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Espera-se que a atual geração corrija a caminhada e reverbere um novo percurso. Certamente, seremos mais criativos, inovadores

Efson Lima | efsonlima@gmail.com

A sociedade convencionou comemorar o dia internacional da mulher em 8 de março, anualmente. A data faz lembrar lutas históricas, entre elas, o motivo que levou uma parte dos países no mundo a relembrar esse dia.  Louvemos todas as mulheres, entretanto, peço licença para reverenciar aquelas  que fazem da escrita a luta diária, utilizam suas vozes para promover direitos,  afirmam o empoderamento feminino no dia a dia e apresentam caminhos para uma sociedade. As letras representam uma das feições mais avançadas de uma sociedade e registram o trajeto humano.

Como sabido, o ambiente do ensino superior no primeiro momento esteve reservado aos homens. Entretanto, as mulheres foram quebrando as correntes e adentrando no espaço que, aparentemente, tinha sido  projetado para a perpetuação da masculinidade. E, agora, elas não só têm concretizado suas formações, mas se espalhado na efetivação de diversos ofícios. Buscam ocupar as diferentes profissões. Tornam-se professoras, médicas, advogadas, enfermeiras,  juízas, engenheiras, escritoras… empreendedoras elas foram sempre.

O Coletivo Flisba (Festival Literário Sul-Bahia) busca compreender esse processo. Não sem razão, promoverá no dia 08/03, às 21 horas, pelo Instagram,  uma live para refletir sobre a data. A mediação da atividade será feita pela professora Silmara Oliveira, presidenta da Academia de Letras de Itabuna (ALITA) e a convidada será a professora Tica Simões, professora universitária da UESC, que formou uma geração de pessoas e orientou tantas outras no campo da literatura, do turismo e da cultura. Ambas, sócias da ALITA. Além disto, são duas mulheres que exaltam a literatura do sul da Bahia  e, certamente, vão refletir sobre a obra da poeta Valdelice Pinheiro, cuja escritora é a homenageada do Bardos Baianos – Litoral Sul.

O FLISBA reservou ainda dois outros momentos: em 09/03, às 20 horas, vai promover  uma live com o tema “Violência oculta e explícita contra a mulher”  no perfil do Flisba e no dia 11/03, uma roda de conversa “DE MULHER PARA MULHER – Desabafos e descobertas”. A roda de conversa receberá inscrições no Sympla. Estas duas atividades serão  conduzidas por Indyara (Indy) Ribeiro, psicóloga e psicanalista, e da professora  Luciana Chagas, ela que é doutora em Psicologia Clínica (USP), psicanalista e pesquisadora.

Como explicitado, o campo das letras é poder. Falar é poder. Dominar o código é ter assegurado um caminho. Mas nem sempre foi uma caminhada tranquila para as mulheres e mesmo se assenhoreando do código não significa que o trajeto só será de flores. Vejamos,  Júlia Lopes, uma grande escritora brasileira, teve seu nome apagado da ata de fundação da Academia Brasileira de Letras. Para o seu lugar, colocou-se o esposo. A esposa do jurista Clóvis Beviláqua até tentou, mas foi escamoteada. Mais tarde, Rachel de Queiroz quebrou as correntes sexistas e adentrou  ao  Petit Trianon, que não só representou uma conquista pessoal, mas também coletiva e, simbolicamente, retomou a história de Júlia Lopes, que teve seu direito cerceado no museu Pedagogium, no Rio de Janeiro, naquele 20 de julho de 1897, quando da fundação da ABL. A professora Jane Hilda Badaró tem um excelente artigo publicado sobre as mulheres nas academias de letras, na Revista Estante da Academia de Letras de Ilhéus. Ela traça um panorama do ingresso das mulheres nesses espaços.

O sul da Bahia além de cacau, sempre deu escritoras. Não sem razão, temos uma plêiade de mulheres para serem lidas e estudadas. Peço licença para registrar as flisbianas, pois, elas têm colaborado significativamente para as artes e as letras no sul da Bahia. Elas promovem lives, escrevem poemas, participam de saraus, usam suas redes sociais e proclamam um novo estado de poesia. Elas não perdem a criticidade, provocam reflexões e nos sinalizam outros caminhos. Avançam no campo da gestão cultural, se socorrem na arte da docência para o sustento; pintam telas para retratar a região e sua gente; cuidam de museus e do patrimônio cultural, fazem gestão cultural e estudam.  Não teríamos Flisba sem as presenças e sem as atuações destacadas delas. Algumas com mais tempo no grupo, outras chegando, elas se somam e mostram a força do “mulherio”: Anarleide Menezes, Aurora Souza, Cremilda Conceição, Hussiane Amaral, Indy Ribeiro, Laura Ganem, Luh Oliveira, Raquel Rocha, Sheilla Shew, Silmara Oliveira, Sophia Sá Barretto e Jane Hilda Badaró. Um salve, dois salves para elas que cumprem diversas jornadas e encontram forças para voluntariamente nos oferecer luzes sob a perspectiva de que uma outra humanidade é possível.

O feminino nunca foi problema. Problema sempre foi a masculinidade tóxica que impediu a mistura de homens e mulheres nos espaços, impossibilitou as trocas de experiências e dificultou uma geração  com mais empatia. Espera-se que a atual geração corrija a caminhada e reverbere um novo percurso. Certamente, seremos mais criativos, inovadores, consequentemente, poderemos ser chamados de seres humanos dotados de inteligência e reflexão crítica.

Efson Lima é doutor, mestre e graduado em Direito (UFBA), membro do coletivo Flisba, professor universitário e advogado.

Itabuna registra 17.575 casos de Covid-19
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Digo tanto para fazer refletir: quantas vezes Itabuna se reconstruiu todos os dias nesses 110 anos? E nós? Passaremos por esses nossos igualmente firmes, pois como diria Valdelice Pinheiro, “[…] de doces e tristes coisas é feita a vida…”.

Ícaro Gibran || icarogibran1@gmail.com

Quando estive em Itabuna, era ainda uma centelha de vida, dia após dia abrindo as vistas para o mundo que me parecia ser a Avenida Juracy Magalhães e seu enorme fluxo. No enquadramento da janela entelada de um apartamento onde cheguei com meus pais, caatingueiros como eu, a turva visão de criança não me deixava conhecer tantas nuances em tantas encruzilhadas. Sim, por ali passavam viajantes, grapiúnas e agrapiunados, vidas cruzadas. Passava também o cotidiano do operário, do lojista, prestadores de serviço, mascates e o ritmo das horas aceleradas pela urgência em tomar os rumos da vida pós-crise.

A memória não me acode quanto aos pormenores, mas já em outra fase e em outra cidade, os relatos eram os de “pantomias” do menino que lançava pelas frestas e sobre os transeuntes tudo quanto fosse possível. Da repreensão, há recordância. Lançada, possivelmente, foi a profecia da volta.

Novos tempos, e quando Itabuna esteve em mim, aos 18, já não se tinha conta a fazer. Eu fui apenas um dentre tantos que vieram, retornaram ou permaneceram para a lida com a semeadura e cultivo de sonhos. Por vezes escutei pelas bandas do sudoeste baiano sobre o grandioso potencial da cidade com ares de capital. Essa impressão (a de teimosa latência) em mim continua morando. Mas cacau já não havia. Neste lugar estavam as marcas da pós-grapiunidade forjada a suor e sangue pelos que adubaram a monocultura e instituíram a hierarquia de subalternidades que organiza a dinâmica geográfica e decalca os limites da periferia e da violência ainda e sobretudo hoje.

Falo de hoje, pois permaneço nessa vivência há mais de década. Ainda que por ter recebido deste lugar os insumos necessários para uma formação privilegiada (é bem verdade), permaneço pelos ganchos com a resistência de uma cultura ímpar, dissidente, inquietante como os cheiros que se misturam ao cair da noite, abrindo o olfato para as madrugadas de chocolate no ar. Aqui estou pois, como no Cachoeira, há perenidade nos Vinte poemas do rio, do Cyro de Mattos. Há multifacetadas expressões na Inúmera Daniela Galdino. Há juventude fazendo literatura não canônica, há (re)existência e rap nas praças, e há poesia mesmo no desfilar das capivaras.

Digo tanto para fazer refletir: quantas vezes Itabuna se reconstruiu todos os dias nesses 110 anos? E nós? Passaremos por esses nossos igualmente firmes, pois como diria Valdelice Pinheiro, “[…] de doces e tristes coisas é feita a vida…”. Mas, por como me sinto – filho desse espaço –, é honra minha fazer com a poeta uníssono: “Eu sou plantada neste chão. Eu sou raiz deste chão. Este chão sou eu”.

