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A visita representa alvíssaras de que em um breve período nenhum dos alunos do ABC da Noite estará fora da sala de aula. Quem garante é o professor Caboclo Alencar.

 

Walmir Rosário

Nunca, em tempo algum neste Brasil, uma visita foi tão comemorada pelos boêmios do Beco do Fuxico e adjacências. Entrando o mês de abril, justamente no dia 1º, em que se costuma a contar mentiras, uma verdade merece ser contada em alto e bom tom: o Caboclo Alencar, nos seus 90 anos, deu as caras no Beco do Fuxico, o endereço do mais conceituado boteco de Itabuna.

Sem alarde ou notícias enviadas aos colunistas sociais que emolduram e abrilhantam nossa imprensa, a visita do Caboclo Alencar teve a simples finalidade de realizar uma vistoria nas instalações do majestoso ABC da Noite, fechado desde que apareceu a pandemia. No chamado grupo de risco, o Caboclo preferiu encerrar as atividades – temporariamente – no seu estabelecimento.

Como faz parte do costume do Caboclo, nesses quase 59 anos de atividades do ABC da Noite, a simplicidade é a marca registrada deste boteco que se transformou numa instituição itabunense. E esse mérito pode ser creditado às divinas batidas que são manipuladas na linha de produção, onde são associadas frutas e raízes às cachaças e vodcas, transformando-as no néctar dos deuses, e aos seus clientes.

Pois é, mas como com a pandemia da Covid-19 ninguém brinca, o Caboclo Alencar resolveu fechar o boteco por algum tempo e se refugiar em casa, longe dos vírus indiscretos que atacam a qualquer hora do dia ou da noite. Mas como os clientes – alunos, melhor dizendo – não se conformavam sem as aulas diárias, enriquecidas com as batidas de limão, maracujá, gengibre, pitanga, o Caboclo resolveu trabalhar em casa.

Mas foi logo avisando que não queria nenhum “piseiro” em casa e que os pedidos seriam feitos pela internet, através do e-mail ou pelo telefone – fixo e celular –, com hora marcada para retirá-lo. Aos poucos, via whatsapp, as batidas do ABC da Noite eram exibidas nas redes sociais como se fossem troféus arduamente conquistados em campeonatos internacionais, como a copa do mundo.

Mas como diz o ditado que gato escaldado tem medo de água fria, o Caboclo Alencar resolveu sair da toca – o recesso do lar – para dar uma olhadinha no prédio sede do ABC da Noite, uma simples vistoria de rotina. Sem alardes, saiu pela manhã com o intuito de fazer umas compras e aproveitou para dar uma passadinha no Beco do Fuxico e vistoriar se estava tudo em ordem.

E tinha razão o Caboclo, pois assim que o prédio do ABC da Noite ganhou status de tombado pelo patrimônio histórico como patrimônio material imaterial de Itabuna, com direito a discursos e muita bebedeira, aconteceu o impossível. No fim de semana, um inimigo – ou melhor, um amigo do alheio – subiu pela parede de frente, arrombou o telhado do prédio e surrupiou os R$ 300,00 deixados na gaveta.

É bom que fique registrado que o tal larápio não tocou nos poucos litros de batidas acondicionados no freezer, talvez por desconhecer a riqueza do conteúdo engarrafado, que foi disputado pelos clientes. Do alto de sua sabedoria, o Caboclo Alencar analisou o malfazejo em entrevistas para os programas policiais como sendo arte de um reles vagabundo chegado ao uso de crack e cachaça vagabunda.

Como dizem que um raio não costuma cair duas vezes no mesmo lugar, o interior do ABC da Noite se encontrava intacto, sem sofrer qualquer invasão dos larápios, que preferiram arrombar lojas vizinhas, aquelas que comercializam aparelhos eletrônicos, celulares e joias. Após uma rápida conferida no estoque, os litros de cachaça de Itarantim e de vodca estavam intactos, sem qualquer violação.

Se desta vez não houve prejuízo material, o Caboclo Alencar não contava com a quantidade de espiões de prontidão para fotografar sua chegada triunfal ao Beco do Fuxico. Tudo coordenado por Alex Alves (Português) que, de celular em punho, registrou todos os passos do Caboclo, e ainda por cima ligou para outros alunos do ABC da Noite anunciando que as aulas teriam sido iniciadas.

Mais do que de repente, pelo menos uma dúzia de alunos repetentes se postaram em frente ao ABC da Noite à espera que as portas se abrissem e pudessem se deliciar com as festejadas batidas. Nem mesmo nas ausências furtivas do Caboclo, quando ainda apreciava e fazia uso de uma boa cachaça e cerveja, ou de suas viagens de férias pelo Brasil afora, seus alunos foram acometidos de tanta carência etílica.

Mas, para o desespero da distinta clientela, a esperada festa durou apenas poucos minutos. Após o Caboclo Alencar fechar a porta com os cadeados e deixar os clientes com água na boca, anunciou que seria por pouco tempo. A visita representa alvíssaras de que em um breve período nenhum dos alunos do ABC da Noite estará fora da sala de aula. Quem garante é o professor Caboclo Alencar.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Que o despojamento e os ensinamentos de José de Oliveira Santana – Zito Baú, nome em que era mais conhecido – sirvam de exemplo às novas gerações, para que possam analisar como um paradigma a ser seguido.

 

Walmir Rosário

A ninguém é dado ao direito de desconhecer as mudanças em nossas vidas, por mais que possamos rejeitá-las, pois, na esmagadora maioria das vezes, elas não dependem ou ocorrem da nossa finita vontade. As que não nos dizem respeito, apenas acompanhamos pela leitura dos meios de comunicação; outras, as que nos atingem, sejam no plano físico ou espiritual, nos regozijamos ou choramos. É da vida.

E é justamente quando essa mudança extingue a vida que não nos conformamos, embora tenhamos plena consciência de que nada poderemos fazer para mudar o evento morte, restando, no entanto, consolar a família e os amigos com orações. E foi justamente o que fizemos nesta quarta-feira (31), na celebração da Santa Missa de 7º Dia em homenagem à alma do amigo José de Oliveira Santana, na Igreja de N. S. da Conceição, em Itabuna.

José Oliveira Santana, mais conhecido como Zito Baú (pela estrutura avantajada do seu corpo), faleceu na quinta-feira (25 de março), após ter sido internado para se submeter a uma cirurgia cardíaca. Infelizmente, pelo que soubemos, o internamento lhe trouxe consequências desastrosas, por ter sido infectado pelo terrível vírus e ser acometido pela Covid-19. Triste partida.

Não sei se é dado ao direito de algum filho de Deus escolher quando partirá para a eternidade, mas acredito que foi em data imprópria, pelos simples motivos de não ter se despedido da grande legião de amigos, bem como comemorar seu aniversário. E faltavam poucos dias para a efeméride, já que no dia 14 de abril próximo Zito completaria 82 anos de vida, e bem vivida, para ser mais claro.

Aos que não tiveram a felicidade de conhecê-lo ou desfrutar de sua amizade, Zito Baú era uma daquelas pessoas que Deus colocou no mundo para fazer o bem – sem olhar a quem, da forma mais indistinta possível. Foi assim na sua infância, adolescência, continuando quando adulto até o seu desaparecimento, não havendo registro algum de uma pessoa desafeta ou ex-amigo.

De fala fácil, sabia ser o amigo, o conselheiro. Somente ele sabia subir o tom de voz na medida certa ao repreender um amigo, sem deixar qualquer mágoa, ao contrário, solidificando a amizade. E procedia de maneira simples – como ele – nos campos de futebol (baba, pelada), ao expor sua filosofia de que não bastava ao garoto ser um grande craque e sim um cidadão. Chorava quando algum deles desvirtuava.

E assim, desde os meados dos anos 1950 – quando o conheci – gastava seu tempo a praça (jardim) dos Capuchinhos aconselhando a garotada a estudar para jogar nos seus times de baba ou no Botafogo juvenil do bairro da Conceição, do qual era técnico. E para convencer os futuros craques, rádio de pilha no ouvido, se inteirava das resenhas dos grandes centros futebolísticos como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Ilhéus e Itabuna.

Ali mesmo na pracinha reunia a garotada no comecinho da noite para incentivá-los a jogar o bom futebol, ter um bom comportamento na escola e na sociedade, ter uma boa e rendosa profissão. E ele fazia os comparativos com os famosos jogadores de futebol do Brasil, citando muitos dos quais abandonavam os estudos em troca de uma carreira curta e às vezes desagradáveis.

No time de Zito Baú, aos jogadores não bastavam saber defender, construir, atacar e fazer gols. Eles tinham que saber driblar as adversidades da vida, aprender a construir uma vida sólida. Muitos dos que não gostavam desses conselhos e, mesmo que buscassem espaço em outros times, não deixavam de escutar o conselheiro Zito Baú e continuavam amigos para o resto da vida.

E o mesmo exemplo que pregava aos outros praticava consigo mesmo. Estudou com afinco para ser aprovado no concurso da Ceplac, onde se aposentou, e continuou sua carreira acadêmica, diplomando-se em Direito, seguindo a advocacia. Com todos os afazeres profissionais, Zito nunca deixou de viver sua vida no pacato bairro da Conceição, cercado de amigos.

Ele deixou como um dos seus exemplos bem-sucedidos aos pretendentes a craques: No Botafogo juvenil – onde era o treinador – aconselhava a garotada a estudar para fazer concursos, a exemplo do Banco do Brasil, um sonho para uma carreira de sucesso. E o primeiro a ser aprovado no concurso foi Sinval, que se tornou um exemplo a ser citado por Zito, tanto assim que em seguida Raul Vilas Boas e outros tantos foram aprovados.

Que o despojamento e os ensinamentos de José de Oliveira Santana – Zito Baú, nome em que era mais conhecido – sirvam de exemplo às novas gerações, para que possam analisar como um paradigma a ser seguido. Por ora, nos resta dar um adeus ao amigo, orientador, conselheiro, psicólogo, advogado, e dizer que os que aqui ficaram continuarão sentido muito a sua falta. Até mais!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Quem, como Alencar Pereira da Silveira, nasce no dia consagrado a Iemanjá tem o corpo fechado e uma legião de amigos para clamar: Vida longa ao Caboclo Alencar!

 

Walmir Rosário

Se não puder ajudar, pelo menos não atrapalhe! Esse bordão é bastante antigo e não sai de moda, acredito eu que para passar um pito, chamar a atenção, dar um esfrega nas fuças do dito cujo que faz o que não deveria. Isso vale – e muito – para o sacripanta que uns dias atrás espalhou pelas redes sociais uma notícia falsa – ou fake news, como está na moda – dando conta que o Caboclo Alencar teria morrido.

Neste dia, logo cedo, enquanto esperava o café ser posto à mesa, me deparei com essa heresia no Facebook, no Instagram e no Whatsapp, de que o Caboclo teria partido para o outro mundo sem se despedir de ninguém. Com essa profusão de notícias ruins sobre os amigos que se vão, de início fiquei alarmado, mas fui me recuperando aos poucos todas as vezes que analisava uma premissa sobre sua morte.

Ora, sem mais delongas iniciei uma série de ligações para amigos comuns que trataram de desmentir a calúnia na mesma hora e prometeram tomar providências junto à polícia, à justiça e até ao papa, com a firme intenção de aplicar um castigo eficaz no mentiroso. Justamente quando o Caboclo Alencar acaba de comemorar seus 90 anos bem vividos um sujeito qualquer decreta a morte dessa autoridade, sem mais nem menos.

Mesmo neste terrível tempo em que a pandemia assola o mundo – incluído aí o Brasil e Itabuna – o Caboclo Alencar continua prestando relevantes serviços à sua clientela, servindo as deliciosas e quase sexagenárias batidas. Se bem que o Caboclo Alencar poderia se valer do alto dos seus 90 anos para resolver se aposentar do trabalho e passear com sua Neusa mundo afora. Mas não, continuou na labuta.

A única mudança que se permitiu foi mudar a linha de produção da indústria implantada no Beco do Fuxico, onde também funciona o internacionalmente famoso ABC da Noite, para a sua residência. É bom que se diga que também se permitiu a outra mudança: deixou de servir as batidas no varejo e agora somente trabalha em atacado, comercializando-as a partir de embalagens de litro.

Sujeito modesto esse Caboclo Alencar, que continua firme na lida para não deixar os alunos – repetentes ou não – do ABC da Noite a ver navios. Que ninguém repare não ser servido na forma tradicional, de pé no balcão e em pequenos copos de plásticos em dois tamanhos, pois não convém manter esse serviço em sua própria residência, cujos frequentadores são apenas os convidados.

Mesmo assim, na porta de entrada o Caboclo não se furta de entregar os maravilhosos litros de batida, quase sempre acompanhados de uma dose da bebida, para deleite do ilustre cliente. Nestas semanas em que prevalece o lockdown, nada melhor do que passar o fim de semana em casa e devidamente abastecido. Afinal, um boêmio distinto é conhecido pelos serviços que presta ao recepcionar seus convidados.

Mas voltando ao malfazejo que transmitiu essa heresia ao mundo por meio da internet, fico aqui imaginando o que o Caboclo Alencar teria feito de mal ao dito cujo, para premeditar tamanha vingança. Teria ele passado pelo Beco do Fuxico e dado de cara, por dias a fio, com o ABC da Noite fechado e se sentiu prejudicado no seu sagrado direito de beber uma das batidas, conforme mandava a tradição?

Não acredito na atitude mesquinha desse sujeito e rogo que a justiça venha a dar o tratamento merecido ao dito cujo, no tamanho que merece o tresloucado ato praticado. Se falhar a justiça dos homens que, pelo menos, atue a divina, e que ele seja, no mínimo, proibido de beber as tradicionais batidas do ABC da Noite por um longo período, na mesma proporção do estrago que causou aos amigos do Caboclo.

Para os que ainda não tomaram ciência do que representa o Caboclo Alencar, vai aqui uma simples amostra da importância desse homem para os frequentadores do ABC da Noite, tanto os diários como os esporádicos. De portas abertas desde 1962, o Caboclo coleciona uma carteira de amigos e clientes que ultrapassam limites, divisas e fronteiras, que sempre voltam para uma mais uma dose.

Itabunense nascido em Sorocaba (SP), Alencar Pereira da Silveira teve a ideia de transformar o açougue em que comercializava carne de porco em uma casa de batidas, cervejas e tira-gostos. De lá pra cá não fez outra coisa na vida que não fosse proporcionar a felicidades dos costumeiros clientes, transformando seu negócio numa verdadeira casa de amigos. E tantos amigos que crescem a cada dia.

E para tomar a saideira, de cara vou avisando ao dito cujo carcará sanguinolento que praga de urubu magro não pega em cavalo gordo. Quem, como Alencar Pereira da Silveira, nasce no dia consagrado a Iemanjá tem o corpo fechado e uma legião de amigos para clamar: Vida longa ao Caboclo Alencar!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Em vez de ser considerada um dos sete pecados capitais, a gula, para esse modesto comilão, é a satisfação do prazer de comer – bem e muito –, saciando a costumeira fome e degustando os sabores. Não importa se num restaurante grã-fino e laureado com as medalhas da moda e pouca comida, ou num pé sujo (com todo o respeito)

 

Walmir Rosário

A depender de onde estamos e com quem falamos quando o assunto é alimentação, geralmente ouvimos que o melhor tempero para a comida é a fome. Não discordo que a barriga vazia e a vontade de comer sejam componentes para esvaziar um bom prato, mas outros atributos mexem com nossos olhos e as papilas gustativas, destacando os sabores doces, salgados, amargos, azedos e umami (chic), sem falar nos gostos.

E essas diferenças podem ser notadas e degustadas independentemente do local em que estivermos fazendo nossa refeição. Isto quer dizer que tanto nos famosos e laureados restaurantes, os famosos “pé sujo”, ou em casa, o toque dos chefs renomados, cozinheiros ou quem mais se aventure no forno ou fogão é fundamental para saborearmos uma boa, excelente ou má refeição.

Muitos restaurantes tipo “pé sujo” possuem uma respeitável clientela, daquelas que têm direito a cadeira cativa num determinado dia de semana, saboreando um bom prato – melhor, dois ou mais tipos diferente de proteínas (boi, porco, carneiro, aves, peixes…) – e saem pra lá de satisfeitos. A cada dia uma especialidade da casa, daquelas de deixar qualquer ser vivente com água na boca.

Não basta encher a barriga, mas degustar cada tipo de comida, seja proteína, carboidrato, gordura, ou o que valha, é por demais essencial para que o cliente volte na próxima oportunidade ou se torne um freguês assíduo. E como dizem que a melhor propaganda é a feita de boca a boca, por certo, novos acompanhantes estarão dispostos a socializar as delícias desses restaurantes.

Em vez de ser considerada um dos sete pecados capitais, a gula, para esse modesto comilão, é a satisfação do prazer de comer – bem e muito –, saciando a costumeira fome e degustando os sabores. Não importa se num restaurante grã-fino e laureado com as medalhas da moda e pouca comida, ou num pé sujo (com todo o respeito), no qual a fartura é fundamental.

Nessas minhas andanças por restaurantes brasileiros e de outros países, pude constatar que o tamanho do prato é inversamente proporcional aos preços cobrados do distinto cliente, sem tirar nem por. E são muitos os pé sujos espalhados por esse imenso país, notadamente nas feiras livres e locais de movimento, como portos, rodoviárias e os que servem a comidinha de cada dia aos comerciários e industriários.

Comida de sustança para quem pega pesado no trabalho – ou nem tanto, mas que aprecia uma boa rabada, mocofato, cozido, sarapatel, sobe e desce, e outras delícias regionais nem tão conhecida por todos. E todos bem temperados, com especiarias das mais diversas, como queriam os portugueses ao ganhar o mundo nas circunavegações, deixando esse legado para nós pobres mortais.

À vezes nem mesmo precisamos sair de casa para provarmos esses manjares dos deuses, prática que tenho utilizado nesses últimos tempos em que a quarentena é recomendada pelas autoridades – nem sempre médicas – e que temos que obedecer. Quase sempre nem requer muito trabalho, desde que feito de maneira correta o planejamento, com a compra dos insumos principais e acessórios.

Outras vezes nem mesmo precisamos sair de casa, principalmente quando se aproxima o fim de semana, em que as panelas precisam ser renovadas. Basta fazer uma vistoria na geladeira e acreditar na consagrada teoria de Antoine-Laurent de Lavoisier, cientista das áreas da química e biologia, que mostrou ao mundo que “na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”.

E foi o que fiz numa sexta-feira dessas, em que a chuva leve e intermitente cismou de modificar meus planos em encontrar os amigos, conforme prometido: ao meio-dia em pino, num desses recatados bares. Como o tempo chuvoso não permitiu, tratei eu de me virar por conta própria, dando-me ao luxo de sequer sair de casa. Para ganhar inspiração fui em busca de uma boa cachaça e algumas cervejas, disponíveis em no recato do lar.

Bastou abrir a velha geladeira e conferir a pequena sobra do feijão gordo da semana, misturá-lo com farinha e transformá-lo num especial tutu à mineira, arroz, cortar e passar na banha a última folha de couve, fritar umas fatias de bacon, linguiça calabresa e, com a sobra da gordura fritar um ovo, devidamente mexido. Para me sentir num pé sujo, bastou colocá-los num prato branco e numa toalha bem surrada.

