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MÚSICA, PODEROSO INSTRUMENTO DIDÁTICO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br
1PalmatóriaA música é tão poderoso instrumento didático que com as professoras de antanho (em geral, leigas, mas dedicadas), aprendia-se aritmética cantando: “Dois e dois, quatro; quatro e dois, seis…” (se a gentil leitora duvida, pergunte a seu bisavô – e ele cantará, mesmo desafinado). Ressalte-se que quando o sujeito errava, quem “cantava” era a palmatória! Os masoquista diriam, com ar saudoso e olhar perdido no passado: “Bons tempos, aqueles!” Fiz um introito pra dizer que certos versos de mau gosto grudam na gente, sobretudo quando são cantados. E os exemplos são muitos. Lembram-se do “Melhoral, melhoral, é melhor e não faz mal”? Ridículo, como texto, mas grudento feito goma arábica (atenção avós!).

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2 Dalva de OLiveiraOs demônios dentro de nós adormecidos

“Mamãe eu quero” (Jararaca-Vicente Paiva) nasceu nos anos trinta e é ouvida até hoje, no seu abobalhado “Mamãe eu quero mamar”– e seria fácil citar outras. Uma de minhas preferidas é a patética Que será?, de Marino Pinto e Mauro Rossi, criada por Dalva de Oliveira (e com  uma regravação dispensável de uma cantora chamada Ana Carolina). A canção carrega no seu mau gosto um questionamento eterno: “Que será/da luz difusa do abajur lilás/se nunca mais vier a iluminar/outras noites iguais?”.  Ah, aquela “luz difusa do abajur lilás”!…  É verso suficientemente eficaz em sua breguice para despertar demônios dentro de nós adormecidos em épocas que (feliz ou infelizmente) jamais voltarão. Não haverá noites iguais àquelas.
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(ENTRE PARÊNTESES)

Vejo aqui no jornal que um auxiliar do bicheiro Carlinhos Cachoeira, já cansado de andar por aí sem ser molestado, resolveu entregar-se às autoridades. Diz ainda a notícia que um advogado, com a devida procuração em punho, negociou com a Polícia Federal “os termos da apresentação” do referido indivíduo. É curioso o vasto mundo brasileiro: cidadãos, principalmente se integram o grupo dos três “pês” (pobres, pretos e pardos), apanham da polícia por qualquer dá cá aquela palha, enquanto bandidos notórios têm advogados caros, são presos apenas quando querem e ainda exigem “condições” para se entregar. Fico pensando se esta não é mais uma mentira da imprensa, do que o poder tanto se queixa…

QUEM ALISOU OS BANCOS ESCOLARES SABE

“Choveu forte no Rio de Janeiro”, diz um jornal, como para não me deixar esquecido dessa recente salada linguística que a mídia tem patrocinado. Outros setores absorveram a anomalia: “treinar forte” (esportes), “investir forte” (economia) – e por aí vai. Confunde-se adjetivo com advérbio da mesma forma que Corpus Christi com habeas corpus. Todos os que alisaram os bancos escolares (e tiveram professores minimamente preparados) sabem que estas duas categorias são diferentes, com funções diferentes. De forma sumária (falecem-me condições para aprofundar o tema), adjetivo qualifica substantivo; advérbio modifica verbo.
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Compromisso da mídia com a norma culta

Entende-se que chover “pede” advérbio, não adjetivo; por isso, “Choveu fortemente…” seria a forma adequada, em língua portuguesa, deixando-se o “Choveu forte…” para esse dialeto que falam por aí. Pelo mesmo raciocínio, “treinar fortemente”, “investir fortemente” (e “trabalhar arduamente”, “estudar incansavelmente”) etc. Não há de faltar quem esgrima o manjado argumento do dinamismo da língua. E eu lhes direi, no entanto, que esses fenômenos são muito bem-vindos ao coloquial, mas inaceitáveis na chamada norma culta – e é com esta o compromisso da (boa) mídia, pouco importa que seja jornal, rádio, tevê ou blog.
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QUATRO MÚSICOS QUE SE FORMARAM EM CASA

6 Dizzy GuillespieWynton Marshalis é de 1961, por isso é menino em relação à corrente mais festejada (mainstream) do trompete de jazz (Armstrong, Davis, Chet Baker, Clifford Brown, Gillespie, Fred Hubbard, Arturo Sandoval), mas é um dos mais festejados pela crítica, que o considera responsável pelo retorno do jazz ao lugar merecido. Filho de um músico que mais ensinava do que tocava, ele voltou-se para a arte desde criança, em sua terra natal, Nova Orleans, e mais tarde estudou regularmente numa sofisticada escola de Nova Iorque. Aplicado aluno de primeiro ano, impressionou o baterista Art Blakey e logo foi tocar no celeiro de estrelas que era o Jazz Messengers daquele. Mr. Marshalis, le père, era professor de verdade, tendo formado em casa quatro músicos: Wynton (trompete), Branford (sax), Delfeayo (trombone) e Jason (bateria).
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Um abraço no jazz, outro no clássico

Aos vinte anos, Wynton já tinha seu próprio quinteto e excursionava pelos EUA, tocando em clubes de jazz, festivais e concertos. Seu grupo participou, na época, de homenagem prestada ao pianista Thelonious Monk, em Nova Iorque. Após essa experiência, “faz” a Europa e o Japão, depois regressa a Londres, para gravar seu primeiro disco, de peças clássicas, incluindo Haydn. Wynton Marshalis se manteve fiel à fórmula jazz e clássicos: aos 24 anos torna-se o primeiro músico instrumental a receber dois Grammy ao mesmo tempo – um na categoria jazz e outra na categoria de música erudita, nos dois casos, como melhor solista. Em 1997 tornou-se o primeiro músico de jazz a receber o Pulitzer, pela autoria de Blood on the fields, sobre a vida dos escravos norte-americanos. Foi eleito membro honorário da England´s Royal Academy of Music.
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8 Boston PopsViolinos: estranhos no ninho ao jazz

Em 1984, Wynton Marshalis e a não menos famosa Boston Pops Orchestra acompanham a diva Sarah Vaughan na gravação de alguns standards, entre eles o inebriante Autumn leaves, Body and soul e September song. Observe-se na faixa que selecionamos (September song) a discrição com que Wynton se comporta. Arrisco-me a dizer que ele faz suas intervenções com extremo cuidado, evitando que o trompete se saliente. O músico premiado meio que se rende à grandeza da estrela, sem nenhum acorde que nos faça suspeitar de que ele quer roubar a cena. Mas não resisto a dizer, mesmo sujeito a pedradas, que a Boston Pops é, para este caso, inteiramente dispensável: cordas não fazem falta no ninho do jazz, a quem bastam piano, baixo e bateria e um metal de responsabilidade.

(O.C.)