Ícaro Gibran é bacharel em Comunicação Social (Uesc), pós-graduando em Gestão Cultural e atua no marketing sul-baiano há muitas lavagens de beco.

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DEPUTADO CHUTANDO CANELAS

Ousarme Citoaian

“Ela não caiu no gosto dos baianos”, vocifera um deputado federal da Boa Terra, ao referir-se a uma candidata à presidência da República. Convenhamos que atacar a língua portuguesa não é o defeito mais grave dos nossos parlamentares. Mas é certo que “cair no gosto”, solecismo também utilizado exaustivamente na mídia ignara, é chute na canela, sem bola. Lance pra cartão vermelho. A antiga e legítima expressão cair no goto é conhecida de todos os que já leram algum livro – nem que tenha sido na escola, sob o ferrão daquela injustiçada professora de literatura. Desconhecer tal expressão é injustificável para os cultores da dita última flor do Lácio.

“TRADUÇÃO NASCIDA NA IGNORÂNCIA”

Cair no goto é frase feita. Mas daquelas que, ao contrário de provérbios e lugares-comuns que incomodam nossos ouvidos, valorizam o texto. Escritores as empregam com freqüência, pois elas revigoram a tradição da boa linguagem, dando elegância e sabor originais à escrita. Quem diz “caiu no gosto” atesta ignorância da língua literária, valendo-se de uma “tradução” modernosa, nascida no desleixo, amamentada pelos redatores desinformados e, pelo que ouvi, agora encampada também pelo parlamento. Leio num blog que “Invictus não caiu no goto dos críticos de cinema, que o classificam como uma obra menor de Eastwood”, e festejo. Nem tudo está perdido.

NINGUÉM ABONA “CAIR NO GOSTO”

Trocar cair no goto por cair no gosto é rematada ignorância. A expressão (com o significado de algo que agradou às pessoas) é recorrente na linguagem culta. “O romance caiu no goto do público”, diz o Aurélio. Hélio Pólvora, Machado de Assis e muitos outros usaram cair no goto (nunca, jamais, cair no gosto!), de sorte que seria enfadonho apontar abonações de grandes autores (quando “cair no gosto” não encontra nenhuma). Mas vá lá Mário Palmério, no clássico Vila dos confins (com reedição em 2003): “Prova provada é o Domingos, o tal rapaz novo e disposto que caiu logo no goto do Pe. Sommer”.

O GOTO, O TINHOSO E A CACHAÇA

Não resisto a outra abonação: o folclorista alagoano Altimar Pimentel (1936-2007), conta que o Diabo vinha pela estrada, sedento, cansado e mau humorado, quando viu um canavial. Entra como se ali fosse sua casa, “quebra uma cana e começa a chupá-la com tal sofreguidão que o caldo, azedo, caiu-lhe no goto e abrasou-lhe as goelas”. Era “o cão chupando cana”. Vingancista contumaz, o Tinhoso atirou sobre aquelas plantas inocentes (e pelas suas gerações ad aeternum) uma maldição: “De vocês o homem há de tirar uma bebida tão ardente como as caldeiras do inferno”. Tal bebida é a cachaça, outrora chamada, não sem motivo, água ardente (e que virou, creio, por aglutinação, aguardente).

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SONHANDO O SONHO DAS ÁRVORES

Eu queria dormir
dentro
das árvores
e sonhar os seus sonhos,
viver os seus amores.

Eu queria morar
dentro
das árvores e viver a justiça
de suas raízes.
Eu queria morrer
dentro
das árvores
e participar da glória
de renascer no chão,
como semente.

POETA DE LINGUAGEM MEDIDA E DESPOJADA

A autora do texto acima, Ecologia, é Valdelice Soares Pinheiro (1929-1993), que publicou dois livros de poesia (De dentro de mim e Pacto). Cyro de Mattos (em Itabuna, chão de minhas raízes) a descreve como “poeta que elabora sua poesia com linguagem medida e despojada”. Para o autor de Berro de fogo, a poética de Valdelice (foto) também “é de grande conteúdo humano, de equilíbrio entre concepção e execução, harmonia entre poema e ato, verso e matéria”. Ecologia foi retirado de Expressão poética de Valdelice Pinheiro, livro coordenado por Maria de Lourdes Neto Simões, lançada pela Editus/Uesc em 2002.

