a partir da perspectiva de uma elite que quer se manter no poder olhando para o país como o seu quintal

Todos os dados do momento. Quem participa primeiro é CT. Ele é MC e faz parte de um grupo chamado Caixa Baixa, de Niterói, e do 1kilo, que é um grupo muito famoso. Estourou no Brasil inteiro com a música “Deixe-me ir”, milhões e milhões de visualizações. Ele é um dos compositores dessa faixa – deve viver de royalty até hoje, é meu amigo, hein. Também participou Rone DumDum Afolabi, que é membro do Opanijé, um dos grupos mais importantes da história do rap nacional. Opanijé não é o grupo mais conhecido, mas é um dos mais importantes, estética e politicamente. Eles são Os Tincoãs do rap brasileiro.

Essa música [Aboio] nasce assim: CT tinha uma letra e sempre frequentou minha casa, sabe como eu escrevo. Ele queria uma participação minha no Caixa Baixa. A gente chegou a escrever pro Caixa Baixa, mas não deu muito certo. O grupo estava indo em outra direção. A gente acabou fazendo outras músicas. Essa aí ficou meio paradona, sobrando e eu falei: “Quero pra mim”. A gente ouviu uns beats de Bidu, um amigo de Niterói, que é um beatmaker muito talentoso. Eu trouxe o beat pra Rafa [Dias]. Ele reorganizou da maneira dele. A gente deu umas ideias, inclusive a de colocar o sample de aboio.

Esse pensamento colonial persiste no Brasil. Bolsonaro é só a cereja no bolo desse processo inteiro. A gente está vivendo o ápice e a faceta mais descarada desse processo.

“Aboio” fala de um processo alienante do Brasil, que não é de agora, é histórico. O Brasil funciona a partir da perspectiva de uma elite que quer se manter no poder olhando para o país como o seu quintal. E todas as pessoas que estão ali têm que ser servis a esse modelo. Tudo tem que caminhar na direção dessas pessoas, que são herdeiras dos colonizadores. Esse pensamento colonial persiste no Brasil. Bolsonaro é só a cereja no bolo desse processo inteiro. A gente está vivendo o ápice e a faceta mais descarada desse processo. Quando você diminui o poder do Estado para fortalecer a iniciativa privada, uma parte importante do controle social fica na mão dessas pessoas. Ainda tem a militarização e o papel das religiões nisso. É um processo alienante em dimensões que a gente não consegue nem contar. São camadas e camadas históricas que a gente não consegue desconstruir. A própria escola contribui para que isso aconteça, por mais que os professores tentem fazer alguma coisa. A estrutura escolar pública não é nada diante das questões sociais brasileiras e de uma questão racial que não se resolve nunca – e não há a intenção de resolver isso. Inclusive, teve uma fala de Lula na última entrevista dele. Por mais que exista boa intenção por parte de algumas camadas da esquerda, a própria esquerda não sabe lidar com isso. Então, a gente é meio gado mesmo.

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Encontro de rap será neste domingo, na praça do Fátima.
Encontro de rap será neste domingo, na praça do Fátima.

Nesse domingo (8) será realizado o primeiro encontro de rap de Itabuna, com Sound Irmão e convidados. O evento ainda terá a participação de vários MCs, como Mano Nery, Cássio Perifa, Mano Galego, Poesia de Favela, DJ Netinho e outros. O show será na praça do bairro de Fátima, início da rua São Sebastião, às 15 horas.

“Nosso objetivo é mostrar nossa arte, mostrar a favela e a periferia e passar nossa mensagem, de fortalecimento da periferia e de resgate de nossos irmãos”, afirma MC Magrão, do Sound Irmão.

Ele também diz que o show vai trazer “um alerta para a rapaziada: o mundo do crime é um caminho sinistro, que está dizimando a nossa juventude, a juventude negra, pobre e favelada”. A organização do encontro é do grupo Sound Irmão, com apoio da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC).