Tempo de leitura: 3 minutos

70-mm

Final 3,5

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Ter argumentos para criticar o estado atual das coisas só não é mais fácil do que cair em uma irritante vala de lugares-comuns na tentativa de fazê-lo. Geralmente, trata-se de repetir discursos e choros, de ser duplamente preguiçoso: primeiro ao abusar de clichês, depois ao nada fazer para ir além deles. Dito isto, é bom assistir a um (ganhador do prêmio ACID – Agência para Difusão do Cinema Independente – em Cannes) O Homem que Incomoda (Den Brysomme Mannen – Noruega/ Islândia, 2006), de Jens Lien, curioso caso de alguém com um jeito realmente especial de falar do viver contemporâneo; ainda que (ou também por isso) a realidade seja muito específica – a norueguesa.

O filme de Lien traz pouca empatia, tem relações (imagino que propositadamente) superficiais e mais um bocado de coisas que imediatamente ligamos à contemporaneidade, capitalismo, egoísmo e todo essa questão que, de um lado ou de outro, tende ao panfletário. Mas um dos grandes trunfos aqui, talvez o maior deles, está nos momentos de um ritmo mais lento, o que nos leva a uma contemplação que nos faz captar uma cena incômoda sem que ela se torne “inassistível”; a beleza é convocada em inusitadas cenas agonizantes – como a dos trilhos.

Não menos interessante é a ironia que o título carrega ao avaliarmos o personagem principal, alguém à margem da sua sociedade basicamente por ter sentimentos e problemas. Naquele mundo, a imperfeição é uma anomalia, e ele é informado de que, ali, todos são felizes – sendo assim, ele não é bem vindo. E embora esse momento assuma um didatismo que o filme conseguia brilhantemente evitar até ali, ele ajuda a representar bem o desespero que imaginamos – ou nem tanto, dado o que vemos depois – ser sentido por ele.

Quando alcança seu final, O Homem que Incomoda volta a mostrar força ao sugerir frieza e crueldade de maneira sutil, dando a cada um a possibilidade de visualizar (já que ouvimos e sentimos) a aflição alheia – que poderia ser a de muitos de nós. Em meio a uma possibilidade grande de cair em emulações fáceis, é difícil mesclar secura e delicadeza em doses razoáveis e de maneira tão equilibrada.

Filme: O Homem que Incomoda (Den Brysomme Mannen – Noruega/ Islândia, 2006)

Direção: Jens Lien

Elenco: Trond Fausa Aurvaag, Petronella Barker, Per Schaaning, Birgitte Larsen

Duração: 95 minutos

Filmes da semana:

  1. Vicky Cristina Barcelona (2008), de Woody Allen (***1/2)
  2. Roleta Chinesa (1976), de Rainer Werner Fassbinder (***)
  3. A Primeira Noite de Tranqüilidade (1971), de Valerio Zurlini (***1/2)
  4. Nós Que Nos Amávamos Tanto (1974), de Ettore Scola (***)
  5. Dançando no Escuro (2000), de Lars Von Trier (***)
  6. O Homem que Incomoda (2006), de Jens Lien (***1/2)
  7. Um Filme Falado (2003), de Manoel de Oliveira (***1/2)
  8. Faça a Coisa Certa (1989), de Spike Lee (**1/2)
  9. Benjamim (2003), de Monique Gardenberg (**1/2)
  10. Femme Fatale (2002), de Brian de Palma (***)
  11. Sorrisos de uma Noite de Amor (1955), de Ingmar Bergman (***)

Leandro Afonso é comunicólogo, blogueiro e diretor do documentário “Do goleiro ao ponta esquerda”

www.ohomemsemnome.blogspot.com

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