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DA IRRELEVÂNCIA E OUTROS DEMÔNIOS

Mas saibam quantos lerem esta coluna em feitio de bazar de turco, que nela assuntos abundam, pois tudo aqui é relevante. Até a irrelevância se faz relevante. Então, falemos de identificação das pessoas que escrevem nos jornais – não por falta de tema, mas por ser… relevante. Antes, um passeio pelos veículos nacionais, em que uma senhora chamada Danuza Leão se identifica nos seus escritos como “escritora e cronista”. Ora, muito bem. Quererão me dizer que essas categorias são diferentes? Cronista não é escritor? Será que alguém teria a petulância de dizer que Rubem Braga (foto), talvez o único cronista-apenas-cronista de quem já se ouviu falar, não era escritor?

OS “FILÓSOFOS” QUE SOBRAM NA CURVA

É comum que articulistas bissextos sejam identificados por uma lenga-lenga que sabe a curriculum vitae. A identificação quase compete, em tamanho, com o texto pífio que a antecede, e por pouco não ganha dele em qualidade. O palavrório varia entre 20 e 40 termos, que falam das excelências do autor, indo de cursos que fez a prêmios que ganhou, havendo até um que se diz “nacionalmente conhecido” (!). Há também o tipo que, além de sete ou oito “especialidades”, também se diz “escritor, poeta e redator” (o que, ao fim e ao cabo, vem dar no mesmo Mané Luiz). Mas a joia da coroa vai para uns dois desses comunicadores que empregam em suas identificações a palavra “filósofo”. Aí, sobram na curva.

TATIBITATE, SENSO COMUM E FILOSOFIA

Ser filósofo é algo além de concluir uma licenciatura em Filosofia. Mesmo quem se doutorou na matéria não usa o título de filósofo, salvo se for um rematado presunçoso. Filósofo é quem investiga, argumenta, discute, analisa, “pensa” criticamente o mundo e formula teorias que expliquem nosso cotidiano. Não é qualquer artigo vazado em linguagem gaguejada, defendendo teses bebidas no senso comum da tevê que vai justificar a alguém se auto-intitular filósofo. Lembremos de que a professora Helena dos Anjos, que sabe do assunto mais do que uma dúzia desses “articulistas-filósofos”, é chamada de professora de Filosofia, não de filósofa.

NA HUMILDADE DO PASTOR, O EXEMPLO

É preciso dizer que essa explosão de incontidas vaidades é estimulada pelos jornais, pois seus editores, a quem caberia fazê-lo, não podam os excessos, reduzindo a identificação àquilo que a sensatez recomenda, e que é seguido pelos grandes veículos. Por exemplo, Clóvis Rossi se identifica  nos seus artigos como “jornalista”, sem os penduricalhos da presunção. Mas preferimos utilizar um modelo mais próximo a todos nós: Dom Ceslau Stanula (foto), de vastíssimo currículo (incluindo Filosofia!), se identifica no texto que publica num jornal da cidade como “Bispo de Itabuna”. Um exemplo acabado de humildade e (“de onde não se espera é que sai”) de bom jornalismo, a ser seguido pelas editorias.

ALGUÉM CHORA EM ALGUM LUGAR

Às 20h10min do dia 18 de junho, alguém que se apresenta apenas como “Larissa”, e que diz morar em vasto espaço chamado “República Portuguesa”, entre lágrimas, postou no seu blog:

Vou sentir a tua falta Saramago, porque, tal
como pertenciais ao mundo, um pouco de ti
também era meu…

Ainda sobre a morte de Saramago, escreveu o poeta argentino Juan Gelman:

Com as lágrimas que se vertem agora se
poderia acabar com as secas do mundo
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ATITUDE DE DUNGA É COMUM NO FUTEBOL

O cronista esportivo Alberto Helena Jr. (Última Hora/SP) queria na seleção brasileira de 1970 o zagueiro Joel Camargo, para compor a defesa com Carlos Alberto, Djalma Dias e Rildo, todos quatro do Santos, e sugeriu isso a seu amigo João Saldanha, que convocara Brito. “Brito é mais versátil”, disse o técnico. Helena Jr. (foto)  insistiu, tentando justificar a troca de Brito por Joel Camargo. Saldanha, como sempre, foi direto: “Você arruma uma seleção e faz o seu time; a minha seleção escalo eu”. A passagem, do livro João Saldanha, uma vida em jogo (André Iki Siqueira), marca apenas uma das vezes em que João quis sair no tapa com os críticos. Resposta semelhante ele daria ao ditador do momento, o famigerado Garrastazu Médici.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

POÇO DE TEIMOSIA, ARROGÂNCIA E GROSSURA

Ninguém seria insano a ponto de colocar no mesmo saco João Saldanha e o atual técnico brasileiro, pois todos sabem que, como pessoa ou treinador de futebol, seria necessário dissolver dez ou doze Dungas para obter meio Saldanha. O que se deseja lembrar é que treinador de futebol costuma ser poço de arrogância, teimosia e grossura. Alguns deles: Leão e Felipão (de cuja genética saiu Dunga), Paulo Amaral (brigão emérito), Telê (teimoso até a medula), Evaristo, Luxemburgo (a pose em pessoa) e Muricy (imbatível em presunção). Carlos Alberto Parreira, parece-me, só confirma a regra: é um homem educado, a quem o técnico da França deixou de mão estendida. Prova de que o futebol merece Dunga, não Parreira (foto).

UM RISCO PARA NOSSAS CRIANÇAS

O viés autoritário era visível em Saldanha (foto) – para mim o homem que revolucionou o futebol (embora a mesmice voltasse, quando ele se afastou). Creio, sem querer passear pelo espaço da psicologia, ser isto normal. Tanto assim que (até que as mulheres ousassem entrar em campo) se repetia a frase calhorda “futebol é pra homem”, numa alusão à grossura que impera nesse esporte. Se futebol é mesmo assim, Dunga é seu símbolo, pois a terra dele é famosa pela exaltação dos machos, ao menos é o que diz o folclore gaúcho. E o técnico aplicou tapas na própria cara, para provar que é macho de verdade, bradando, raivoso, entre tabefes, ter “cara de homem”. Homem ridículo, sim, com risco de ser exemplo para nossas crianças.


(O.C.)
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RICARDINO, O QUE SE RECUSOU A MORRER

Ousarme Citoaian
Ricardino Batista dos Anjos, justamente homenageado com seu nome no Prêmio de Imprensa da Prefeitura de Itabuna, contava uma história de grande interesse humano. Menino ainda, cavando a vida em Itabuna, foi acometido de doença grave, que o fez submeter-se a tratamento especializado. Depois de algumas tentativas, o médico (dos quadros do INPS, uma espécie de SUS daquela época) chegou à conclusão de que a moléstia era incurável. Recomendou ao doente que fosse “morrer em casa”, numa prova de que não devotava maior apreço à vida dos pacientes.

ALBERTO SEIXAS MUDA O RUMO DA HISTÓRIA

Negro, pobre, só e abalado pela doença, estava prestes a aceitar esse diagnóstico cruel, quando o instinto de sobrevivência falou mais alto (aliás, gritou): a caminho da pensão onde morava, Ricardino (foto) mudou de rota e procurou outro médico. Este o atendeu “por caridade”, jogou fora os remédios até então utilizados e impôs novo esquema de tratamento. “Riscadinho” (como o chamava Jorge Araujo) sobreviveu, fortificou-se e decidiu que só morreria dali a muitos anos, no longínquo 2005. No intervalo, casou-se, teve dois filhos e se fez radialista, jornalista, advogado e pedagogo.

CLARK GABLE “DE PAPO” NA CINQUENTENÁRIO

O nome do médico que o desenganou, não sei; o que o salvou chamava-se Alberto Seixas. Bom de clínica e de conversa, esse Seixas era um homem alto, forte, risonho e bonitão, aproximado ao melhor Clark Gable (… E o vento levou). Mais do que isso, era humano (este caso parece exemplar), fino, cortês, fidalgo, um gentilhomme raro entre médicos ou qualquer categoria, não importa o tempo ou lugar. Seu modelo sobrevive no oftalmologista Carlos Ernane Andrade (foto), que tem mestrado em civilização e gentileza. Quanto a Ricardino Batista, hoje é, mais que foi em vida, dos Anjos.

