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SEM OLHAR DE CIMA OS NOVOS ESCRITORES

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Jorge Amado tinha entre suas famas a da bonomia, da humildade com que tratava as pessoas. Grande, paparicado em todo o mundo, nunca esqueceu sua aldeia (Ilhéus, onde viveu dias da infância), jamais foi mesquinho ou arrogante, não olhou de cima os novos escritores, não torceu o nariz aos emergentes. Ao saudar Adonias Filho na Academia Brasileira de Letras, deu, mais uma vez, mostras de sua generosidade, referindo-se a vários nomes das letras regionais (Hélio Pólvora, James Amado, Jorge Medauar, Emo Duarte, Elvira Foeppel), e até a um intelectual sobre quem reina incompreensível silêncio: Sadala Maron, citado para “nele saudar todos os demais jovens trabalhadores das letras do Sul da Bahia”.

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Nelson Schaun e Abel Pereira na ABL

Mais adiante, ele afirma que deveria lembrar de outros nomes, “para dar a medida justa do que vai acontecendo nessas terras grapiúnas como fermentação de ideias, como trabalho intelectual, como devotamento à cultura e ao esforço de criação”. E cita dois: Nelson Schaun (“o irredutível jornalista foi o símbolo vivo das letras e do estudo, de valor intelectual e de esforço cultural”) e Abel Pereira (“que tem buscado, com persistência e entusiasmo, valorizar a civilização do cacau e fazer da região um centro de permanente interesse artístico e constante inquietação literária”). Em 1965, o reconhecimento de Jorge Amado, no panteão das letras brasileiras, a dois intelectuais que a região pouco conhece.

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AUTORES PARA A MATURIDADE INTELECTUAL

Dentre meus espantos está o ensino de literatura em nossas escolas. Costumo dizer, do alto do meu desconhecimento da didática, que fazer o estudante, ainda muito jovem e sem vivência com as letras, enfrentar Machado de Assis, Camões e Euclides da Cunha, é convidá-lo a ficar inimigo da leitura.  Estaria eu (outra vez no topo da minha ignorância) a atirar pedras nesses fundadores da cultura lusófona? Sabe o inteligente leitor que não. Apenas digo que não se deve pular etapas, pois cada coisa tem seu tempo – e o tempo dos autores citados é o tempo da maturidade intelectual (vejam bem que não falo de maturidade cronológica, que é outro assunto). Penso que, como está na maioria dos casos, a escola não ajuda a formar leitores.

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Como alguém que falasse para não morrer

Mas confio nas exceções. No Colégio da Bahia, há séculos, fui a uma prova oral de literatura, “tirei o ponto” (pergunte a seu avô o que isto quer dizer!), saiu Emílio de Menezes. A professora (uma desconhecida que foi lá apenas fazer as provas) perguntou-me se eu sabia “alguma coisa” do assunto. Disse-lhe, trêmulo (já me sentindo reprovado e, portanto, com a ousadia dos que nada não têm a perder), que “sabia alguma coisa”, sim, mas não o conteúdo do curso. E ela, sem considerar minha heresia, mandou-me falar do que eu soubesse sobre Emílio de Menezes. Com O último boêmio na ponta da língua (Raymundo de Menezes/1949), deitei e rolei, falei, falei como nunca falara antes – fiz como se cantasse para não morrer.

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Um estranho papel de Xerazade cabocla

Nesse estranho papel de Xerazade cabocla fora de época e espaço, citei trocadilhos (não os impublicáveis, que eu não queria abusar da sorte), casos, chistes, maldades, piadas (não as cabeludas – que querem?), fiz a professora sorrir, sorrimos juntos e fui aprovado, com sobras. Vejam que eu não sabia a data de nascimento do poeta, que escola frequentou, o nome de sua parteira, essas bobagens que os lentes tradicionais tanto valorizavam. Se a mesma prova fosse feita pelo meu sisudo professor do primeiro semestre (no Instituto Municipal de Educação, em Ilhéus) eu seria sumariamente reprovado. O que, para alguns, seria bem empregado, pois não estaria agora a pregar princípios didáticos de que nada entendo.

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CANTORA DE JAZZ NASCEU EM AMSTERDAM!

Laura Fygi não é alemã, mas holandesa. “E daí?” – perguntará, com uma ruguinha na testa, a gentil leitora. “E eu com isso? – dirá o impaciente leitor. Eu explico, como faria o velho Freud. Trata-se de uma cantora de jazz que mencionei aqui como sendo alemã – erro bem inferior aos que cometem os prefeitos, mas, ainda assim, erro, que precisa ser corrigido: a moça é holandesa, também  prova viva e cantante de que em Amsterdam, quem diria, nascem cantoras de jazz. Ela morou em Montevidéu, canta em vários idiomas (incluindo português e chinês), já esteve no Brasil várias vezes e gosta de MPB,  mais ainda de Tom Jobim. Gosta tanto que gravou Dindi, Insensatez e outras (no North Sea Jazz Festival de 2003 cantou Corcovado).

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A banda muito pop que vestia lingerie

Laura Fygi tem tamanho prestígio na Europa que ganhou de presente uma canção de Michel Legrand, um dos mais respeitados músicos da França, vocês sabem. No começo ela se comportava de acordo com o preceito dos jovens liberados de sua Amsterdam: entre 1987 e 1991 participou de um grupo que se apresentava com o mínimo de roupas (a turma vestia aquilo que se chama, genericamente… lingerie). A banda era, naturalmente, bem popular. Mais tarde, ela muda de banda, veste roupas compatíveis e, assim, os produtores puderam ouvir-lhe a voz jazzística – sendo logo convidada a fazer um disco solo. Daí em diante, colocou a voz suave a serviço de canções consagradas, cantando o que bem merece e deixando o que é ruim de lado.

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“Não me importo em procurar novidades”

Vai longe o tempo da banda Centerfold (aquela da lingerie!). Laura Fygi é agora uma vocalista bem comportada, e que não gosta de invenções. “Há tantas canções bonitas para se cantar que não me importo em procurar novidades”, diz ela, como a fazer eco a meu humilde pensamento. E por achar que “a música feita hoje não é tão melódica, tão poética quanto as antigas”, ela escolheu a grande canção francesa, o jazz, a bossa-nova, os “clássicos” latinos. Aqui, uma mostra do que ela é capaz. Aos pouco iniciados, pedimos observar, além da leitura de La Fygi, a qualidade da “cozinha” (piano-baixo-bateria) e o solo de sax. Les feuilles mortes é da mesma sessão em que ela cantou Corcovado, no referido festival.

 

(O.C.)