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A MÍDIA EMPOBRECEU A LINGUAGEM

Ousarme Citoaian

É incrível como a imprensa (seguida pelos outros meios de divulgação) abriga e cria novos termos ociosos, que nenhuma falta fazem à boa linguagem. Nos últimos anos, eles (os veículos de comunicação) deram guarida a muitos verbos que só empobrecem a língua portuguesa. “Torna-se incompatível sua atuação [do senador Gim Argello] como relator do orçamento”, pontuou o deputado federal Roberto Freire – é o que diz um jornal de Itabuna, repetindo algum congênere da chamada grande imprensa. Pontuou? Por que “pontuou”? Só mesmo a falta de imaginação para justificar tamanha bobagem.

PREOCUPAÇÕES COM A ESCRITA “BONITINHA”

O Aurélio (que costuma ser generoso com certas invenções gramaticais) não reconhece em “pontuar” o sentido dado na frase. O Michaelis também não, nem tampouco o Priberam (de Portugal). Não fui além, por não ter tempo a perder: “pontuar” significa colocar sinais ortográficos e quase nada mais (o termo é usado também em música, segundo o Aurélio). Logo, seu emprego no caso citado apenas denota a intenção de escrever “diferente”, “bonitinho”, mas sem compromisso com a linguagem de boa qualidade. O tal deputado não “pontuou” nada, apenas falou, disse, opinou ou coisa que o valha.

A SOFISTICAÇÃO NOS CONDUZ À INDIGÊNCIA

O ABC do Jornalismo ensina que a linguagem desse meio precisa ser direta, objetiva, clara, as palavras escolhidas com rigor técnico, porém simples, próximas da linguagem cotidiana, mas fiéis à norma culta. Ao tentar sofisticar-se, o texto jornalístico, ao contrário de atingir esse objetivo equivocado, cai na indigência e depõe contra quem o produziu. Entende-se que simplicidade (também concisão, objetividade, elegância e clareza) é meta a ser perseguida, não evitada pelo redator. A discussão sobre o paupérrimo “pontuar” nos tomou o tempo da apreciação de outros verbos. Fica para depois.

JOVENS E ANTIGAS TARDES DE AUTÓGRAFOS

Espero que minhas gentis leitoras (e leitores!) jamais tenham vivido a experiência de uma tarde de autógrafos, do lado de quem assina o livro.  O que digo? Não tarde, mas noite, pois já não se autografa à luz do sol, que esta é usada para atividades menos “poéticas”, como o ganho honesto do pão diário – solidificando a idéia já antiga de que essas filigranas intelectuais são coisas de desocupados. Entre parênteses, lembrar que o pai do poeta Telmo Padilha costumava dizer ao autor de Anjo apunhalado que literatura não é coisa de gente séria, melhor seria “trabalhar”. Acordemos, então, que são noites (e não tardes) de autógrafos. E que mais parecem de torturas.

ATÉ AMIGOS SE TRANSFORMAM EM ESTRANHOS

Um autografador (penso que o termo foi inventado agora) é um ser absolutamente solitário em meio à festa de lançamento, sentado à mesa, constrangido com a fila que se faz à sua frente, não raro com um sorriso descorado dirigido a cada possível (futuro) leitor. Estes, os leitores, parecem guardar entre eles uma característica que os identifica: são torturadores, embora utilizem métodos diferentes. Uns brincam com o autor, evitando dizer o nome, ou levá-lo escrito num papelzinho, o que é a prática mais comum. “Ele me conhece demais!” – dizem à pessoa encarregada de fazer esta anotação importante, e a convencem de que são mesmo velhos amigos do pobre escritor.

ALBERT EINSTEIN E A FILHA DESCONHECIDA

E são. O problema é que este disso já não tem mais notícia, tão apavorado se sente, a ponto de olhar antigos companheiros fazendo aquela cara de que “eu o conheço de algum lugar” – mas o nome, que é bom, cadê? Conta-se que Einstein (aquele mesmo!) estava numa tarde de autógrafos, quando chegou a vez, na fila, de uma simpática mocinha, com o livro para ser autografado. O cientista a reconheceu (de alguma forma), coçou a cabeleira, mas não conseguiu dali tirar o nome daquela pessoa, que lhe parecia muito familiar. Envergonhado, com um sorriso sem graça, lhe diz: Desculpe. Não me lembro do seu nome… E ela: Bobagem, papai. Escreva apenas “para minha filha…”.

USE O DICIONÁRIO E DURMA TRANQUILAMENTE

No começo do mês, chamamos a atenção para a armadilha em que caíra a Direc-06 (Ilhéus), ao confeccionar um cartaz eivado de boas intenções, mas com um chute nas chamadas partes pudendas da gramática portuguesa: “Bem Vindos”, em vez de “Bem-Vindos”. Erro crasso, grosseiro, palmar? Nem tanto, nem tanto, pois é difícil encontrar neste vasto país alguém que saiba, de verdade, usar o hífen. “Hífen não é sinal, é castigo de deuses mal-humorados”, costumo dizer, com o dicionário em punho. E acabo de revelar meu segredo: contra hífen, dicionário é o melhor remédio. Vá lá e fique livre de perder o sono após escrever um texto.

