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ANÍSIO TEIXEIRA, O PIONEIRO ESQUECIDO

Ousarme Citoaian | ousarmecitoaian@yahoo.com.br

Também fui vítima da “síndrome de Jorge Amado” que atingiu a mídia este ano, quando outros vultos foram ofuscados pela figura do grande romancista. E assim, ao mencionar a queima de livros de Jorge em Salvador (um dos maiores crimes que a ditadura brasileira praticou contra a civilização), deixei de mencionar que também viraram cinzas ali 23 exemplares de Educação para a democracia, de Anísio Teixeira. Baiano de Caetité (1900-1971), ele foi educador respeitado no Brasil e no mundo, um revolucionário que, já nos anos trinta, defendia o ensino público, gratuito, laico e obrigatório. Pioneiro da escola de tempo integral (com a Escola Parque), preferia levar o aluno a julgar, não apenas a memorizar.

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Mais um “acidentado” no governo Médici

Inimigo da ditadura de 64 (já fora perseguido pela de Vargas), Anísio Teixeira estava em campanha para a Academia Brasileira de Letras, em 1971, quando desapareceu. Ao procurá-lo, a família foi informada por agentes do governo de que ele se encontrava detido. Dois dias depois, seu corpo foi encontrado no fosso de um elevador, na Praia de Botafogo, sem sinais que comprovassem a queda. A versão oficial foi de “acidente” – afinal, no governo Médici, por coincidência, os opositores da ditadura se “acidentavam” com muita frequência. Talvez as investigações agora abertas pela Comissão da Verdade esclareçam o caso e tirem a Bahia do silêncio que tem mantido em torno desse filho notável.

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NÃO CONFUNDAMOS “VADIAS” COM VADIAS

Mesmo que estejam em desuso, as aspas existem. Gostei de encontrar dois textinhos (corretos) para ilustrar este tópico: 1) Candidato a prefeito é perseguido por motoqueiros e 2) “Perseguido”, prefeito nega acusações de desvio de verba. No primeiro caso, alguém foi perseguido; no segundo, alguém se diz perseguido. Sem aspas, no caso 2, o prefeito estaria avalizado pelo veículo que divulgou a notícia; com aspas, fica explícita a dúvida sobre a “perseguição”.  A Marcha das Vadias estaria melhor se fosse Marcha das “Vadias”: sem aspas, a mulher se diz vadia; com aspas, remete à ofensa que motivou a expressão. Elas não são vadias, mas “vadias” – e quem não sabe rezar, xinga Deus, ou se xinga.

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A discussão em torno do termo é menor

É bonito de se ver (“um colírio”, dizia-se em outros tempos) mulheres à mancheia, fazendo o povo pensar. Como se trata de protesto contra a discriminação que elas sofrem dos homens, alia-se à beleza o direito, combina-se a estética com a justiça – e eu quase diria, em linguagem popular, junta-se a fome à vontade de comer. Por favor, não me tomem por machista (ou homofóbico, atrevido, tarado e porco chauvinista), mas a discussão em torno do termo “vadia” é menor, nada acrescenta ao que o movimento tem de socialmente sério e justo. Por mim, se fosse Marcha das Marias, Joanas, Rosas, Margaridas, Hortênsias, Violetas, Magnólias – ou coisa que o valha – teria o mesmo efeito.

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(ENTRE PARÊNTESES)

Ah, esses cientistas e suas descobertas maravilhosas! Eis que agora eles decidiram que é tempo de as baratas pagarem, com trabalho suado, toda a repugnância que, ao longo dos séculos, causaram ao homem (e, se vocês me entendem, às mulheres). Em pesquisa, descobriram que é possível “enganar” essas nojeiras com asas e fazê-las encontrar vítimas de desastres, monitorar ambientes e obter informações de inimigos. Segundo o professor Alper Bozkurt, da Universidade da Carolina do Norte, EUA, é só colocar um chip nas bichas (ops!) e, por controle remoto, guiá-las a locais ermos, não acessíveis às nossas mãos nem nossos olhos. Bem empregado.

CENTENÁRIO DO MAIOR CANTOR POP DO PAÍS

Nascido a 13 de dezembro de 1912, o centenário do ilustres brasileiro Luiz Gonzaga transcorre esta semana. Trata-se, na minha modesta opinião, do maior cantor pop do País – posição que, com sua morte (e isto também é apreciação pessoal), passou a ser de Gilberto Gil. Numa época em que o preconceito era bem maior do que hoje – quando o nordestino era chamado de “baiano”, “paraíba” ou “pau-de-arara”– ele buscou em seu meio, creio que por intuição, o tipo que o consagraria nacionalmente (do vaqueiro, o gibão; do cangaceiro, o chapéu). Depois, saiu por aí, ao som de sanfona, zabumba e triângulo, a cantar a pobreza, a tristeza, as injustiças e, é claro, as belezas do sertão profundo.
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Outra vítima do “governo é governo

Penso hoje que ter Luiz Gonzaga como “de direita” seja um erro, desses que eu já cometi e de que me penitencio. Ele era homem ligado ao poder, qualquer poder de ocasião. Oportunista? Talvez dizê-lo de fraca formação política, um tanto alienado, seja mais correto. Apoiou a ditadura, ligou-se à Arena (depois PFL, hoje Democratas), porque aquele era o grupo que mandava. Hoje, seria petista de carteirinha. Lembra o Fabiano de Vidas secas (feito por Átila Iório, na foto): humilhado pelo soldado amarelo, um dia encontra-o em plena caatinga, oportunidade de vingar-se (talvez cortando-lhe  a garganta  desaforada e arrogante) mas, na hora “H”, recua. “Governo é governo”, justifica-se. Luiz Gonzaga, censurado, aceitou a censura, rendeu-se ao poder, como Fabiano: “Governo é governo”.

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Amordaçado, o Rei se manteve “gentil”

A ditadura militar calou a voz de Luiz Gonzaga em Vozes da seca, Paulo Afonso e, mais incrível ainda, Asa branca. Certa vez, no Recife, um amigo meu, num show, pediu a Lua que cantasse Vozes… e ele, candidamente, disse que não lembrava da letra. Meu amigo nunca entendeu – e eu acho que só entendi agora – que não se tratava de esquecimento, mas de censura. O artista deixou de dizer a verdade, preferindo ser gentil com seus algozes. Mas a música sobreviveu e ele, em tempos de democracia, voltou a cantá-la. No vídeo, campeão absoluto de visualizações da coluna, mais de 15.000 em dois anos (foi postado em setembro de 2010), o Rei solta a voz poderosa. Para mim, um grito de liberdade, a mordaça atirada no cesto de lixo.

(O.C.)