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NÃO COMO BADÊJO NEM CARNE GRÊLHADA

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

É incrível como a mania das vogais fechadas, típica de paulistas mal informados, invade a mídia eletrônica, lá faz morada e termina sendo defendida por linguistas descuidados, em nome de um vago “dinamismo” da língua portuguesa. Há dias, com o “gancho” do jogo da seleção brasileira de futebol, cansei-me de ouvir narradores de tevê chamarem a capital da Suécia de Estocôlmo. Outros afirmam os milagres de uma tal vitamina Ê (dizem que, como afrodisíaco, é tiro e… queda!), assam carne na grêlha, fazem moqueca de badêjo, falam de um lugar longínquo da Grécia dito Peloponêso – e por aí vai.

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O regionalismo identifica certos locais

E não é difícil encontrar até gente “culta” que defenda tais prosódias despropositadas, como “regionalismos”. Deixemos em paz os regionalismos, que são perfeitamente defensáveis como parte da identidade de determinados lugares. Regionalismo é chamar tangerina de bergamota, laranja-cravo, poncã, mimosa etc. – mas chamar Estocólmo de Estocôlmo é ignorância mesmo. Lembro-me que, certa vez, ao avaliar um texto gravado para tevê, topei com a expressão “quadra pôliesportíva” : chamei a repórter e lhe pedi que gravasse outra vez. Ela, que devia me agradecer, ficou ressabiada por ter-lhe estragado a pronúncia “bonita”.

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A língua é viva, mas não exageremos

Entre os novidadeiros e os meramente ignorantes vamos mudando o que não é para ser mudado, introduzindo “novos” vocábulos e contribuindo para deseducar as atuais e futuras gerações. Que a língua é viva e dinâmica, não há dúvida; mas de que tudo demais é sobra também tenho certeza. A pessoas que escrevem (ou falam) nas mídias (aí incluídos os blogs, por que não?) há de ser imposta a dita norma culta – não lhes cabendo o direito a sair por aí chutando a sintaxe, dando pescoções na prosódia e matando de raiva a concordância e a regência.

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O DIA EM QUE ALCEU RECEBEU UM FORA DE SAFO

A poetisa Safo, nascida na ilha grega de Lesbos, por volta de 612 a. C., foi revolucionária, em vários aspectos. Diga-se que com cerca de 19 anos (já morando na capital, Mitilene), junto com outros militantes, conspirava contra Pitacos. Foi exilada na cidade de Pirra, de onde o ditador, temendo-lhe a escrita, mandou-a para local mais ermo: Pirra, na Sicília. Em Pirra, certo Alceu, apaixonado, mandou-lhe um convite amoroso: “Oh! pura Safo, de violetas coroada e de suave sorriso, queria dizer-te algo, mas a vergonha me impede.” Safo resistiu à cantada. Talvez porque Alceu pesou nas plumas e paetês, quando ela queria mais firmeza e menos frescura.

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A elegância que impressionou Sócrates

Durona e rápida no verso, Safo mandou Alceu pastar: “Se teus desejos fossem decentes e nobres e tua língua incapaz de proferir baixezas, não permitirias que a vergonha te nublasse os olhos – dirias claramente aquilo que desejasses”. Depois deste fora, o bom Alceu dedicou à amada muitas composições (odes e sertenatas) – mas se houve ou se não houve alguma coisa entre eles dois, ninguém soube até hoje explicar… Conta o professor e poeta mato-grossense (de Campo Grande) Ricardo Sérgio que Safo estava fora do padrão de beleza grega, por ser baixinha e magricela. Mas era de tão refinada elegância que ganhou do velho Sócrates, aquele mesmo, o título de “A bela”.

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A poesia sublime foi para a fogueira

Tida como grande poetisa, Safo nunca foi santa:  montou em Metilene uma escola para moças (até onde sei, ensinava-lhes só poesia, música e dança), em que as estudantes eram chamadas de amigas, não de alunas. Ela se apaixona por algumas das “amigas”, particularmente Átis, mas esta se envolve com um rapaz: Safo, louca de ciúmes, escreve o poema À Amada, com versos líricos que até hoje apaixonam a crítica. Líricos e quentes como chumbo derretido: “É minha alma um labirinto/ Expira-me a voz nos lábios/ Nas veias um fogo sinto…” A respeito de Safo, há mais lendas do que fatos. Sabe-se que sua poesia, tida como sublime (em nove volumes), foi queimada pela Igreja. Dizem que, já madura, a poetisa desencantou-se com as “amigas” e passou a gostar de homens – mas disso não encontrei prova.

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COM A INJUSTIÇA PREGADA NA BIOGRAFIA

Coautor de Desafinado (e também Samba de uma nota só e Meditação) Newton Mendonça, o primeiro parceiro de Tom Jobim, morreu muito cedo, aos 33 anos. Há quem o coloque ao lado de Tom e João Gilberto, no mesmo pedestal da Bossa-Nova. Mas a história o tem como uma figura desconhecida, sombra de Tom Jobim – e ainda com a injustiça pregada na biografia (talvez maldosamente): a de que ele era apenas  letrista. Segundo Ruy Castro, Newton não era letrista de Tom (como foi Vinícius), mesmo que, ocasionalmente, fizesse versos, e que tocavam de igual pra igual. Pior: na primeira gravação de Desafinado, seu nome foi creditado como Milton Mendonça!

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Coleman Hawkins não soube da polêmica

Autor da única biografia sobre o músico, o escritor potiguar Marcelo Câmara é bem claro quanto ao peso de Newton: “Foi ele quem revolucionou a música da época”. E mais esta, que me fez segurar o queixo: “Tom só é vanguarda com Newton. Sem ele é apenas samba-canção”. Tom, que circulava fácil na mídia, ajudou a consolidar o mito do letrista, e este (que deu raras entrevistas) disse: “Muita gente acredita que eu faço as letras, enquanto Tom faz as músicas – mas não é esta a verdade. Música e letra vão sendo feitas ao mesmo tempo”. Coleman Hawkins nunca soube da polêmica, e dá um banho com Desafinado, sem perguntar de quem é. Aperte o play e… bon voyage!.

(O.C.)