DIREC-6 AGE COM DISCRIÇÃO E HUMILDADE

Isto é para dizer que a Direc-06 retirou o cartaz logo após nosso comentário e, com igual discrição, o recolocou esta semana, corrigido. Esta coluna rejeita sentir-se responsável pela mudança, porém não resiste em festejar a humildade com que o agente público recebeu nossa crítica, e a agilidade com que reconheceu o equívoco e tratou de repará-lo. O escritor sergipano Gilberto Amado (que vem a ser irmão do “itabunense” Gileno e tio do “ilheense” Jorge) fez uma frase que me guiou pela vida inteira (mesmo antes de conhecê-la): “Sem dicionário, não posso escrever”. Habituar-se a, frente à dúvida, levá-la ao dicionário me parece um conselho sensato.

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COLUNA É REPRODUZIDA NO MP CIDADANIA

A partir da semana passada, o Universo Paralelo passou ser reproduzido no site MP Cidadania, do Ministério Público Estadual, por iniciativa do promotor Clodoaldo Anunciação (foto). Após entendimentos com o Pimenta, o MP passa a utilizar, no todo ou em parte, a seu exclusivo critério, e sem custos, o material aqui publicado. O promotor faz doutorado em Direito Internacional na Sorbonne, em Paris (de onde nos segue) e neste momento se encontra em Itabuna, de férias, em visita a familiares, colegas e amigos. “Sou leitor assíduo da coluna e não escondo minha admiração pelo trabalho do seu autor”, afirmou Clodoaldo Anunciação. Merci.

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BETHÂNIA DESCONSTRUIU ORESTES BARBOSA

Sílvio Caldas, que fez a melodia de Chão de estrelas para uma letra de Orestes Barbosa, não acreditava nessa canção, por ter os versos todos em decassílabos. Enganou-se. Chão de estrelas transformou-se numa espécie de hino da MPB e ainda teve um verso eleito por Manuel Bandeira como o mais belo da poesia brasileira: “Tu pisavas nos astros, distraída…”. Maria Betânia não decorou a letra corretamente e mudou para estranhas onze sílabas um dos versos, o sétimo: “Meu barracão no morro do Salgueiro” ficou “Meu barracão no morro do Salgueiro”. Crime inafiançável contra a métrica .

NOEL E A (INOCENTE) SALADA PRONOMINAL

A mesma Betânia gravou em 1965 uma seleção de Noel Rosa (deixando Araci de Almeida enciumada), quando deu umas cacetadas no Poeta da Vila: o verso (Último desejo) “Nunca mais quero o seu beijo” foi transformado em “Nunca mais quero o teu beijo”. E antes que sobre mim caiam de pau os linguistas permissivos, lembro que Noel era letrista do modelo clássico, que nunca poria no mesmo samburá os pronomes você e teu: “Perto de você me calo/ Tudo penso, nada falo… Nunca mais quero o seu beijo…”. Os professores antigos, formais, identificavam essa mistura de você e teu como “salada pronominal”.

ATENTADO CONTRA O ARTISTA E A HISTÓRIA

Em outra faixa, Betânia investe contra Feitio de oração: “Por isso agora/ Lá na Penha vou mandar” foi alterado para “lá pra Penha…”;  “E quem suportar uma paixão/ Sentirá que o samba então/ Nasce do coração transformou-se em “Nasce no coração”. E nem me venham dizer que essas alterações não agridem o sentido do texto. Embora isto seja verdadeiro, a obra literária, para o bem ou para o mal, há de ter preservada na forma como foi concebida. Mudá-la, à revelia do autor, é uma intervenção abusiva e autoritária, um atentado indefensável contra a arte, o artista e a história. Isto se não for  apenas burrice.

EMÍLIO SANTIAGO E AS ROSAS QUEIXOSAS

Sendo a gravação de música um trabalho coletivo, fica difícil entender que não surja nem uma só pessoa na equipe para dizer “alto lá!” e evitar as pedras comumente atiradas contra os letristas. Demos aqui, por motivos óbvios, só uma pequena amostra. E mesmo com as limitações de espaço, vai mais uma: Emílio Santiago, ao gravar As rosas não falam (Cartola) comete um erro de palmatória: onde estava “Queixo-me às rosas” ele leu “Queixam-me as rosas”. Pedrada tamanho família. A lição vem de Ângela Maria, uma das maiores da MPB: ao cantar, costumava ter ao alcance da mão uma “pesca” da letra.

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NOEL ROSA, REPÓRTER DO SEU TEMPO

Dizer que Noel foi “repórter do seu tempo” é, embora lugar-comum, verdade. Nosso último vídeo da série de quatro com que marcamos o centenário do Poeta da Vila é Onde está a honestidade? (melodia de Francisco Alves), aqui na voz de Ivan Lins. Uma “reportagem” atual, 77 anos depois.

(O.C.)