MATEMÁTICA E COMUNICAÇÃO

Dia desses, opinamos sobre a influência que a matemática exerce na minha forma de expressão, e causei surpresa. Recorramos aos exemplos: “Havia na praia gente de todas as idades”, diz a repórter da tevê, numa matéria de domingo. Essa linguagem é condenável, por imprecisa (é impossível que pessoas de todas as idades estejam na praia). É preferível “de idades variadas” ou coisa parecida. Também comum é a fórmula “toda a diretoria compareceu”. Cuidado para ver se não faltou alguém, o que poria a perder a precisão do relato. Outro: “O investimento do Estado será de R$ 42 milhões” – atenção, que talvez não seja exatamente isto. Melhor é “cerca de R$ 42 milhões”.

RIGOR QUE MELHORA O ESTILO

Devido a seu rigor típico, a matemática auxilia na precisão da linguagem. Voltada para a exatidão e a lógica, quando ela diz “todas as idades” está dizendo “todas as idades”, do recém-nascido ao ancião, com intervalos pequeníssimos. Já se vê que é impossível reunir um grupo de pessoas nesta condição. Talvez seja um conjunto infinito, conforme Cantor (matemático russo) e sua teoria. Da mesma forma, estaria “errada” a informação de R$ 42 milhões, se acaso, na prática, a despesa for ultrapassada (ou reduzida) em qualquer valor, R$ 0,01 (um centavo) que seja. Que importância tem isso para a comunicação? Talvez nenhuma.

A CURVA QUE ALONGA O CAMINHO

“Itabuna perde o título de campeão baiano de Juniores”, diz o jornal, na primeira página (parêntesis para lembrar que a primeira página tem sido chamada, inapropriadamente, de capa). Procuro o fundo do mistério e descubro que o Itabuna Juniores enfrentou o Bahia Idem e perdeu o jogo. Ora, por que cargas d´água o redator não disse logo isso?  O Itabuna perdeu o jogo, não o título, pois não se perde o que não se tem. Deixar de ganhar não é perder. Ainda me surpreendo com esse festival de formas “elípticas” de escrita, quando a reta é a menor distância entre dois pontos.

CAPA É CAPA, NÃO É PRIMEIRA PÁGINA

Falemos em capa, espero que sem levar pedradas dos coleguinhas mais novos. As trocas são naturais numa redação (por exemplo, a máquina de escrever pelo computador), como de resto, em todos os setores da vida: o velho, queira ou não, dará lugar ao novo. Mas capa é capa e primeira página é primeira página (ou, para ficar no modismo partidário, água e óleo que não se misturam). Revistas e livros têm capa – uma proteção com material de maior resistência, diferente das páginas, o miolo do livro ou revista. E o método de trabalho de quem faz capa de revista ou livro é diverso do método de quem “fecha” uma primeira página de jornal.

DA ARTE DE ESCREVER BEM

É provável que Canto de amor e ódio a Itabuna não seja a coletânea ideal do poeta Telmo Padilha. Talvez seja a coletânea possível, neste momento. Vale pela iniciativa da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC) que resolveu fazer uma coisa quase inédita por estas bandas: prestar homenagem a um autor regional. Na verdade, as boas intenções já começam na gênese do livro, com os textos selecionados por José Haroldo Castro Vieira, amigo de Telmo, mas não crítico literário. A Editus/Uesc, que encampou o projeto de edição, tem também grande mérito na homenagem.

O DÉBITO COM TELMO CONTINUA

Adiante-se que tudo isso valeu a pena, pois se não fosse esse livro não seria nenhum outro – e o aniversário do poeta passaria em branco. Mas a cidade continua em débito com Telmo (foto). Sua produção, sobretudo a poesia, ainda tem muita coisa à deriva, anotada às pressas, em papéis inadequados (até canhotos de talões de cheques), já maduras para servir de alimento às traças. Se a FICC, com mais tempo e recursos, tiver condições de sonhar sonho maior, poderia contratar Jorge de Souza Araujo, este, sim, crítico e pesquisador, para a seleção e notas dos inéditos de Telmo Padilha.