Para me despedir, não pensem os senhores que estão com água na boca, que me enganei ao citar a ingestão de muita comida e apresentar um prato pouco condizente com o texto acima elaborado. Como ninguém é de ferro, do planejamento ao começo dos trabalhos etílicos, a eles se juntaram os tira-gostos, consumidos sem dó nem piedade. Afinal, o que de melhor fazer numa sexta-feira acinzentada e chuvosa?

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Como não estava acostumado a ser retrucado com veemência, Manuel continuou a viagem até Medeiros Neto sem dar uma palavra com seu amigo “Cambão”.

Walmir Rosário

Manuel Leal de Oliveira foi uma figura ímpar do Sul da Bahia. Eclético e desinibido, sempre esteve presente nas mais diversas ocasiões relevantes da política e da economia regional. Morou um tempo na Guanabara e São Paulo. Na capital carioca, trabalhou nos jornais Última Hora e Jornal do Commércio. Após tirar a “sorte grande” na Loteria Federal, volta a Itabuna.

Já em terras grapiúna, Manuel Leal adquire, com os recursos da premiação, uma fazenda em Firmino Alves (ex-Itamirim), onde por muito tempo ocupou cargos e a presidência do Sindicato Rural. Como sindicalista patronal rural, demonstrou prestígio e fez parte da diretoria do outrora Conselho Consultivo dos Produtores de Cacau-CCPC, chegando a ocupar cargos importantes, como a Secretaria.

Foi sócio de alguns empreendimentos, entre eles uma fábrica de balas e uma indústria de química que fabricava água sanitária e alvejante: a Alvex. Usando sua experiência adquirida na área de marketing dos jornais do Rio de Janeiro, promoveu uma revolução na comunicação de Itabuna, junto com o jornalista Cristóvão Colombo Crispim de Carvalho, ao promover o lançamento do produto utilizando o teaser.

Manuel Leal possuía verve afiada e uma facilidade incrível de fazer amigos – desafetos também –, tornando uma pessoa importante na sociedade regional. Foi fiscal da Prefeitura de Itabuna e, em seguida, nomeado fiscal do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC), que mais tarde se tornou o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), após a unificação do sistema.

Vida estabilizada – cacauicultor, empresário, funcionário público –, Manuel Leal sempre teve uma grande paixão: o jornalismo. Ainda estudante do Colégio Divina Providência, fundou o polêmico jornal A Terra, que lhe tornou ainda mais conhecido. Logo depois criou o Tribunal Regional, que fizeram história ao falar abertamente do cotidiano, da economia e da política, sempre com uma linguagem afiada, o que não agradava os poderosos.

Desde estudante que era considerado comunista, embora se relacionasse perfeitamente e com destaque com pessoas das mais diversas classes sociais e ideologias, seus amigos e de sua família. De vez em quando um comunista famoso procurado pela polícia era abrigado em sua casa ou fazenda, com todas as honras e mesuras que merecia, a pedido dos tantos amigos.

Em 1987, junto com o escritor e jornalista Hélio Pólvora, Manuel Leal funda os jornais Cacau LetrasA Região, dois jornais elaborados com esmero e que – de cara – ocuparam o merecido lugar na comunicação estadual. E A Região conseguiu chegar ao clímax, influenciando o pensamento e a política regional. E o jornal passou a ser aguardado aos sábados pelo conteúdo altamente polêmico.

Além de Hélio Pólvora, passaram pelo A Região editores e repórteres da mais alta linhagem do jornalismo sulbaiano, mantendo, sempre, o tom “manuelino” que fez história na comunicação regional. Algumas semanas a tiragem de 5 mil exemplares era insuficiente para atender aos ávidos leitores e a gráfica tinha que se desdobrar para aumentar o número de exemplares.

Lembro-me quando editor de A Região – junto com Daniel Thame – inovar na diagramação do jornal, modificando, inclusive, a primeira página para aproveitar uma grande notícia de última hora. Não raro, jornal na gráfica, nos livrávamos das chamadas da primeira página, substituindo-a por um tijolão de três laudas e uma foto de um fato que não poderia deixar de ser publicado.

Com todas essas atividades, Manuel Leal nunca deixou de ser o fiscal do INSS, fiscalizando empresas das cidades baianas. Numa dessas viagens tinha como motorista o seu fiel escudeiro José Emanoel Aquino, o conhecido “Cambão”. Ao se aproximar do posto da Polícia Rodoviária Federal, em Itamaraju, o policial fez o sinal para o veículo em que viajavam parar para fiscalização.

Assim que o policial se aproximava do carro, Manuel Leal sacou do bolso da camisa uma carteira de couro com as armas da República contendo sua carteira funcional do INSS, e brandiu:

– Fiscal federal do INSS. Estou a serviço! – exclamou.

Tranquilo, o policial rodoviário não se intimidou com a carteirada e retrucou em quente:

– E o senhor quer dizer que eu estou aqui brincando, não é…Favor passar os documentos do veículo e do condutor – pediu.

Como não estava acostumado a ser retrucado com veemência, Manuel continuou a viagem até Medeiros Neto sem dar uma palavra com seu amigo “Cambão”.

Manuel Leal foi assassinado após uma denúncia feita pelo jornal A Região. Hoje o jornal é mantido na forma digital pelo seu filho, o jornalista Marcel Leal.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado. Com artigos e crônicas, ele também edita o Blog Walmir Rosário.

Carlos Farias e Thelma
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Walmir Rosário

Notícia boa viaja a pé, já as más, a cavalo. E é exatamente nessa antiga premissa que estamos nos acostumando – mesmo com irresignação – a viver nesses últimos tempos assolados pela pandemia da Covid-19. Desta vez, a péssima notícia chega em dose dupla, pelo whatsapp de José Nazal: “Nosso amigo Faria faleceu nesta sexta-feira (12), de Covid-19, e sua esposa Thelma se encontra internada na UTI”.

Irrequieto, dinâmico, agitado, astucioso, afável – para muitos –, carrancudo – nem tanto – para outros. E neste contexto se encaixava o ilheense Carlos Farias Reis, exatamente como o pensamento de Nélson Rodrigues, para quem toda a unanimidade era burra. Eu mesmo o classificaria com mais adjetivos díspares, principalmente quando o tema era sua conduta no trabalho, no dia a dia. Ainda bem.

Meses atrás, o casal Farias e Thelma deixa Ilhéus para dar apoio à filha em Aracaju, onde o genro passou um grande tempo na UTI, lutando contra a terrível Covid-19. Trancado no apartamento, não se conformava na mudança de vida, no comportamento totalmente estranho para quem sempre foi acostumado a sair às ruas, passear pela cidade, ou simplesmente conversar com os amigos.

Por ironia do destino, o Casal Farias Reis resolve retornar a Aracaju, refazendo o trajeto anterior pela capital baiana, revendo os amigos mais chegados. Já em Sergipe, sentem-se mal e são diagnosticados com a infecção da Covid-19. O que tanto temiam que infectassem os amigos, chegou a eles sem qualquer aviso-prévio, longe de sua querida cidade natal, Ilhéus.

Farias era um apaixonado por Ilhéus, embora sempre manifestasse vontade de se mudar para Aracaju, para viver mais próximo à família, ato sempre postergado por ele e cumprido pelo Divino. Farias se foi e agora rezamos por Thelma, sua esposa, para que se livre desta doença e deixe a UTI, restabelecendo-se por completo. Um casal perfeito, separado de forma violenta.

E desde o início do ano passado que Farias tentava marcar um almoço em sua casa para homenagear o jornalista José Adervan, falecido em 12 de fevereiro de 2017. Com a epidemia, a data festiva não foi agendada, e uma das preocupações do anfitrião eram as sucessivas mortes dos convidados – acometidos da Covid-19 –, com o risco de não haver quorum para a recepção. E Farias morre exatamente quatro anos após Adervan.

Por falar em recepcionar os convidados, um dos seus chegados na legião de amigos, o saudoso Raimundo Kruschewsky (Barão da Popov), sempre foi pródigo em nomear Farias como o último dos grandes anfitriões de Ilhéus. Essa frase foi tomada emprestada do escritor grapiúna Jorge Amado, que costumava chamar seu amigo Raimundo Pacheco Sá Barreto de o último coronel do cacau.

Grande anfitrião, Farias (ou Carranca, para alguns), se preocupava de forma exagerada com os amigos, tanto que nos nossos telefonemas quase diários, dava notícia do estado de saúde de quase todos, perguntando acerca dos que não tinha notícia. Nessa lista, uma de suas inquietudes era o jornalista e escritor Antônio Lopes, seu amigo desde os tempos de escola, com direito a cadeira e litro de whisky cativo na residência de Farias.

Carlos Farias Reis era considerado um homem das antigas, embora transitasse com muita facilidade em todas as faixas etárias e sociais, às vezes dizendo verdades merecidas, outras vezes palavras de conforto, ou simples pilhérias. Em sua casa reunia amigos, sem importar a ideologia política, posição social ou financeira, e seus convidados iam de representantes do clero, passando por jornalistas, comerciantes, comerciários ou políticos.

Ao tomar conhecimento da morte de seu amigo Farias, Antônio Lopes, ainda agastando com os efeitos de um infarto, ao se refazer do choque, exclamou. “Estou arrasado, creio que perdi uma parte de mim”. O sentimento de Lopes por certo ecoou em Ilhéus e ultrapassou seus limites, dada a comoção que tomou conta de amigos tantos em Itabuna, Canavieiras, Salvador, Aracaju, dentre outras cidades.

Funcionário da Petrobras, abandonou sua merecida aposentadoria quando chamado para implantar o terminal da empresa de Itabuna, tornando a vestir o pijama listrado assim que inaugurado. Como era do seu temperamento irrequieto, prestou vestibular para Direito; formado, prestou concurso para juiz conciliador do Juizado Especial; aprovado, preferiu não assumir o cargo, deixando a vaga para os mais novos.

Em sua colação de grau, Farias não era chamado pelos amigos de formando, como natural, mas de desembargador, pela idade, o que valeu um lauto almoço, com direito a assento na mesa da diretoria. Como bem disse o amigo Antônio Lopes, com a partida de Faria todos perderam um pedaço de si – em graus diferentes –, lembrança que por certo não sairá da memória de cada um de nós.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Jogo duro, aquele. Ninguém queria se arriscar e a marcação era feita homem a homem. Jogo pra “pirão”, narravam Orlando Cardoso e Geraldo Santos. Era uma partida para ficar nos anais da Desportiva.

Walmir Rosário 

Quem não conheceu a tabelinha Pelé e Coutinho no auge do time do Santos Futebol Clube? Claro que todos os desportistas daquela época (décadas de 1950/60). Mas eu garanto que se não fosse o poder da mídia paulista e carioca, com suas emissoras de rádios potentes e com poderes de dominação cultural, essa dupla seria fichinha se comparada a que jogava pelo Botafogo de Rodrigo: Pedrinha e Mundeco.

Nada se comparava a essa espécie de irmãos siameses do futebol do bairro Conceição, em Itabuna, que fazia vibrar os torcedores do Botafogo, além dos gritos estridentes de Rodrigo, que ecoavam no campo da Desportiva a cada jogada da dupla. Essa tabelinha era tão importante para o time, que Rodrigo – após o último treino de apronto – tomava todas as precauções com a saúde dos dois atletas.

Na verdade, Rodrigo tratava Pedrinha e Mundeco com o desvelo de um pai – principalmente antes dos jogos –, dando orientações e conselhos. Como um psicólogo, tentava mergulhar numa análise do subconsciente de cada um deles, auscultando-os sobre as dores da alma e outros problemas que os afligiam cotidianamente.

Esses problemas nada mais eram do que as incursões que os dois faziam, na calada da noite, pelo jardim da Estação Ferroviária (hoje praça José Bastos) à “caça das gatas” (chamadas maldosamente de graxeiras, por serem empregadas domésticas). Para dar coragem de enfrentá-las, ambos não dispensavam umas doses de “verdinhas”, tomadas nos botecos da cabeceira da ponte velha.

Era aí que morava o perigo, e disso bem sabia o experiente Rodrigo Antônio dos Santos, que tinha a mesma habilidade ao cuidar de tipos frios e impressões de sua gráfica, como das escapadas noturnas de seus atletas. Afinal, nem por sonho poderia entrar para o jogo do Campeonato Amador da cidade, justamente contra o Flamengo, desfalcado dos seus meio campistas. Pedrinha e Mundeco eram os maestros que regiam a orquestra botafoguense.

E o receio de Rodrigo não era infundado. Véspera do jogo, nada de Mundeco comparecer ao treino das cinco da manhã, no campo da Desportiva. Mais tarde, após algumas diligências, o todo-poderosos presidente do Botafogo era informado da notícia que menos queria ouvir: Mundeco estava acamado com uma forte gripe contraída nas noites de sereno embaixo dos pés de fícus do jardim da Estação.

Domingo, após lamentar a terrível baixa, o time do Botafogo se dirige à Desportiva para enfrentar seu mais ferrenho adversário, o Flamengo, que acabara de contratar quatro novos jogadores e prometia se vingar da última derrota sofrida pelo rival da “Abissínia”, como chamavam pejorativamente o bairro Conceição.

Jogo duro, aquele. Ninguém queria se arriscar e a marcação era feita homem a homem. Jogo pra “pirão”, narravam Orlando Cardoso e Geraldo Santos. Era uma partida para ficar nos anais da Desportiva.

Aos quarenta e quatro minutos do segundo tempo, Pedrinha, que até então não tinha acertado uma – era impossível jogar sem seu parceiro de tantos anos –, descobre o centroavante Danielzão na grande área e lança a bola. O centroavante matou a redonda no peito e, na hora de mandar a bomba, recebeu uma tesoura voadora do zagueiro flamenguista. Pênalti! Apitou o árbitro. Finalmente a pátria alvinegra estaria salva.

Silêncio total na velha Desportiva. De longe, Rodrigo grita:

– É sua, Pedrinha, bata esse pênalti – autorizou.

Bola na marca do pênalti. Todas as duas torcidas na expectativa e o árbitro finalmente trila o apito. Pedrinha se encaminha para a bola e chuta. Todos acompanham a trajetória da bola e, pasmem, ela faz uma curva parabólica ao contrário e se encaminha para o morrinho onde hoje está localizada a Igreja de Santa Maria Goretti.

Ninguém entendeu nada, era impossível Pedrinha errar o gol, já que uma de suas marcas era chutar colocado. Poderia, no máximo, o goleiro pegar, mas errar daquele jeito, nunca. Recomeça o jogo e o árbitro apita final de partida. Um raquítico zero a zero que não interessava a nenhuma das duas equipes. Rodrigo entra em desespero e, no vestiário, entre lamentos e palavrões cobra explicações ao seu craque.

Passada a aflição, Pedrinha enfim, pode se explicar. Ao se encaminhar para a bola e bater o pênalti, ele ouve o sinal característico do seu parceiro Mundeco pedindo o passe, com aquela tossidela combinada. Aí então ele não contou conversa, passou a bola para o seu parceiro de tabelinhas. Para quem não conheceu a dupla, o que aconteceu foi o seguinte: como Mundeco estava gripado, foi assistir ao jogo do morro da igreja, seu local preferido. Ao vir descendo a ladeira, uma irritação na garganta o fez tossir. Aquele hã-hã característico foi o suficiente para que Pedrinha atendesse ao sinal combinado do seu parceiro.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado, além de editar o Blog Walmir Rosário.

O professor e comunicador Odilon Pinto e dois de seus filhos
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Aos 72 anos, com a diabetes aperreando, morreu vítima de infarto, deixando um legado importante para a comunicação e a educação do Sul da Bahia. Mais um exemplo de vida que nos deixa fora do combinado.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Até parece que foi combinado: Na terça-feira (12) o jornalista Tyrone Perrucho nos deixa aqui neste mundo, e na quarta-feira (13), sem qualquer aviso-prévio, toma o mesmo caminho o radialista, jornalista e professor Odilon Pinto. Além da tristeza e saudade, passo a me considerar um estranho obituarista – função que existe numa redação – essencial para informar os que partem.

Mas como dizia Odilon Pinto: “Rosário, o jornalista é o grande secretário da sociedade, o encarregado de lavrar a ata dos feitos deste mundo, sejam eles bons ou ruins, não importam, têm que ser anotados”. Há alguns anos que não via e nem tinha notícia de Odilon, que há muito se transformou numa pessoa caseira, com o ofício de cuidar da diabetes que lhe acometia e da Língua Portuguesa.

Odilon Pinto era uma artista nato, um homem show, que dedilhava o violão, tocava “sanfona” ou outro tipo de instrumento, amparado por sua voz a cantar músicas de todos gêneros, como já fizera em bandas regionais. A partir dos anos 70, se dedicou às músicas para o homem do campo, como uma extensão do programa De Fazenda em Fazenda, produzido pela Divisão de Comunicação da Ceplac (Dicom).

Narrar, em poucas palavras, a que se prestava o De Fazenda em Fazenda é essencial para conhecermos mais Odilon e sua atuação para agregar todo o pacote tecnológico da Ceplac às fazendas de cacau, convencendo produtores e trabalhadores rurais. Era a comunicação de apoio dos extensionistas, com uma linguagem apropriada para que as práticas agrícolas fossem feitas em sua plenitude. Esse era o nosso mister.

E Odilon chegou à Ceplac com uma bagagem importante: saber se comunicar de forma simples, direta, de igual para igual com os homens que permaneciam no campo e aqueles que se mudaram para a cidade. Esse traquejo vinha da sua larga militância no PCdoB, o que lhe rendeu, além de um grande conhecimento sociológico e antropológico, alguns dissabores, a exemplo do convívio no xadrez por ordem das autoridades militares.

E a necessidade da Ceplac – ainda nos anos de chumbo – e o cabedal de conhecimento de Odilon casaram-se perfeitamente. Com o programa radiofônico em alta, foram aparecendo seus subprodutos, como o “Forró do Mata o Veio” e o programa radiofônico Namoro no Rádio, que encantava a todos. Lembro bem que recebíamos até 700 cartas por semana, correspondências estas enviadas das roças por pessoas pouco alfabetizadas.

E a finalização do De Fazenda em Fazenda era a apoteose com o quadro “Vida na Roça”, tirado das singelas cartas, com toda a verve de Odilon, fazendo com que muitos chorassem. Chegaram as mudanças políticas em nível nacional, eis que a nova direção da Ceplac resolve trocar a veiculação do programa, tirando-o da Rádio Jornal de Itabuna e levando-o para a Rádio Difusora de Itabuna.

Nadando contra a correnteza, Odilon se nega a apresentar o programa na nova emissora e cria o programa Na Fazenda do Odilon, continuando na Rádio Jornal, apesar da ameaça do desemprego. Enquanto isso, continua dando suas aulas de português em diversos colégios de Itabuna, na atual Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Odilon era diplomado em Letras e mestre e doutor em Literatura e Linguística.

Sem perder a simplicidade, continuou apresentando seu programa das 4 às 6h40min, dando aulas nos colégios e universidade, por muitas vezes fazendo esse périplo a pé e de ônibus, numa demonstração de como administrar seu tempo. Volta e meia a diabetes lhe consumia, e ele resolvia tocar o barco pra frente, com mais uma atividade, a exemplo de uma assessoria de comunicação e até ingressar na política.

Esse seu conceito e densidade eleitoral chega aos ouvidos do então candidato a governador Pedro Irujo, que o filia ao PRN e o faz candidato a deputado estadual, com a possibilidade de estar entre os mais votados, conforme as pesquisas. Como não poderia apresentar seus dois programas, substituo-o, mantendo o mesmo estilo, enquanto ele viajava dia e noite para manter o contato com os eleitores.

Disparado nas pesquisas, Odilon comete o pecado de não planejar a famosa boca de urna, e no dia da eleição sai de casa apenas para votar e aguardar a apuração. O resultado não poderia ser dos piores, todas as suas intenções de voto foram providencialmente trocadas nas entradas das cidades, comandadas pelos prefeitos e seus cabos eleitorais, com polpudas ofertas em dinheiro ou outros bens de consumo.

A fragorosa derrota não abalou Odilon, que continuou seu labor no rádio e nas salas de aula. Anos depois, retorna ao seu antigo partido, o PCdoB, porém não se aventura a outra candidatura. E assim esse piauiense tocava sua vida, sem reclamar da sorte, nem mesmo dos períodos em que passou fugitivo trabalhando na zona rural, ou na prisão, onde sofreu todos os tipos de tortura.

Assim como o colega Tyrone Perrucho, Odilon Pinto de Mesquita Filho era agnóstico, mas convivia com as crenças. Sonhava com o delta do Parnaíba, no qual passou parte de sua vida, que levava na esportiva. Numa das nossas muitas viagens, uma delas à Amazônia, não perdia a fleuma em nos acompanhar – a mim e ao fotógrafo Águido Ferreira – nas incursões aos bares e restaurantes, mesmo que tivesse de tomar duas doses de insulina.

Com o tempo, passou a apresentação do programa na Fazenda do Odilon para o filho Rivamar e se dedicou exclusivamente à educação, aos livros e aos artigos que escrevia para o Diário Bahia. Aos 72 anos, com a diabetes aperreando, morreu vítima de infarto, deixando um legado importante para a comunicação e a educação do Sul da Bahia. Mais um exemplo de vida que nos deixa fora do combinado.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado e mantém o blog walmirrosario.blogspot.com.br

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Uma só dúvida entre os amigos e confrades: quem será o consagrado herdeiro que passará a operar o honorável sistema VTNCC (não tem no dicionário), que se tornou uma tradição nos momentos de descarrego emocional do fidalgo Senna, e que não será dito na capital.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Durante anos me planejei para ter uma vida sossegada assim que iniciasse a desfrutar da tão sonhada aposentadoria. Não deu certo e não me perguntem o porquê, pois também não tenho a mínima ideia, embora acredite que tenha feito tudo da maneira mais acertada, sem pular uma só etapa do que recomendam os especialistas nesse tipo de transformação de um trabalhador em vagabundo – no bom sentido, é claro.

Foi uma transição pacífica, equilibrada, segura, sem qualquer tipo de arroubo para cair na gandaia pelos bares da vida ou vestir o tal do pijama listrado, sentar numa espreguiçadeira e contar estórias como fazia Pantaleão, personagem de Chico Anísio. Continuei a trabalhar nos mesmos moldes e intensidade de antes, arrefecendo aos poucos para não sentir nenhum impacto e desparafusar a cabeça.

Nos primeiros seis anos tudo saiu como planejado e, aos poucos, fui me desligando das amarras até ficar completamente livre, leve e solto. Para os entendidos, aviso que não caí de cabeça na gandaia, embora assumisse, cada vez mais, compromissos em agremiações etílicas como confrarias (do Alto Beco do Fuxico, em Itabuna; d’O Berimbau e o Clube do Rolas Cansadas, em Canavieiras.

Além dos compromissos juramentados, um convite para uma segunda-feira desregrada, uma terça-feira de sustança e uma sexta-feira para abrir o fim de semana foram se juntando às atividades sociais sem que me dessem conta da responsabilidade. Seguindo o conselho do jornalista aposentado, hoje vagabundo mor Tyrone Perrucho, o único dia consagrado ao descanso é o domingo, desde que não tenha um corte de cana em vista.

Longe de mim reclamar do acúmulo de atividades sociais – também conhecidas como etílicas –, desde que, comprovadamente, seja acompanhada de boa e farta gastronomia de sustança. Confesso que já não tenho o mesmo entusiasmo cotidiano de participar de inaugurações de freezers e geladeiras, aniversários de bares, da aposentadoria de Tyrone e até do ingresso de um confrade no grupo de Whatsapp.

São tantas as emoções – como diria o rei Roberto Carlos – que cansa nossa beleza. Em determinados dias os compromissos se encavalam, sobrepondo-se de tal maneira que não tem como participar de todos, o que pode parecer uma descortesia da minha parte. Este sábado é um exemplo da intensidade de convite que não conseguirei dar conta de atendê-los como merecem.

Eis que me chega a convocação do Alto Beco do Fuxico, em Itabuna, para participar do bota-fora do fidalgo itabunense José d’Almeida Senna, que após tantos anos de labor passa a gozar da prometida aposentadoria. Viajou o Brasil inteiro para comemorar a libertação trabalhista e se encantou com a capital soteropolitana, onde cuidará de filhos e netos, deixando órfãos confrades.

E vai na contramão da ciência, pois abandona o refúgio da mais fina-flor da boemia itabunense, o bar Confraria do Alto Beco do Fuxico, onde faria a transição trabalho aposentadoria, preparando-se para o pijama. Garanto que em Salvador, além de cuidar dos netos, poderá frequentar um boteco, quem sabe o grupo dos Rolas Murchas que se reúne às tardes no Shopping Barra.

Queria ter um tete a tete com Senna e explica-lhe que a vida na capital foi muito boa no passado, quando frequentava o agito dos anos 60 e 70 no Rio de Janeiro, na flor da mocidade em plena Copacabana. Em Salvador não fará como no Cervantes, onde à noite sentava-se na calçada para ouvir os mais recentes bochichos e sucessos nacionais.

Antes, tinha dado uma passadinha no Modern Sound, do amigo Pedro Passos, ali pertinho na Barata Ribeiro. De repente, volta a Itabuna e demonstra seus dotes de promoteur no PUB, no Grapiúna Tênis Clube e outras tantas casas badaladas até chegar à Confraria do Alto Beco do Fuxico. Fez amigos e história. Sem mais nem menos, deixa o empreendimento aos cuidados do assessor Mirinho e arriba pra Salvador.

Como não poderia deixar de ser, promove um bota-fora de responsa, com música ao vivo, comidas e bebida, com o beco interditado para os festejos e mimos prestados ao viajante. Uma só dúvida entre os amigos e confrades: quem será o consagrado herdeiro que passará a operar o honorável sistema VTNCC (não tem no dicionário), que se tornou uma tradição nos momentos de descarrego emocional do fidalgo Senna, e que não será dito na capital.

Com outros compromissos assumidos anteriormente, não me farei presente fisicamente e sim de espírito no bota-fora de Senna, mas estarei presente à apresentação do Secretário Plenipotenciário da Confraria d’O Berimbau, Gilberto Mineiro, que retorna a Canavieiras para uma inspeção. É que ele passa uns dias em Santa Cruz de Cabrália e aparece ao aconchego dos confrades.

Não sei quem é o autor da frase “tudo que abunda não vicia”, mas gostaria de conhecê-lo para debater a respeito.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Desde o despertar em Canavieiras – com a alvorada de fogos – que assisto ao filme da minha vida, lembrando da infância, dos amigos presentes e os que se foram, sempre rogando por uma vida melhor. Não podemos mudar o rumo da vida, mas sempre é bom pedir a proteção de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e as bênçãos do seu filho para atravessarmos os perigos deste mundo. Mesmo sem festa, vamos vivendo.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Acordei às 5 da manhã desta terça-feira (8) com o espocar de fogos, o que não é nenhuma novidade aqui nesta Canavieiras de São Boaventura, acostumada à pirotecnia para comemorar de tudo, ou até mesmo nada. Olhos ainda entreabertos, perguntei à minha mulher em que dia estávamos, com a simples finalidade de tentar descobrir o que comemorávamos, uma data festiva, uma data religiosa, enfim, o porquê dos fogos.

Dia 8 de dezembro. Imediatamente passou um filme pela minha cabeça, quando ainda na juventude acordava de madrugada e me preparava para a comemoração de nossa Santa Padroeira, Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Era um tempo próspero para o bairro da Conceição, em Itabuna, em virtude da chegada dos frades capuchinhos – freis Isaías, Justo e Apolônio – com a missão de construir uma igreja em sua homenagem.

Quando disse tempo próspero, não me enganei. O propósito de transformar uma simples capelinha de madeira em uma grande igreja era um desafio a ser vencido pelos capuchinhos e a singela comunidade. Aos poucos passamos a conviver com os três religiosos como se fossem de nossas famílias, dada a integração e o jeitinho de pedir todos os tipos de colaboração para a concretização da obra.

Para nós meninos – dos sete, oito, 10 anos – acompanhar as obras e as funções religiosas era uma vida nova, uma atividade bem diferente, a qual complementava o período de estudos, os jogos de futebol, gude e todos os tipos de brincadeiras. Passamos a conviver com operários de outros lugares, ávidos – como nós – a ouvir e contar histórias, muitas delas vindas do nosso imaginário. Creio que deles também.

Com mais pessoas circulando, o nem tão acanhado comércio do bairro passou a vender mais e a cada momento chegava um caminhão com pedra, areia, cimento, tijolos e até um bate-estaca, equipamento nunca visto por nós. Admirávamos o operador a manejar aquela máquina, subindo e descendo aquele enorme cilindro para cavar os fundos buracos onde seriam levantadas as potentes colunas.

Nas horas vagas, ajudávamos a carregar material de construção [não era crime o trabalho infantil, mesmo voluntário], conversávamos com os frades que nos cobravam bons resultados nas aulas de catecismo ministrada pela professora Maria Zélia e prometia lugar nas funções religiosas na atividade de coroinha. Fui o primeiro a vestir a batina branca com gola e faixa azuis de coroinha – cores de Nossa Senhora da Conceição. Uma glória!

Após alguns anos, Igreja Matriz pronta e inaugurada, nossa autoestima nas nuvens, nos igualávamos com os moradores de outros bairros e do centro da cidade, pois já gozávamos de privilégios tais como uma igreja, ruas calçadas com paralelepípedos e até água encanada em algumas ruas. Com a igreja pronta, os frades iniciaram a construção de um grande colégio. Passamos a nos sentir itabunenses de verdade.

Àquela época convivíamos harmonicamente com os “crentes” de todas as denominações, isso após ver o bom relacionamento entre os frades e os pastores. E foram frei Justo, frei Isaías e frei Apolônio os incentivadores sociais da comunidade. Durante a novena em homenagem à Nossa Senhora da Imaculada Conceição, as barraquinhas com quermesses, bingos, comidas e bebidas típicas (doadas) reunia toda a comunidade.

E com nossa vida religiosa em alta, as vocações sacerdotais afloravam e, mais uma vez, fui o primeiro a ir para o seminário. Primeiro, Vitória da Conquista, em seguida, Feira de Santana, nas quais recebi educação escolar, moral e religiosa exemplar. Aos poucos vou recebendo os amigos de infância no seminário, não sei se por vocação ou por terem se inebriado com minhas visitas a Itabuna vestido com a batina de São Francisco.

Brincadeiras à parte, os frades capuchinhos foram responsáveis diretos pela transformação do bairro da Conceição, uma localidade acanhada e jocosamente chamada de Abissínia (em alusão ao país africano – Etiópia – em guerra), para um bairro charmoso e próspero. A igreja continua lá, altaneira, com seus ministros religiosos pregando a paz entre os povos.

Entretanto, este ano a Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição não pode realizar, como sempre fez, a festa em homenagem à Padroeira devido à pandemia da Covid-19. Se por um lado perde a convivência social, quem sabe do religioso contribui para o fortalecimento dos laços afetivos entre os moradores e fiéis, tão necessário nesses tempos difíceis, mas superáveis.

Desde o despertar em Canavieiras – com a alvorada de fogos – que assisto ao filme da minha vida, lembrando da infância, dos amigos presentes e os que se foram, sempre rogando por uma vida melhor. Não podemos mudar o rumo da vida, mas sempre é bom pedir a proteção de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e as bênçãos do seu filho para atravessarmos os perigos deste mundo. Mesmo sem festa, vamos vivendo.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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De minha parte, acho que valeram as orações feitas, não tanto por ele, por estar abilolado, mas pelas gozações que por certo seriam a mim impostas pelos colegas de Beco e outros refúgios etílicos existentes Itabuna afora.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Dudu Rocha…quem diria… foi parar na Gávea. Torcedor apaixonado pelo Botafogo, cansado com as perdas de decisões, Dudu devolve a faixa de campeão e resolve torcer pelo inimigo. A notícia me deixou perplexo. Após ler e reler a missiva, sem acreditar no que via, resolvi levar ao conhecimento dos amigos esportistas, torcedores diversos, até onde chega o pensamento humano. Calma, eu explico:

Do amigo, parceiro de Alto Beco do Fuxico e torcedor do Fogão, como eu, Dudu Rocha, recebo a seguinte missiva:

“Amigo Walmir:

Cansei!!!

Do amigo e ex-Bota

Dudu Rocha

29.05.08

Ainda pasmo e sem entender nada, eu lia e relia o texto enviado e o novo endereço do remetente escrito no verso do envelope:

Rem: Dudu Rocha

Novo endereço: Gávea

Confesso que levei um terrível susto e somente consegui me recuperar de tamanho choque após umas três doses da mais legítima Rio de Engenho, pois a cachaça se apresenta como um remédio providencial para essas coisas, mormente quando o assunto mexe com o coração.

Nem eu nem qualquer vivente frequentador assíduo ou não do Alto (Médio ou Baixo) Beco do Fuxico conseguiria assimilar tal tresloucado gesto, tomado de uma hora para outra. Ninguém, de sã consciência, teria coragem de acreditar numa história como essa, ainda mais se tratando de um torcedor de quatro costados, filho da fina-flor da mais tradicional família Rocha, todos botafoguenses, batizados e crismados com a camisa da estrela solitária ao peito.

Na tentativa de me refazer do susto, imediatamente liguei para amigos mais chegados, para repartir esse momento de infortúnio. Precisava saber se tudo não passava de um sonho, de um profundo pesadelo. De início, liguei para José Senna, flamenguista empedernido, capaz de abandonar qualquer farra nos bares da moda em Copacabana para assistir a uma partida do seu Flamengo no Maracanã.

Não precisa contar que a primeira reação de Sena foi achar que eu estava com febre, delirando, e disse na em cima da bucha:

– Ora, Rosário, está de porre, que cachaça brava foi essa que você tomou. Se não for cana, ficou maluco – gritou ao celular.

Mais calmo, após as devidas explicações sobre o bilhete e a faixa a mim entregue, passou à ofensiva:

– Bom, diga a ele que em princípio nós aceitamos, mas é preciso passar pelo conselho, já que ele era useiro e vezeiro em ridicularizar nosso time. Vou conversar com a diretoria lá no Rio, depois veremos. Mas pode ter certeza que a decisão será dada em alto estilo, numa assembleia extraordinária da Confraria do Alto Beco do Fuxico – prometeu.

Não satisfeito, liguei, desta vez para um vascaíno, o Paulo Fernando Nunes da Cruz (Polenga), que dentre os feitos futebolísticos traz assinalado em seu currículo o mérito de ter levado o polêmico Eurico Miranda no Alto Beco do Fuxico, quando era presidente do clube de São Januário. No Beco, mais exatamente no bar de Parente [Alcides Rodrigues Roma], provou três doses de Angélica, devidamente curada, e para arrematar ainda participou de cerca de 18 garrafas de Brahma bem gelada.

Mas voltando ao assunto, que é o que interessa, Polenga ficou injuriado com a proposta de Dudu Rocha de se transferir de mala e cuia para o Flamengo, um time com as cores vermelho e preto.

– Quem já viu isso, seu Walmir, se pelo fosse para o Vasco, que é branco e preto como o Botafogo, ainda vai lá! Isso é uma heresia. Desde que Dudu deixou Itabuna para ir morar em Ilhéus que estou desconfiando que ele não está batendo bem da cabeça –, diagnosticou Polenga, com ar proeminentemente professoral.

De lá pra cá, mais não se teve notícia de Dudu Rocha, que deixou de vir a Itabuna, pra saudade dos colegas do Beco. Tampouco José Senna deu resposta de sua reunião com o tal Conselho do Flamengo, no Rio de Janeiro, ficando o dito pelo não dito. O que é certo é que nenhuma assembleia extraordinária da Confraria do Alto Beco do Fuxico foi convocada.

Como não tive coragem de apresentar a proposta de Polenga a Dudu Rocha, também não sei se ele teve coragem de cometer o tão tresloucado gesto, desprezando General Severiano e o Engenhão, para se bandear para as acanhadas acomodações da Gávea, infestada de urubus.

Acredito que quem não deve estar em paz é o velho Dunga, seu pai, que nunca pensou ter alguém em sua família capaz de cometer tamanho sacrilégio. De minha parte, acho que valeram as orações feitas, não tanto por ele, por estar abilolado, mas pelas gozações que por certo seriam a mim impostas pelos colegas de Beco e outros refúgios etílicos existentes Itabuna afora.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

O repórter Ramiro Aquino e o narrador Geraldo Santos
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No dia seguinte, ao chegarem à emissora para apresentarem a resenha esportiva, o jovem Borrachudo, destaque no jogo, esperava os radialistas para que consertassem um mal-entendido que lhe causou dissabores em casa.

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

O futebol é pródigo em tudo! E por isso mesmo – acredito eu – a razão de tanto sucesso. No futebol, as coisas erradas acabam dando certo e nem mesmo o politicamente correto consegue sobreviver. Ainda bem! É o futebol que faz muitos jogadores famosos – alguns conceituados –, embora efêmeros, não importa, embora também seja perverso com outros tantos que vão do céu ao inferno em bem pouco tempo.

Se todo o jogador que se preze pudesse jogar como atacante, marcando gols, por certo estaria em alta constante com a torcida, endeusado pelos feitos, um drible desconcertante ali, um gol de placa para ganhar o jogo, quem sabe o campeonato. É a glória. Já outras posições, principalmente as defensivas, já não conseguem sempre conviver com esse clímax, que digam os goleiros.

Pra não ter que encompridar esse “nariz de cera”, vamos ao que interessa: os apelidos dos jogadores. Sejam eles oriundo da infância – de casa ou da rua – ou os recebidos nos campos de futebol. Não causa espanto que uma grande parte dos apelidos tenha sido dados pelos cronistas esportivos – notadamente os repórteres de campo e narradores de partidas inconformados com a pronúncia ou bizarria.

No nosso futebol paroquiano – seja Itabuna, Ilhéus ou Salvador – os jogadores conhecidos por apelidos não são poucos e muitos fizeram história sem se importar de como passaram a ser conhecidos. O importante era jogar bola, e bem, seja em que posição atuasse. Há também casos em que os nossos cronistas esportivos simplesmente não gostaram do apelido e passaram a chamá-lo pelo nome, o que nem sempre deu certo.

Alguns apelidos são inesquecíveis e se encaixam perfeitamente nas pessoas – no caso os jogadores em questão – e o exemplo mais límpido é o de Pelé (Edson Arantes do Nascimento soa estranho); Garrincha, Mané Garrincha, tanto faz; Didi, o Folha Seca, o Príncipe Etíope, o Senhor Futebol, todos conhecem, mas se perguntarmos por Waldir Pereira…dará um trabalho danado para sabermos de quem se trata.

O Furacão da Copa também atende por Jair Ventura Filho, ou Jairzinho, sem qualquer problema, já o também botafoguense Heleno de Freitas era chamado de Príncipe Maldito, o que, convenhamos, não pega bem. Artur Antunes Coimbra ainda é chamado de Zico, um diminutivo dado pela família, mas os narradores da época gostavam de chamá-lo pela alcunha de Galinho de Quintino, sem qualquer problema.

Agora imaginem a mãe de um jogador de futebol ter que aturar a crônica esportiva chamar o seu mimoso filhote de Leandro Banana, Flávio Caça-Rato, Pinga (o herói do Hexa da Seleção de Itabuna). Cláudio Caçapa? Melhor a morte! Pior, ainda, é Cascata, Ruy Cabeção (ex-Botafogo), Yago Pikachu, Boquita, Rafael Ratão, embora pouco importassem que nomes os chamassem e sim o que futebol que jogavam.

Em certos casos os nomes de batismo e registro civil não pegam bem para um jogador de futebol. Imagine o narrador ter falar com rapidez que Parmênides passou a pela para Ariclenes, que driblou Pelópidas Guimarães. Esses nomes não deram certo nem no cinema e televisão, tanto que Ariclenes se transformou em Lima Duarte e Pelópidas passou a ser conhecido e chamado por Paulo Gracindo.

E assim é por esse mundo afora. Não foi diferente com um lateral-esquerdo do meu Botafogo do bairro Conceição, conhecido por Borrachudo. Para não perder a embocadura, nesta época o Botafogo de Rodrigo tinha o jovem Iaiá como um promissor goleiro e mecânico da empresa de ônibus Sulba. Ao ser convocado para Seleção de Itabuna não quis saber do apelido e só aceitava ser chamado por Aderlando, conforme lembra outro não menos famoso goleiro Raul Vilas Boas, também conhecido no futebol por Marcial (goleiro do Flamengo) pelas pontes que cometia para pegar as bolas altas.

Como sempre, a mídia acredita que sempre sabe das coisas e o grande narrador da época, Geraldo Santos (hoje Borges), e o repórter e comentarista Ramiro Aquino resolveram dar uma forcinha para Borrachudo. Apesar de experiente, a dupla nunca tinha visto um apelido desse, e logo no jovem reserva do Botafogo que assumiria a titularidade o apelido poderia ser um fator negativo.

Tudo combinado na emissora e no dia seguinte começa o jogo no velho campo da desportiva entre o Botafogo e Fluminense. E o nosso lateral-esquerdo fez valer sua ascensão e foi um dos destaques do jogo. Só que em vez de Borrachudo, os radialistas Geraldo Santos e Ramiro Aquino se esmeraram em chamar o jovem pelo seu nome de batismo: José Carlos, como tinham prometido.

No dia seguinte, ao chegarem à emissora para apresentarem a resenha esportiva, o jovem Borrachudo, destaque no jogo, esperava os radialistas para que consertassem um mal-entendido que lhe causou dissabores em casa. É que a senhora mãe de Borrachudo – agora José Carlos – passou-lhe o maior sabão por ele ter dito que jogaria naquela tarde e seu nome sequer apareceu no rádio. Ela não tinha ouvido uma vez sequer na transmissão.

Desse dia em diante a dupla Geraldo Santos e Ramiro Aquino desistiu do intento de mudar os nomes dos jogadores, se esmerando para tornar as transmissões mais humanizadas. José Carlos voltou a ser chamado de Borrachudo e o seu colega goleiro Aderlando, que não teve grande êxito na seleção itabunense, voltou a ser chamado pela crônica esportiva de Iaiá. Sem traumas!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

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Com ar professoral, o Comandante de Longo Curso desfiou uma longa história sobre sua experiência em jornadas por rios e mares, a exemplo da expedição que planejou há cerca de 50 anos, ainda nos tempos em que Buerarema se chamava Macuco.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Eu tinha a simples percepção que essa viagem não daria certo, apesar de ser uma pessoa otimista que sempre acredita nas coisas novas, mesmo quando experimentais, principalmente quando vislumbro aventura. Além do mais, pelo cenário pictórico dos manguezais, com suas plantas exuberantes, deixando à mostra suas enormes raízes e folhas, numa viagem emocionante pelos canais fluviais entre Canavieiras e Belmonte.

Minha apreensão não se prendia às qualidades e habilidade do piloto da lancha, marinheiros acostumados às constantes viagens de turismo ou simples transportes entre essas duas cidades, encantando seus passageiros. Conhecimento da área não faltam aos experimentados marinheiros, que sabem – sem consultar o Google ou os livros – os horários das marés, os ventos e outras intempéries.

Buscam, sempre, o “mar de Almirante”, para deixar à vontade seus clientes, ávidos por fotos e filmes com a exuberante paisagem e fauna, buscando emoções nas imagens, em que caranguejos e guaiamuns se transformam em artistas de cinema, mais, ainda, verdadeiros astros. Pegar o voo de uma garça, então, é a glória, que dirá os saltos de peixes e a paisagem bucólicas das casas dos pescadores e agricultores.

Mais essa viagem não seria apenas um simples translado de Canavieiras a Belmonte, cidades tão próximas que, às vezes parecem distantes. O percurso, feito em apenas 40 a 50 minutos, a depender das condições de navegabilidade, seria feito com esmero. E para garantir a segurança dos Irmãos, não teria comandante mais gabaritado do que Raimundo Antônio Tedesco, versão canavieirense de Vasco Moscoso de Aragão, Capitão de Longo Curso.

Nomeado comandante da aventura, tratou de vasculhar sua vasta biblioteca, na qual pesada bagagem literária proporcionam conhecimento sobre o planeta terra, e as diversas galáxias nesse vasto universo. Mãos à obra, tratou de vasculhar toda a literatura sobre a tábua de marés, assoreamento dos rios, mudança de rota e percursos causadas pelas correntes marítimas.

Após vasta consulta, eis que seu Raimundo Tedesco decidiu que o melhor horário seria sair às 8 horas, já com sol quente e maré alta. Um dia depois descobriu, na sua bagagem literária, que o horário mais prudente era às 10 horas, nem um minuto a mais ou a menos. Com ares de especialista em oceanografia, englobando aí, rios e canais navegáveis, foi passar as coordenadas ao experiente marinheiro.

Mapas, livros, bússola, astrolábio, quadrante e balestilha, nosso Comandante de Longo Curso passa a explicar ao marinheiro a importância de sair no horário, para aproveitar a maré e evitar contratempos, alguma árvore de mangue caída no canal. Foi quando, de forma paciente, o homem do mar que conduziria a lancha explicou que no sábado (23), a maré boa para a viagem seria ao meio-dia e não às 10 horas, como queria Tedesco.

Nova ordem repassada aos inexperientes viajantes Batista, Ériston e Júnior Trajano, que prometeram não atrasar a viagem. Exemplo inédito veio de Batista, que passou a sexta-feira a pão e água, prometendo acordar cedo, temendo causar atraso e provocar dissabores. Afinal, alertou o Comandante de Longo Curso Tedesco, não se sabe quando o mar fica escrespado, causando as terríveis tormentas conhecidas nas velhas e clássicas enciclopédias mantidas com todo o zelo na biblioteca do estudioso Tedesco.

Com ar professoral, o Comandante de Longo Curso desfiou uma longa história sobre sua experiência em jornadas por rios e mares, a exemplo da expedição que planejou há cerca de 50 anos, ainda nos tempos em que Buerarema se chamava Macuco. Pretendia o ainda jovem marinheiro, embarcar numa canoa no ribeirão Macuco, continuar pelo Itararé, até alcançar o Santana no Rio do Engenho e chegar à baia do Pontal.

Outra opção era chegar à serra do Serrote, descer o rio Sapucaeira e chegar ao rio Acuípe, aportando bem ao Sul de Olivença, no oceano Atlântico, próximo a uma aldeia dos índios Tupinambás. Entretanto, o projeto não foi à frente por falta de patrocínio e, aconselhado pelos amigos e professores Antônio Lopes (jornalista) e Jolisson do Rosário (bancário), terminou por abortar o projeto, mantido até hoje numa pasta azul num local de destaque em sua biblioteca.

Ao saber da história, o confrade fundador da Confraria d’O Berimbau junto com Tedesco, Tyrone Perrucho, alertou por qual motivo não teria incluído o Comandante de Longo Curso na organização e planejamento da circunavegação das sete ilhas de Canavieiras. Para Tyrone, é muita ciência para tão pequena expedição que, mesmo por toda sua importância histórica, ficaria a cargo de marinheiros mais afeiçoado ao rio Pardo e seus afluentes.

Voltando à viagem, o condutor da lancha fez um percurso perfeito por entre os canais dos mangues até chegar a Belmonte, trazendo-os de volta no domingo pela manhã, com a maré bastante favorável. A única baixa – se é que assim pode ser chamada – foi um mal-estar nos brônquios do Comandante de Longo Curso, após o minucioso estudo das navegações, que consumiram muitas horas aos livros e enciclopédias guardados desde crianças e tomado pelos fungos.

Mas uma missão como essa de tamanho significado não teria a mesma importância não fosse a missão dos nobres viajantes, que deixaram, num sábado ensolarado, uma promissora assembleia na Confraria d’O Berimbau, para se dirigir a Belmonte. Somente um evento do naipe de uma Iniciação na Loja Maçônica União e Sigilo mereceria todos os cuidados dispensados pelo Comandante de Longo Curso aos irmãos marinheiros de primeira viagem.

Altruísmo!

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Tempo de leitura: 4 minutos

As pesquisas estão aí, realizadas a cada semana para mostrar a força de cada grupo, de cada candidatura, mas continuam guardadas a sete chaves, longe das vistas de curiosos sob pena de fazer ruir os castelos de areia ameaçados pelas fortes ondas da maré cheia que avança pelas praias ilheenses.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

A eleição presidencial de 2018 foi rica em ensinamentos e quem buscou o aprendizado agora nada de braçadas na eleição municipal neste ano de 2020, em que a pandemia tratou de mudar, ainda mais, o comportamento e costumes da sociedade. Os novos, ou diferentes, trataram de ocupar seus espaços e fizeram com maestria, falando a verdade, olho no olho, sem ter o que esconder da população.

E assim está sendo por todo esse imenso Brasil, exceto em algumas cidades, que embora não seja tão insignificativo que não merece um estudo maior, devido a diferenças paroquiais atávicas. No sul da Bahia uma cidade me chama a atenção: a tradicional Ilhéus, que volta e meia chuta o pau da barraca, dá um freio de arrumação e desbanca a velha e coronelista política.

O que acontece em Ilhéus é por demais importante para a sucessão no estado da Bahia, haja vista as duas forças políticas postas como as preferidas do eleitorado baiano. Uma, a liderada pelo governador petista Rui Costa e, do outro lado, aparece o prefeito de Salvador, ACM Neto, considerado o melhor prefeito de capital conforme apresenta todos os institutos de pesquisa.

Mas o que tem ACM Neto a ver com a escolha do futuro prefeito de Ilhéus? Tudo, digo eu, e explico. Conforme deixou claro, o melhor prefeito do Brasil pretende influir no pleito de 15 de outubro em vários municípios e Ilhéus se tornou a preferida. E o seu candidato é o empresário Valderico Junior, que desponta no tabuleiro político como o representante da verdadeira mudança.

Com a vitória do candidato de ACM Neto em Ilhéus, o prefeito e provável futuro candidato a governador, conforme mostram as pesquisas, pavimenta uma enorme avenida em direção ao palácio de Ondina. Por outro, faz vestir os pijamas listrados da aposentadoria política muitos adversários, a exemplo de Jabes Ribeiro, a deputada Ângela Sousa, Cacá Colchões, que abandonou o voo solo, e Ednei Mendonça, há anos liderando o petismo.

O que Valderico Junior apresenta de novo para que represente esse desejo de mudança da população? A esperança dos que ano após ano votam nos mesmos, com as velhas promessas e as conhecidas desculpas. Pouco ou nada fazem, embora pretendam se manter por décadas a fio no poder. Perderam a noção de tempo e do espaço e ainda se julgam os coronéis, chefes de jagunços armados de parabéluns e repetições.

As armas para a guerra eleitoral de hoje são outras, bem diferentes daquelas que vomitavam chumbo e terror. São simples smartfones, carregados de máquina fotográfica, filmadora, gravador, dentre outros aplicativos que fazem uma notícia correr o mundo com um simples clique no facebook, instagram, twitter. E causam um terror maior do que uma bomba atômica por mostrar, em tempo real, as mentiras, a corrupção, a falta de compromisso.

E foi com um aparelhinho desses que esses dias recebi imagens de alguns representantes da velha políticas serem enxotados de um dos morros ilheense sob protestos, estrepitosas vaias e palavras de ordem. Os velhos coronéis perderam o comando, o povo não mais se entusiasma com a retórica ultrapassada, os discursos rococós repetidos com exaustão a cada período eleitoral, para nunca serem cumpridos.

Se analisarmos bem, muitos são os candidatos que se apresentam em Ilhéus. Alguns são mais dos mesmos, outros representam segmentos fechados e um deles aparece desafiando o atavismo político. De início não acreditaram, apenas e tão somente por não ter pertencido aos seus grupos, ter vindo da mesma escola da enganação e da visão caolha da gestão pública.

Se enganaram redondamente e a luz vermelha acendeu com tanta intensidade, que a luminosidade chegou a Salvador, subiu ao palácio de Ondina atrapalhando os planos políticos de Rui Costa no sul da Bahia. No grupo aliado do governador, liderado pelo senador Otto Alencar, o crescimento de Valderico Junior caiu como um tsunami na estratégia de manter o poder por mais quatro anos no Palácio da Conquista.

Mas o que tem esse garoto que por muitos anos comandou a música que sempre trouxe alegria para o ilheense do morro e do asfalto a preocupar os poderosos da política de Ilhéus e Salvador? Para os que ainda não sabem, ele fala a mesma linguagem do povo, mostra com simplicidade o que poderá fazer para diminuir as diferenças econômicas e sociais, uma receita simples quando honesta nos propósitos.

As pesquisas estão aí, realizadas a cada semana para mostrar a força de cada grupo, de cada candidatura, mas continuam guardadas a sete chaves, longe das vistas de curiosos sob pena de fazer ruir os castelos de areia ameaçados pelas fortes ondas da maré cheia que avança pelas praias ilheenses. Como diz a sabedoria popular, as velhas raposas já não amedrontam como antes e nem mesmo convencem.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.

Tempo de leitura: 3 minutos

Para evitar as derrotas frequentes, apesar de ter formado uma grande equipe, contrataram um décimo terceiro jogador, de apelido estranho: VAR, o tal árbitro assistente de vídeo, que constantemente livra o time das derrotas.

 

Walmir Rosário || wallaw2008@outlook.com

Por mais que eu goste de alguns amigos flamenguistas, não posso me furtar de lembrar as grandes goleadas aplicadas pelo Botafogo no Flamengo, que jamais serão apagadas da história do futebol. Em 10 de setembro de 1944 – prestes a completar 75 anos, portanto – o clássico disputado pelo Campeonato Carioca, em General Severiano, não acabou. Isso porque os jogadores do Flamengo, ao tomarem o quinto gol sentaram em campo.

Peço perdão pela lembrança aos meus amigos José Senna, Tolentino, Batista, dentre outros, mas não podemos deixar fato como esse apenas nos arquivos de jornais da época, pois não sou baú para guardar segredo. E olha que já vencemos o Flamengo por placares mais elásticos, como no Campeonato Carioca 1927, quando o Botafogo atropelou o Flamengo pelo placar de 9 a 2, na Fase única do certame.

Outros botafoguenses não abrem mão da partida em que o Botafogo venceu com facilidade o Flamengo por 5 a 0, no estádio General Severiano, na Fase 1º Turno do Campeonato Carioca 1924. Outro jogo famoso foi aquela goleada por 6 X 0, em 15 de novembro de 1972, em que os flamenguistas do famoso Canal 100 jogaram fora o filme com vergonha de tamanha derrota.

Mas o lendário Jogo do Senta, que hoje tem poucas testemunhas, embora esteja registrado nos anais da história, como já disse, deixou os flamenguistas acabrunhados, pois após o time sofrer o quinto gol, do atacante alvinegro Geninho (depois técnico), os jogadores do Flamengo se sentaram em campo. E a desculpa ridícula do protesto teria sido a marcação do quinto gol.

Como acontece até os dias atuais, os jogadores do Flamengo reclamam de tudo e de todos, e naquele fatídico dia 10 de setembro de 1944 não foi diferente e partiram pra cima do árbitro tentando intimidá-lo a anular o tento. Como o árbitro Aristide “Mossoró” Figueira sustentou o apito e os flamenguistas se sentaram em campo, apesar dos protestos do seu treinador, Flávio Costa. Há quem afirme que a ordem teria partido dos dirigentes flamenguistas.

Enquanto os jogadores rubro-negros protagonizavam a ridícula cena, os torcedores do Bota provocaram os atletas flamenguistas, gritando: “Senta para não apanhar de mais”. Nesta partida, o segundo tempo terminou aos 31 minutos, quando o juiz decidiu encerrar o jogo por atitude antidesportiva. Os dirigentes do Flamengo recorreram ao Tribunal de Penas da Federação Carioca, mas o resultado do campo (5 a 2) foi mantido.

E esse tipo de comportamento antidesportivo é prática useira e vezeira no Flamengo, que perde em campo e não se conforma, buscando a pretensa vitória nos tribunais, o que nem sempre acontece. Recentemente, recorreu até o Supremo Tribunal Federal (STF) por um título de campeão brasileiro, com mais uma derrota no tapetão, após sucessivas decisões em várias instâncias.

E essa pendenga vem rolando desde 1987, quando em mais uma lambança, o Flamengo se recusou a jogar contra o Sport pernambucano. Na ocasião, o Flamengo venceu a Copa União, mas a CBF mandou jogar a semifinal com Inter (segundo colocado), Sport e Guarani (que venceram o Módulo Amarelo). Flamengo e Inter se negaram a disputar os duelos. Assim, o Sport venceu o Guarani e acabou sendo considerado campeão.

E as proezas do Flamengo continuam tão em voga, que se escondem depois do resultado adverso e da perda dos campeonatos, o famoso cheirinho, como costumam “gozar” os adversários. Para evitar as derrotas frequentes, apesar de ter formado uma grande equipe, contrataram um décimo terceiro jogador, de apelido estranho: VAR, o tal árbitro assistente de vídeo, que constantemente livra o time das derrotas.

Mas voltando aos 5 X 2 de 10 de setembro de 1944, esse jogo foi relatado pelo jornalista Paulo Cézar Guimarães no livro “Jogo do Senta: a verdadeira origem do chororô”. O lançamento, como era de se esperar, foi realizado na sede do Botafogo, em General Severiano. Nada melhor para marcar o polêmico jogo e resgatar detalhes daquela partida. Mais uma vez, peço desculpas aos flamenguistas, mas só pela lembrança.

Walmir Rosário é radialista, jornalista e advogado.