FALTA DINHEIRO, SOBRAM PROBLEMAS

O presidente da FICC, escritor Cyro de Mattos (foto), também faria eficientemente esse trabalho, pois tem longa experiência em selecionar textos, tendo coordenado antologias várias, incluindo duas de autores regionais (Ilhéus de poetas e prosadores e Itabuna, chão de minhas raízes). Conhece muito bem as literaturas daqui e de alhures, em prosa e poesia, e por várias vezes antologiou Telmo Padilha. Mas não tem tempo, e a FICC, sem dinheiro e eivada de problemas, já o molesta suficientemente. Jorge Araujo, portanto, é a melhor escolha.

CRÉDITO DE “PROFESSOR” DA UESC

Louvada a iniciativa do presidente da FICC, vamos lembrar que a Editus/Uesc já deu contribuição fundamental às letras regionais, ao editar dois volumes de alta qualidade, com capa dura e papel especial: Expressão poética de Valdelice Soares Pinheiro/2002 e (melhor ainda) Jorge Medauar em prosa e verso/2006. Seria o caso de a FICC chamar aquela editora para o resgate de um dos grandes poetas brasileiros. E é pertinente salientar que Telmo Padilha, autor de mais de 35 títulos, com 16 traduzidos, tem crédito para tanto: era professor Honoris Causa da Uesc.

AZNAVOUR E O “REALISMO” NA CANÇÃO

Charles Aznavour se sentia infeliz com as canções que interpretava, por isso resolveu compor, com a intenção de dizer “coisas que o público não estava acostumado a ouvir”. Seus temas são desamor e conflitos interpessoais, numa espécie de realismo que conquistou milhares de ouvintes. Os jornais eram sua fonte de inspiração. Filho de imigrantes armênios que escaparam do genocídio feito pelos turcos em 1914, ele trabalhou oito anos com Edith Piaf (foto), seguindo-a por toda parte, e foram amigos até a morte da chansonière. “Com ela aprendi que não devia fingir ser outra pessoa no palco, que devia ser eu mesmo, uma pessoa real”, reconhece.

VEIO DUAS VEZES AO BRASIL

Charles Aznavour, nascido Shahnour Vaghinagh Aznavourian (foto),  fez, no mínimo, 600 canções (há quem fale em 850), incluindo 150 em inglês, 100 em italiano, 70 em espanhol e 50 em alemão. Vendeu mais de 100 milhões de discos e apareceu, como ator, em mais de 60 filmes, entre eles, Atirem no pianista, O caso dos dez negrinhos e O tambor. Em 2008, obteve a cidadania armênia e já no início de 2009 se tornou embaixador da Armênia na Suíça. O franco-armênio, que completa 86 anos no dia em que esta coluna é postada (22 de maio), visitou o Brasil duas vezes em 2008, cantando em dez capitais.
</span><strong><span style=”color: #ffffff;”> </span></strong></div> <h3 style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>E FRED JORGE CRIOU CELLY CAMPELLO!</span></h3> <div style=”padding: 6px; background-color: #0099ff;”><span style=”color: #ffffff;”>No auge do sucesso, em 1965, a música teve uma versão no Brasil, gravada por Agnaldo Timóteo. Como costuma ocorrer com as

“AVENTAL TODO SUJO DE OVO”

La mamma vendeu 1,5 milhão cópias, com uma letra de mau gosto atroz, só perdendo, no tema, para aquela da mãe rainha do lar com o chinelo na mão e o avental todo sujo de ovo. Ray Charles a gravou como For mamma e Agnaldo Timóteo (foto), Mamãe, é claro. O tema: a velha matriarca está nas últimas, e a família vem assistir ao desenlace. “Eles vieram, eles estão todos lá/Desde que entenderam este grito/Ela vai morrer, a mamma” (Ils sont venus,ils sont tous là/ Dès qu’ils ont entendu ce cri/ Elle va mourir, la mamma). Nazareno de Brito (para o vozeirão de Timóteo) põe lirismo nessa morte: “O véu da noite vai chegar/E docemente vai nublar/ Os olhos meigos de mamãe”. Bombou. Com brasileiro não há quem possa.

CARISMA QUE ATRAVESSOU O ATLÂNTICO

A melodia e o carisma de Charles Aznavour somados ao êxito dessa canção nos dois lados do Atlântico justificam a presença de La mamma na coluna. É quase como se estivéssemos respondendo ao clamor das ruas.

(O.C.)